quarta-feira, 12 de junho de 2024


 





 A MAQUETE


UM LAR ALÉM DAS ESTRELAS




Albani Borges


2024



Introdução


O Homem e suas Escolhas


Às vezes penso que estou apenas presumindo, mas é certo que as coisas mudaram muito. Foram acontecendo de forma lenta e gradual, sutil, porém calculadas. Talvez quando o homem, ainda no jardim do Éden, transgrediu o primeiro princípio da vida. O princípio fundamental. A quebra do relacionamento com seu criador. De uma coisa eu tenho certeza, nada, nunca mais foi como no começo. Quer dizer, como antes dessa quebra desse e de outros princípios.

A partir de então foram-se a liberdade e o bom relacionamento do homem com seu criador, do homem consigo mesmo e consequentemente com o seu semelhante. Ali, e naquele momento, o homem polarizou a sua fé e as suas atitudes em relação ao mundo espiritual, agindo justamente como homem material. Realmente ele se rebelou contra a ordem do seu criador, abalou a ordem de todos os princípios universais e a partir de então vem tentando viver às suas próprias custas, fazendo as suas próprias escolhas. Vivendo do modo em que pensa ser o melhor para si, e porque não, para os seus semelhantes. Mais para si do que para os outros. Terminará, creio, quando ele acreditar que realmente é auto suficiente e que não precisa mais do seu criador. Que ele seja capaz de dominar todas as coisas. Inclusive de promover a paz entre os povos. De desmaterializar-se e materializar-se novamente. Quando ele achar que se desligou totalmente do seu criador chegando a um estágio que o leve a pensar que é ele próprio. Aliás, que ele, o homem, é o próprio criador de si mesmo.

Hoje o homem vive achando que tem o direito de se governar, e o pior, ele vive pregando a inexistência de Deus. Ele prefere acreditar no acaso. Na autoadaptação, ou evolução adaptativa, e seleção natural. Para apoiar sua falta de crença, ele vive criando teorias que não podem ser provadas, para serem transformadas em lei. É claro que as coisas não aconteceram de uma hora para outra. Passaram-se milênios até chegar ao que é hoje. Com a quebra de um princípio, ele achou fácil quebrar outro, e acostumou-se com isto, chegando a achar que descobriu a verdade. Uma mentira não desfeita, pregada com insistência, para ele vira verdade. É o que ele diz. É o que ele acredita. Hoje ele quer que acreditem que se tornou, ou pelo menos, se tornará um deus.

Creio, em função dos últimos acontecimentos, que estamos no limiar desse portal, do qual ao ser trasposto, não tem mais retorno. O homem pensa que é capaz, antes mesmo de o ser. Mas o próprio Criador há de colocar um fim nas atitudes desvairadas do homem ímpio na face da terra. Do homem que acreditou, e acredita viver sem o seu criador. Com o homem, com toda certeza, irá o doutrinador de todo esse grande mal conduzido desde o início. Creio, mesmo, que se pudesse ao menos presumir sua verdadeira condição ausente do seu Criador, jamais quereria isto. Mas como sua mente está embotada pelas suas próprias decisões, não pode perceber o caminho por onde se embrenhou. Não perceberá que está transpondo um portal do qual não retornará eternamente.

Foi a partir dessa maldita fórmula, que o segundo homem matou o seu próprio irmão, o terceiro, e tentou fugir da presença do Criador e de seus familiares. Pensou em vão se isolar, mas não conseguiu a não ser trazer sobre si e seus semelhantes a uma grande maldição. Tentou construir suas próprias ideias em torno do que achava bom para si, primeiro, depois para os seus semelhantes, o que na verdade eram em nada, semelhantes a si, mas inferiores e seus serviçais apenas. Parece que esta sempre foi a vontade do homem depois da queda. Ser o maior, o melhor, o dominador, o próprio deus. Aqueles a quem queria e poderia mandar, exigir, escravizar, sempre em troca de um mínimo de provisões. O homem sujeitado, aos poucos, foi criando a imagem de que realmente aqueles, eram superiores e deveriam lhe prestar honras. Chegaram a tê-los como seus deuses tributando-lhes culto, honra e serviço. Isto nos parece ter acontecido no dia de ontem.

As nações foram se desenvolvendo, crescendo em número, em experiência, em ciência e poder de guerra, mais do que de produção e barganha de alimentos e riquezas. Inventaram o fogo, a roda, e as máquinas. Transformaram-se em criadores, agricultores, médicos, escritores e matemáticos. Foram conquistando territórios, construindo casas, palácios, cidades e monumentos, estradas e meios de transportes. Dominando outros povos e domesticando animais, até que surgiram as ideologias, a filosofia, e a história começou a registrar os fatos e os feitos dos homens e das nações poderosas.

Suas construções monumentais perpetuaram os seus nomes e seus feitos. Quando eram vitórias. Suas armas de gurra cada vez mais eficientes serviam para matar ou dominar o seu semelhante. As armas, sempre na vanguarda das invenções deixavam de lado os meios para vestirem-se e alimentarem-se e se curarem. À frente dos medicamentos para curar as feridas, produzidas na maioria das vezes por suas próprias armas, em suas guerras. As armas, cada vez mais eficientes chegando uma única, ser capaz de matar ou deformar milhares de pessoas de uma só vez. O homem neste afã, foi da queixada de jumento a bomba atômica e de nêutrons, do veneno extraído de insetos e de plantas, aos vírus de laboratório, em um piscar de olhos. Enquanto isto, os medicamentos eficientes, ficaram nas pipetas congeladas em nitrogênio líquido. Poucos doentes tinham dinheiro suficiente para ter acesso a eles.

Por fim, dos costumes, passou-se a cultura, que se desdobrou em etnias, línguas, moedas de troca e papéis com valores predeterminados. Aos Bitcoins e demais criptomoedas. Meios de comunicação e meios de divulgação, estes, a princípio, realizados por pessoas capazes, de correr grandes distâncias para anunciar um fato em primeira mão aos seus comandantes, até os modernos centros de registro e de distribuição de documentos e de informações. Chegaram aos meta-arquivos avançados e globais. A imprensa deu sua contribuição na história, na cultura e no saber, elevando o homem à categoria do registro e divulgação. Deu início a um sistema de padronização das ideias e do conhecimento, até então tradicionados. Chegamos aos nossos dias com internet, sistemas virtuais e universais avançados, mais poderosos do que o próprio cérebro humano. O registro e compilação do conhecimento e da informação, passou das toneladas de papel a milhares e milhares de terabytes em minúsculos circuitos integrados. Chegamos aos cruzeiros marítimos, e celestes, de milhares de toneladas em carga, em voos de grandes e poderosas aeronaves, e gigantescos navios. Centenas de vagões puxados por poderosos motores a explosão sobre trilhos de aço e concreto. Suspensos por campos magnéticos correm a trezentos quilômetros por hora. Chegará um dia a trezentos mil por segundo?

A invenção da escrita, com tantos literais e algarismos, deixou as paredes rochosas das cavernas, as tábuas de argila e peles de animais e paredes dos palácios. Passou pelo papiros chegando novamente ao zero e um. Hoje usamos QR codes e códigos de barra horizontais. Nosso comportamento, com tudo isso mudou. Não precisamos mais nos aproximar uns dos outros. Aliás, nem queremos isso, a não ser para um contato físico específico. Sexo. Tudo pode ser feito à distância. Muitas vezes, até mesmo o sexo. Com manequins sedosos, articulados e inteligentes, que não envelhecem nem ficam flácidos e nem impotentes. Com nossas pequenas máquinas de mesa, de mão ou de pulso, e de cama, podemos satisfazer nossos prazeres, e comandar uns aos outros. Comandar nossas máquinas grandes, que podem fazer de tudo sozinhas. Com maior agilidade, com mais precisão e perfeição. Mais barato.

Hoje, no século XXI, o homem não precisa mais decorar, nem aprender, a não ser usar suas pequenas máquinas de memória, de comunicação, de trabalho, e de diversão. O homem caminha para deixar de usar as mãos e os pés. Move tudo com o olhar ou com o pensamento. As máquinas de controlar as máquinas, e dominar as mentes humanas. Máquinas da globalização. A máquina, assim desenvolvida, deu lugar aos sistemas. De sistemas mais simples a sistemas capazes de controlar o mundo inteiro. Quer dizer, todas as pessoas, e todas as máquinas de uma só vez. O homem que pensa, hoje, ser livre para pensar, para produzir e para agir, para dominar e impor suas ideias, tornou-se escravo de suas máquinas. Sem elas não pode mais fazer nem dominar. Chegou, enfim, ao potencial da autodestruição. Só falta mesmo, colocar o dedo no teclado. Ou colocar o pensamento em ação, orientado.

Pensando enganar a todos, ele quer mesmo exterminar seu semelhante, aos poucos, e, em pequenas remessas de milhares, mesmo tendo poder para fazê-lo de uma vez. Sua sede de domínio e de controle que parece não ter fim, caminha por esta estrada de mão única. Sem volta. Creio que ele está chegando ao fim.

A sede de poder do ser humano parece não ter limites. Ele cresce, enriquece, e conquista parceiros. Parceiros não para auxiliar, mas serem dominados. Na melhor das hipóteses, para ajudar a dominar. Constrói imensas fortunas, mesmo que seja para perder sua paz e seu descanso, somente para afirmar seu poder de dominar os outros seres humanos. Mesmo que nunca possa desfrutar de sua piscina com incrustações de pedras preciosas, ou das torneiras de prata em pias de marfim, nos imensos banheiros de suas grandiosas mansões. Desejo de ser como deus, e até mesmo ser um.

_Onde fica Deus nesta saga? Pergunta o crente. _Deus, Deus não fica. Responde descrente.




A Maquete


E foi este o local onde uma nova era se instalou definitivamente. No início, talvez até sem este propósito, mas lá ele se desenvolveu. Muitas pessoas não acreditaram que ela chegasse onde chegou, e quando isto aconteceu, uns cantava alegres enquanto outros choravam por não haver reconhecido sua verdadeira identidade desde o início.

Era a sede de um grande e rico país e um próspero governo. Ele tinha a maior população da terra, e precisava desesperadamente de soluções prática e baratas para alimentar e sustentar seu povo. Tinha também a maior força de defesa, o maior número de soldados do mundo e precisava manter o maior orçamento. Ele, já há muito tempo, possuía vocação socialista, ou comunista, sei lá, com governos aristocráticos extremistas. Para manter seu crescimento, vinha estendendo lentamente as suas garras influenciais sobre várias nações. Sua meta era o domínio econômico para tirar o melhor proveito possível das nações. Em pleno século XX, até mesmo países ricos e poderosos, sofriam sua influência: afinal é este o século do globalismo. Nele, ganha mais quem vende mais e compra melhor.

A ideia era simples, mas funcional. Aos poucos, com sua prosperidade tecnológica e econômica e, seu parque industrial e potente, e PIB sempre crescente, procurava espalhar sua influência, migrando seus cidadãos e com eles sua filosofia, formando verdadeiras vilas e cidades, vendendo seus produtos baratos e comprando tudo que precisavam. Enquanto, isto, adquiria grandes áreas de terras e grandes empresas, com o propósito de se tronar a maior potência mundial. Sua estratégia era infalível, e assim ia se estabelecendo. Afinal, o mundo agora é globalizado. Suas fábricas modernas, trabalho com mão de obra quase que escrava, por isto tinham os preços mais competitivos. Sua empresa cinematográfica sempre crescente, produzia filmes populares, sob medida para as mentes das massas mundiais, sempre procurando influenciar com suas ideias nada liberais. Assim, sempre cheia de vítimas e heróis, evidenciava seu poderio e sua cultura, com seu clichê populista e anticultural. Sempre pregando suas ideias. Comprava emissoras de TV e outros veículos de comunicação sempre impondo sua cultura e sua ideologia a preços fixos. Seus laboratórios de pesquisa e produção de insumos químicos e medicamentos, exportava para o mundo inteiro sempre procurando meios de exercer seu poder para negociar sempre a seu favor. Com jogadas comerciais espúrias, sempre conseguia influenciar a balança comercial com negociatas não muito limpas. _No jogo internacional nem sempre ganha quem tem mais para vender, mas quem compra em maior quantidade. Assim viva o governo e planejava novas metas ambiciosas para sé e para o mundo.


Em uma sala imponente, de um prédio luxuoso e muito exuberante, em meio a outras torres de concreto, ferro e vidro, numa megametrópole, uma mesa com cadeiras para comportar várias pessoas, com vários assistentes. Mesas e utilitários para os assistentes ficavam ao redor da grande mesa de madeira nobre, rabiscada com ouro e prata, e engastes de marfim. Painéis, monitores, teclados e periféricos, e muita iluminação artificial. Tudo com requinte e muito luxo, estava sendo preparada para a próxima reunião da cúpula do governo. Tinha sensores e sistemas de espionagem e contra espionagem, os mais modernos já concebidos e produzidos pela mente humana.

Enquanto uma equipe altamente especializada instalava, outra examinava e checava tudo que já tinha sido feito. Outra ainda, inspecionava pela terceira vez. Todos faziam seus relatórios com detalhes e os apresentavam ao seu superior. Este por sua vez o fazia ao seu imediato. _Em regimes totalitários, tem sempre alguém superior ou com poder para fiscalizar o outro, e pronto para denunciar ao menor deslise, tudo que foi feito.

_Prestem atenção para a nossa rotina. Não podemos cometer falhas. Ordenava um oficial enviado por seu comandante. Façam tudo com perfeição. Este é o dever de cada um para com os Líderes e o Estado.

_Nenhuma informação pode sair desta sala, a não ser através dos nossos camaradas que a usarão em seguida. Estamos entendidos?

_Sim Senhor. Todos respondia de cabeça baixa.

_Retirem-se todos e nada de comentários.

Logo em seguida, a sala se enche, e alguns tomam posição diante de pequenas placas luminosas, escritas com o nome de cada um. Em seguida outros tomam seus lugares nas mesas na periferia da sala e testam seus equipamentos com todo cuidado. Alguém se lembrou de se abaixar e examinar a parte inferior da sua mesa, mesmo percebendo as imagens de uma câmara instalada estrategicamente sob esta. Serviçais distribuem água e aparelhos de comunicação, devidamente inspecionados. Todos de pé e em seus lugares, homens e mulheres impecavelmente vestidos, uniformizados, e reverentes mantinham as cabeças baixas, até que entra um senhor de boa altura, sisudo, porém com um sorriso discreto, também impecavelmente trajado. Ao seu lado direito e esquerdo, dois de seus oficiais mais graduados, alguns Ministros de Estado, e logo atrás do Primeiro-Ministro alguns seguranças. Tomam seus lugares, enquanto que o Primeiro-Ministro toma lugar à cabeceira da mesa e cumprimenta a todos, ordenando que se assentem. Antes que ele tocasse a cadeira um atendente a desloca para que se sente com maior comodidade, e se afasta para um canto da sala, com os demais seguranças, e em posição de sentido todos aguardam pacientes.

Todos assentados e acomodados, o homem que adentrou por último, o Primeiro-Ministro, sem perda de tempo conferiu a sua pauta digital, e disse: Podemos dar início aos nossos trabalhos.

_Sim senhor. Foi o que se ouviu dos demais.

Secretário e auxiliares tomam nota de tudo, alguns em seus laptops e outros em livros de atas.

As ideias, sem dúvida já fervilham nas mentes laboriosas dos que estavam assentados em torno da mesa e de seu comandante. Cada um tinha à sua frente vários celulares que lhes serviam para conversar, mandar, obedecer, calcular, criar e registrar. As ideias formatadas apareciam nos monitores grandes, e apareciam também nos seus monitores de mesa. Os auxiliares grifavam, selecionavam e registravam tudo que era importante. O que era decisão tinha uma pasta separada e criptografada com senha exclusiva. O que estava para ser reanalisado em outra pasta, e ainda as ideias não lançadas em outra. Todas não só criptografadas mas também gravadas em computadores específicos, sem contato com internet.

_Precisamos de sugestões eficazes para as nossas ações prevendo os próximos anos. Lembrando que o nosso lema é servir à nossa nação em primeiro lugar. Havemos de deixar os sentimentalismos de lado e focar nos interesses de nossa grande pátria mãe. Disse o Primeiro-Ministro sentado na cabeceira da mesa.

O homem finamente requintado e sisudo, falava pouco e baixo. Quando levantava o olhar, todos ficavam mais atentos, porém não olhavam diretamente para ele, aguardando novas ordens, ou a confirmação de alguma sugestão.

_Podemos, antes de mais nada, senhor primeiro-ministro, criar uma maquete virtual para simular os nossos próximos passos. Disse um dos Ministros de Estado, pois sabia de antemão o motivo da reunião.

_Sim. Mas já não temos um planejamento estratégico?

_Sim senhor. Senhores. Temos um planejamento muito bem detalhado. Eu me refiro ao uso de um conjunto de aplicativos sofisticados com princípios de inteligência artificial que estamos desenvolvendo. Ele é extremamente exclusivo e secreto. É capaz de analisar a situação atual, situações passadas, e prever com precisão o que acontecerá nos próximos anos. Então ele pode oferecer sugestões precisas, para o governo geral bem como setoriais e, confiáveis. Com ele não correremos o risco de cometar erros, pois o número de variáveis que suporta é muito grande. Seu cérebro é extremamente complexo, montado com o que há de mais moderno na tecnologia dos nossos laboratórios. Preferimos usar uma tecnologia exclusivamente nossa para não correr o risco de sermos hackeado por quaisquer oportunistas.

_Sim. Continue. Disse o Primeiro-ministro interessado.

_Obrigado senhor. Pois bem. Só nos falta algumas coordenadas que dependem da avaliação de Sua Excelência, para alimentá-lo com novas informações, as quais são exclusivas de Vossa Excelência e seu gabinete. Para isto precisamos que nomeie pessoas de sua confiança para completar o que estamos fazendo. Estávamos aguardando esta reunião para apresentar o que temos feito até agora.

_Se preciso for, construam um computador quântico. Disse o premier.

_Obrigado senhor.

_Só não cometam erros. Somos uma não com um sistema rigoroso, e que não admite erros. Temos que ser os melhores em tudo que fazemos.

_Com certeza senhor. Obrigado pela sua confiança. Pode ter certeza de que corresponderemos.

_Façam tudo exatamente como planejado. No memento certo havemos de completar o banco de dados. Disse o Primeiro-Ministro.

Já estava rodando no monitor maior, um esquema básico da maquete, com alguns organogramas, e explicações sucintas das amarrações dos principais aplicativos. Foram necessárias poucas explicações do funcionamento da maquete para que o primeiro-ministro compreendesse o seu funcionamento básico. Era um homem muito bem informado e com uma inteligência invejável, com raciocínio e poder de decisões rápidas.

_Podemos com isso detalhar com uma margem de erro mínimo, o que dará ao comando, uma capacidade de escolha entre decisões que são extremamente rápidas. A maquete aprenderá com as contribuições dos dados coletados por agentes no mundo todo, dados dos nossos satélites e demais acontecimentos mundiais. Ele terá inclusive o detalhamento de cada cidadão, inicialmente do nosso Estado Mãe, e em dois ou três anos no máximo, de todos os cidadãos do mundo. Futuramente ele poderá simular previamente os atos de qualquer cidadão da terra.

_Me parece uma boa ideia, camarada. não podemos cometer erros. O mundo está focado em nossas ações, por mais que vigiemos. Tenho a impressão de que eles usam místicos para prever nossas ações. Continuou o chefe supremo.

_Em projetos grandes como esse, é importante pensarmos com certa calma, mesmo que levemos um pouco mais de tempo para o elaborarmos e assim, concretizá-lo com eficácia superior. Realçou o segundo na linha do poder.

_Tem razão, camaradas cientistas. Desde que usem o menor tempo possível. Estou de acordo. Coloquem em prática para a próxima reunião ministerial. Confirmou o Primeiro-Ministro.

_Sim, senhor. Quando se tem a maior população da terra, tem-se também os maiores gastos para manter tanta gente. Temos de alimentar todos da melhor maneira possível. Não importa como, mesmo que seja com o mínimo.

_Convoquem quantos cientistas, técnicos e auxiliares precisarem para concluir no menor espaço de tempo possível essa maquete. Enquanto isto outras providências serão tomadas. Afirmou o segundo no comando.

Foram estas as últimas palavras dos lideres e a reunião foi encerrada em poucos minutos.

Os dois lideres saíram falando baixo e gesticulando, passaram pela porta que foi aberta por um serviçal da maior confiança. Caminharam por um corredor envidraçado até desaparecerem em outra sala do edifício mais imponente da metrópole.

_Ao trabalho camaradas. Cada um já sabe o que tem que fazer. Reafirmou um dos líderes das equipes envolvidas no anteprojeto da maquete. Eram homens e mulheres de poucas palavras. Todos tinham verdadeiro pavor ao erro, em especial na presença de seus superiores. Assim sendo, todos viviam camuflados, pois cada uma tinha um superior a si, até que chegasse na hierarquia suprema. Qualquer erro era cobrado com a máxima pena.

_Vamos passar para a outra sala imediatamente. Convocou um senhor que tinha nos ombros e no peito uma série de estrelas e medalha. Era mesmo um comandante autoritário.

_Convoquem os demais integrantes do nosso grupo de trabalho. Disse quase gritando ao seu imediato.

_Já se encontram nas respectivas salas de trabalho, cada um nos seus postos, senhor. As equipes já estão escolhidas e a postos para suas atividades. Cada um já sabe o que fazer.

_Nossa imprensa não pode divulgar nada, a não ser o estritamente necessário para não comprometer o nosso plano de ação através das nações colaboradoras. Nosso porta-voz já sabe o que deve ser publicado. Quanto a vocês, nada de comentários. Nem mesmo com seus familiares.

Para um resultado positivo e abrangente, o segredo absoluto era de extrema importância. Portanto, não era necessário lembrar que tudo que fora dito e feito ali era estritamente confidencial, e qualquer comentário fora das quatro paredes seria punido severamente, mesmo para servir de exemplo, de que com o partido não se pode brincar. Era esta a admoestação dos coordenadores das equipes. Assim, todos trabalhavam de cabeça baixa, e qualquer conversa que se ouvia, era estritamente relacionada ao que faziam.

_Não seria o caso de aquartelamento das equipes senhor? Questionou um dos subalternos, mas que já gozava de um nível de confiança invejável por parte da cúpula do partido.

_Por enquanto não será necessário. Façamos deste ambiente o nosso quartel de trabalho. Se for necessário ficaremos aqui dia e noite até que o projeto fique pronto. Sei que todos aqui merecem nossa confiança. Somos todos soldados da mesma pátria mãe.

Foram poucas palavras trocadas entre eles, e no mesmo instante todos estavam envoltos com seus computadores, planilhas de cálculos e análise das informações e sugestões. A cada nova sugestão, todos se voltavam para o assunto e debatiam os pros e os contra. As possibilidades e as probabilidades de tudo funcionar dentro do esperado. Projeções eram lançadas na base da maquete para testes e provas, que seriam realizados brevemente. Antes do teste final, cada fase era testada e experimentada incontáveis vezes, até que os superiores aprovavam. O arquivo básico do banco de dados já contava com um dicionário universal onde cada palavra podia ser traduzida para qualquer idioma. Uma enciclopédia com todos as definições, postulados, normas e leis, termos técnicos e todo conhecimento científico mundial. Toda a história e a geografia mundial devidamente georreferenciada. Cada ponto. A maquete na verdade tinha todas as informações em arquivos, tabulados e organizados dentro de um aplicativo destinado a provar e comprovar os resultados. Informações mundiais, setor por setor. Do produtivo ao consumismo. Hábitos pessoais, poder de compra, cultura, filosofia, forma de governo, religião, escolas, cheches. Previsão sexata do clima de cada região. _Brevemente saberemos até mesmo como andam e se comportam nas ruas das cidades. Cada pessoa. A essa altura ela continha em seu banco de dados detalhado, a economia de cada país de interesse, sua produção mais expressiva, bem como as suas possibilidades de oferecer o máximo pelo menor preço. Ou seja, o melhor acordo para o seu estado. Na verdade, todos os países, a este ponto, eram de interesse e, constava na raiz da maquete. Os que ofereciam produtos básicos e manufaturados, os que ofereciam riscos de concorrência e superação econômica. Inclusive, risco de confronto armado. Desta forma os dados lançados eram analisados pelo próprio sistema, e oferecia uma resposta mais ou menos provável. Seus espiões, a este ponto, sejam humanos ou artificiais, estavam por todo mundo sempre colhendo informações e repassando para os operadores da maquete. Seus satélites e computadores formavam um sistema integrado e já possuíam inteligência suficiente para tirar certas conclusões, a respeito da política, da ideologia e da economia mundial. Daí a preocupação com o vazamento de informações. Para maior segurança, seus computadores não eram conectados via internete. Uma equipe de hackers trabalhava em outra etapa do projeto roubando informações digitais e onde quer que houvesse uma informação importante esses profissionais vasculhavam e roubavam o que queriam.

O mentor do projeto era um jovem calado, que dificilmente sorria e passava no mínimo dezoito horas trabalhando praticamente sem fazer uma refeição substancial. Por isto tinha em uma das suas gavetas, bolacha ou sucrilhos, que ia degustando com água. Seu superior vendo o seu desempenho e inteligência, o abastecia com essas coisas, pois sabia que gostava, mas acima dele uma câmara o vigiava incessantemente. Quando saía do ambiente de trabalho era sempre vigiado.

Para a equipe e seus líderes, dentro da maquete não havia limites em suas ações. O mundo teria que amargar e se curvar diante de seu poderio militar e econômico.

O que acontecerá em seguida?



_Creio que uma epidemia mundial nos dará a vantagem de alarmar o mundo, com nossa capacidade, além de diminuir sua população e seu poder de compra, sem afetar a sua produtividade. A relação consumo e produção reduzirá os preços e assim poderemos comprar muito mais. Se a demanda cair, os preços cairão consequentemente. Compraremos mais por preços menores. Foi o tema de outra reunião secreta da cúpula do partido.

_Ainda podemos produzir e vender medicamentos, pois se um vírus partir dos nossos laboratórios, seremos os primeiros a produzir um soro para combatê-lo. Alias, ambos estão em fase de testes. Temos cobaias suficientes para testar tanto o vírus como o soro. Ainda que seja de pouca eficácia, mas trará as consequências esperadas. Mesmo porque não podemos ser muito eficientes nestas questões. Afirmou o ministro da saúde.

_Melhor seria se os efeitos do soro fossem mais letais do que o próprio vírus. Eficiente a princípio, mas de consequências permanentes. Com efeitos colaterais durando por séculos. Sugeriu um dos presentes.

_Não é uma má ideia, camaradas, mas vamos deixar esta questão para os cientistas da área acertarem os detalhes. Disse o primeiro-ministro, fazendo entender que a ideia já não era nova.

_Nossos laboratórios, trabalharão nesse sentido. Mas o mundo não pode saber. Afirmou outro integrante com voz quase silenciosa.

_Com certeza.

Foi o assunto do restante do dia de trabalho, entre alguns seguimentos do partido político do governo. Souberam que a essa altura já tinham um vírus e o soro prontos, tudo sob absoluto sigilo. A maioria dos próprios serviçais do governo não sabiam disso. O sistema era extremamente fechado de sorte que, o que ocorria em uma comissão, a outra não sabia.

_Podemos infectar parte da nossa própria população, pois ela está extremamente alta e esta é a melhor maneira de estabelecer um certo controle populacional secreto e discreto. Além, é claro de podermos omitir nossa participação na pandemia.

_Hummm! Murmurou o maioral de todos, ainda de cabeça baixa.

Os governantes do país mais próspero do mundo tinham pressa em dominar para se manterem. A grandeza, o poder e a ideologia política desse povo tinha urgência em ser dominante. Suas estratégias de conquista não paravam. O seu propósito, era, dentro de poucos anos, impregnar as mentes das pessoas para se voltarem totalmente para os seus interesses.

Compraram aos poucos, no Brasil e em vários países da África, os quais possuíam terras propícios para a agricultura e pecuária, grandes áreas, onde planejavam construir suas fábricas em meio a imensos reflorestamentos e plantações de soja, milho e outros grãos. Para isto, compravam a aprovação de leis que permitiam tais operações, que serviam aos seus propósitos. Assim, ofereciam fortunas em lóbis para políticos desses países, para aprovarem leis dos seus interesses. Uma colônia para milhões de seus cidadãos estava planejada para ser construída no território brasileiro, onde os cidadãos da terra, ficariam proibidos de acessar. Para isto uma fábula em donativos, foi investida para os políticos criarem e aprovarem leis a este respeito. Elegeram deputados, senadores e governadores até mesmo algum presidente. Com suas manobras, a manutenção da linha comercial estava sendo mantida, com os preços dos produtos caindo, para eles, a cada ano.

Onde existia uma grande riqueza mineral, em países dominados por governos reconhecidamente corruptos, eles procuravam de todas as formas levar sua influência através de jogos comerciais.

Atividades semelhantes eram incrementadas aos poucos, em outros países, cada um com uma tática específica, até ficarem autossuficientes e com o domínio absoluto sobre o maior número de países possível. Tudo isto encoberto e camuflado pela imprensa conivente que, por sua vez, havia vendido grande parte de suas ações para este governo, com o propósito de saldar suas dívidas junto aos tesouros nacionais.

_A partir de agora, com esses novos recursos e ações, dentro de poucos anos seremos absolutos. O diálogo voltou aos bastidores do poder.

_Só há uma maneira de fazer tudo que pretendemos, sem que para isto tenhamos que polarizar com o restante do mundo. É claro que não queremos isto, mas se preciso for, não deixaremos de fazê-lo. Afirmou o seu ministro das forças armadas, em entrevista.

_Há mesmo eminente possibilidade, senhor ministro?

_Caso aconteça, temos o maior exército da terra, e as demais nações pensarão duas vezes antes de nos confrontarem. Afirmou o titular. Além do mais temos aliados poderosos que pensam como nós.

_Somos realmente uma pátria autossuficiente. Parabéns senhor, senhores, pelo que tem feito por ela, e pelo seu povo. Era a voz da imprensa.

A esta altura, o mundo já sabia das suas intenções e eles não mais precisavam tanto sigilo sobre suas ações.

_O empobrecimento e o controle de natalidade dessas nações, é o caminho mais curto e mais econômico para atingirmos o nosso propósito. A despeito mesmo de uma epidemia grave e nova, como um vírus de laboratório, para o qual já temos suporte, inclusive para a produção de vacinas e outros medicamentos para o seu controle. Algo capaz de tirar o poder de compra do povo, para que este se submeta com mais facilidade.

_Se for necessário até mesmo o extermínio de parte da população deve ser implementado de forma discreta.

_Se distribuirmos primeiramente em nosso país, não despertaremos suspeitas. Concorda senhor? Sugestionou um oficial.

_Isto é perfeitamente possível, desde que tenhamos controle sobre a direção da Organização das Nações Unidas e Organização Mundial de Saúde. Foi a resposta do primeiro-ministro.

_A princípio nos custará grandes somas de nossas riquezas, mas depois de dois ou três anos tudo será restabelecido e teremos a recompensa esperada.

_Tudo em nome de nossa querida pátria e do nosso próspero governo. Também do nosso povo.

_E que este assunto morra dentro dessas quatro paredes.

_Perfeitamente senhor primeiro-ministro.

Distribua o vírus. Autorizou o primeiro-ministro. A reunião foi encerrada e saíram todos de cabeça baixa.

Esta parte da estratégia desse governo, o qual já contava com o poio de vários outros governos mundiais, agora era realidade. A distribuição de uma nova virose, produto de laboratório, veio com efeito devastador sobre a população mundial, e em poucos dias se espalhou como epidemia.



No país do carnaval, poucos meses depois desta grande festa, no ano 2020, os meios de comunicação brasileiros anunciam a chegada de um poderoso vírus capaz de matar a população inteira, caso não fossem tomadas severas medidas protetivas. Além de obrigar os cidadãos a ficaram dentro de casa, os pequenos negócios não puderam abrir suas portas por mais de um ano seguido. Os cidadãos não puderam sair nem para vender nem para comprar. Apenas o estritamente necessário. O uso de máscaras e assepsia com gel, quase sem álcool, tornou-se obrigatório, além de outras medidas de controle. O sistema de saúde viu-se na obrigação de incrementar os seus atendimentos com a criação e ampliação de grande número de leitos de UTIs, e equipamentos para o tratamento da nova doença. Em todas as cidades de todos os estados, a movimentação maior era em torno do tratamento e do sepultamento de pessoas infectadas. Ou não.

As autoridades sanitárias souberam da ocorrência do vírus, já em vários países, desde o final do ano anterior, mas em função de eventos culturais, a nível nacional, e porque não dizer, questões políticas internas, o problema de saúde pública foi abafado pela imprensa, até que a festa terminasse, alegando que não passava de uma simples virose e que a população não precisava se alarmar. Foram expressões de uma autoridade médica que também atuava na área das comunicações de uma grande empresa midiática. Com o fim das programações do carnaval, os casos da doença foram se multiplicando, principalmente em função do livre contato sico durante a festa. Os governos estaduais, com o aval da suprema corte brasileira, decretaram leis determinado o fechamento do comércio considerado dispensável, permanecendo apenas o estrito e o conveniente necessário. Foi a partir desta pandemia que a suprema corte brasileira passou a atuar como legisladora, acusadora e julgadora, em um mesmo processo. Uma situação inédita no país, onde as casas legislativas e judiciárias, atuavam de acordo com as suas competências.

Lojas de ferragens, vendas de bebidas, de confecções e calçados e tantas outras consideradas de segunda necessidade foram forçadas a fechar suas portas. Os trabalhadores informais não podiam sair de casa, para os seus afazeres, para levar o sustento para sua casa. O pedreiro o barbeiro, o vendedor ambulante, o taxista, o prestador de serviços, ninguém podia sair para ganhar o sustento para sua família.

O trânsito nas ruas das cidades diminuiu substancialmente, enquanto que nos postos de abastecimento os frentistas não tinham fregueses para atender e abastecer seus carros, pois eles não apareciam como antes.

Os funcionários públicos que possuíam meios, passaram a trabalhar em suas casas, passando pelo órgão apenas para recolher e entregar suas tarefas semanais, mesmo assim, de maneira controlada. Apenas os considerados essenciais continuaram trabalhando normalmente sob vigilância e fortes aparatos de proteção.

Os templos tiveram suas portas fechadas às custas de pesadas multas, além de ameaças, e prisões de dirigentes e pastores. Tiveram que reinventar a forma de culto com uso da internet. No horário dos trabalhos religiosos, os administradores transmitiam pelas plataformas mais conhecidas, toda a liturgia costumeira, enquanto nas residências os fiéis assistiam pelo celular ou pelo computador. As estatísticas da própria plataforma indicavam quantos estavam vendo ou assistindo. Reuniões podiam ser realizadas online, sejam entre duas, três ou mais pessoas de uma família ou de determinado grupo, usando sistema de videoconferência, pelas mesmas plataformas. É claro, tudo isto com um preço determinado. Quem estava assistindo ou participando tinha sempre a impressão de que era um serviço gratuito.

Nos hospitais as internações foram se avolumando e os governadores e prefeitos agiam como podiam, de acordo com orientações da OMS. Raros seguimentos se opunham aos protocolos estabelecidos por esta organização e recomendavam o uso de medicamentos populares. A partir de então, os prestadores de serviços de óbito, não pararam de oficializar o luto das famílias que perdiam seus entes queridos, para o vírus da morta. Eram sepultados ou cremados, sem serem velados pelos familiares. A notícia que se ouvia na grande mídia de massa, era sempre a mesma. Estatística, uma após a outra, dando informações sobre o grande mal que estava assolando não apenas o Brasil, mas o mundo todo. A impressa fazia questão de divulgar e reafirmar as notícias, verdadeiras ou falsas, fazendo da desgraça do povo, motivo para se promoverem.

Eram somente no Brasil, como declaravam as estatísticas, cerca de dois mil óbitos por dia, enquanto que poucos se recuperavam e voltavam para casa com as sequelas, não sabendo ainda se do mal ou do tratamento. O certo é que os convalescentes tinham continuamente dores de cabeça, vista enfraquecida, cansaço físico e memória fraca. Perdiam o olfato, além de outros problemas consequentes. Os protocolos de tratamento eram sempre voltados para os pulmões, enquanto que muitos médicos afirmavam que o problema estava na coagulação sanguínea. Medicamentos conhecidos, e de preço acessível, foram proibidos pelos órgãos de saúde, coniventes com o internacional, apesar da comprovação de sua eficiência em vários outros países que ao usá-los, reduziram drasticamente os efeitos do vírus.

_Não consigo entender, porque no estacionamento do grande comércio, as vagas não podem ser preenchidas totalmente, mas nos corredores, as gôndolas estavam sempre visitadas por muitos fregueses. Discutiam os consumidores.

_Verdade. Sempre fica um espaço vago entre dois veículos, mas dentro do supermercado, as pessoas descuidadas esbarram umas nas outras. Todas usando máscaras por imposição das autoridades.

_O transporte urbano de passageiros, também só circula cheio. Afirmavam outros.

_Também pudera, as concessionárias do transporte coletivo diminuiriam drasticamente o número de veículos e vagões dos metros em circulação.

_Quem terá esta explicação?

_Depois de vários dias precisando muito, consegui uma barbearia aberta no setor onde moro, e enquanto o profissional me atendia, chegaram dois policiais, e educadamente intimaram o profissional a fechar as portas. Felizmente, digo, os oficiais foram muito educados e prestativos, mas a ordem do governo do estado, era mesmo para penalizar quem estivesse trabalhando. Disse um cidadão idoso.

_Porque será que os grandes supermercados, os shoppings podem funcionar, mas aquela pequena loja não pode. As obras de engenharia das grandes construtoras podem funcionar, mas o vendedor de bananas, não pode trabalhar. As rodoviárias, os aeroportos podem funcionar, mas os vendedores ambulantes não podem trabalhar. Reclamou o outro.

_Quem dirá o porque? Eu não sei.

_Os sons de alta potência podem ser ouvidos nos clubes, mas as igrejas não podem abrir suas portas.

_As boates funcionam de portas fechadas, mas os templos não podem ser abertos, sob ameaças de prisões e autuações.

_Vi numa mensagem da rede social, mostrando o prefeito de uma capital em sua bela chácara, reunido com seus familiares e uma multidão de amigos, fazendo churrasco, bebendo de tudo que se destilava. Todos eles sem máscaras. Dizia a legenda do jornal.

_Mas era o prefeito que decretou o lockdown?

_Sim. Ele mesmo.

_Não poderia ser uma foto antiga? Pode ser fake news.

_Não é fake. Já verifiquei a notícia. É verdadeira e é recente. Troca de mensagens SMS.

Em época de pandemia como esta, as notícias nem sempre são confiáveis, mas os precavidos conferiam com outras fontes possíveis ou então se perderiam entre notícias verdadeiras e mentirosas. Em especial no momento atual, em que tinham um embate político, e até mesmo pessoal, entre o chefe supremo da não e a grande mídia. Sabe-se que o então presidente realizou toda a sua campanha, quando se elegeu, sem gastar um centavo da verba de campanha, e também sem usar os recursos da grande imprensa. Com isto esta se voltou contra ele, e em função disto, uma delas prometeu processá-lo. Ele por sua vez processou-a a despeito das suas grandes e impagáveis dívidas junto ao tesouro nacional.

Todos os governadores dos estados se rebelaram contra o governo federal, por causa de divergências nos protocolos com relação ao tratamento da pandemia causada pelo Covid 19, como foi batizado o novo vírus. Com isto a corte suprema determinou que os estados e municípios administrassem a situação. O governo federal tinha que enviar recursos para os estados, enquanto estes, sem a obrigação de prestar contas, desviavam parte dos montantes destinados ao tratamento da pandemia, sabe-se lá para que fim. _É o retrato de um país que sempre foi dominado pelo peculato e crimes políticos.

Os governos dos estados bem como a maioria dos prefeitos, foram revelando suas tendências políticas, a maioria de esquerda, sempre tentando manchar com a suprema corte e a grande imprensa, a imagem do então presidente. Este, desde o início de sua campanha, se mostrou um homem de decisão, de palavras francas e duras, um homem que faria um governo sem corrupção, conservador, familiar e muito religioso dentro dos princípios do cristianismo. A grande mídia, e muitos artistas, já, a alguns anos vinha mostrando seu lado esquerdista e contrária a fé cristã da maioria do povo brasileiro.

_Aliás, a tendência de alguns países pelo socialismo vem influenciando vários políticos brasileiros, os quais tiveram que conviver por vários anos com o regime capitalista.

_Agora através de negociatas escuras derrubaram em um jogo sujo o candidato que tinha maioria absoluta das intenções de votos nas eleições. Todos, menos os esquerdistas e a maioria das empresas de comunicação de massa, a maioria com volumosas dívidas junto ao tesouro nacional, estavam certos de que as eleições do ano de 2022 foram fraudadas descaradamente.

_É. Estamos iniciando uma etapa turbulenta no comando do nosso país. Conversas de desabafo de muitos em face dos novos acontecimentos na política brasileira.

_Tenho observado que uma das técnicas de implantação do socialismo, ou do comunismo, é o empobrecimento da população e a crescente concentração de riquezas. Era a discussão entre amigos.

_Mas isto é pior do que o capitalismo. Asseverou um deles.

_Outra coisa que não consigo entender é, como um país socialista, com governo autoritarista, possui homens extremamente ricos enquanto prega igualdade social. Como pode, um governo que prega igualdade de condições para todos, e permite alguns homens riquíssimos, enquanto pagam minguados salários e obrigam a maioria absoluta da população a viver uma vida regrada e dominada em todos os sentidos.

_Verdadeiramente isso é pior do que o capitalismo, onde pelo menos temos um tanto mais de liberdade.

_Como entender, por outro lado, pessoas inocentes, alguns até de boa formação, aceitando essa ideologia.

_Desde que o homem passou a existir como membro de um estado político, e enquanto ele existir nesta terra, será assim. Seja o capitalismo, comunismo, socialismo ou qualquer outra ideologia em que o homem administrar, sempre será manchada de injustiças sociais. Me parece que a pior coisa, e eleger homens notadamente corruptos para governar uma nação. Sempre existirá quem manda e quem é obrigado a obedecer. O ser humano sempre precisou de lideres. Mas até agora, não tem sabido escolhê-los.

_A diferença, creio eu, é apenas quem manda e quem é forçado a obedecer. Ou quem manda e os que obedecem. Fora disto é anarquismo.

_Sou pela maior possibilidade de liberdade. Todo ser humano, para viver em sociedade, precisa cumprir leis, mas podem opinar sobre elas. Quando perde o poder de opinar, ele se torna escravo. Em muitos casos pela sua própria escolha.

_Verdade. A partir do momento em que um chefe de estado, é autoritário, vitalício, e ilimitado, ninguém mais tem direitos. Apenas deveres.

_Qual é mais justo? Quem tem liberdade, ainda que parcial, ou quem é escravo de um tirano, que não permite direito algum?

A resposta é clara para mim. Mas como em uma teia de aranha o poder amarra suas ideias e vontades em concessões milionárias. Só encontro esta explicação. Havemos de viver esta fase da história até que o homem a duras penas aprenda a escolher seus líderes, ou até que o criador intervenha.

_Veremos. Nossos filhos e netos pagarão um alto preço.

De uma coisa eu tenho certeza: Toda essa movimentação mundial em torno da discussão de esquerda e de direita, comunismo, socialismo e outras vertentes políticas, bem como suas consequências, pandemias, empobrecimento da população, governos permanentes e ditatoriais, tem apontado para um desfecho de final de tempos. Vejo claramente nisso tudo, quer alguns acreditem ou não, Deus realiza a sua obra redentora. Como ele dizia ao profeta Habacuque: É que Eu realizo no meio de vós, uma obra tão grande que nem você que é profeta é capaz de entender. Esta obra está em andamento, e não há nada fora de controle. A questão vem a calhar num momento de apostasia. Muitos cristãos, ou que se dizem cristãos, estão indecisos com relação as questões espirituais. Muitos estão indecisos, se são cristãos, ou pseudosseguidores. Estão indecisos e muitas vezes é necessário um movimento desses para que acordem e tomem posição. A pandemia fez com que muita gente decidisse. Hoje, o movimento comunista no Brasil está levando mais pessoas a se decidirem. São cristãos ou são anticristãos. Muito embora estes não admitam, mas na verdade, estão tentando como no passado remoto, criar um deus que sirva a seus devaneios. Como a palavra anticristão lhe soa muito forte, suavizam com outras expressões menos definidoras. Assim continuam alheios a tudo que se chama Deus, Cristo, tradição e família. Agora o que importa é a pátria mãe que sustenta seus filhos.

_Nossa maquete está correta senhor primeiro-ministro. Já foi testada de várias formas, e os resultados foram sempre os esperados. Podemos implementar as demais ações como ela aponta. Estamos certos de que tudo, em breve estade acordo com nossos planos. Foi dito em uma nova reunião realizada pela liderança do projeto maquete. Apenas cinco anos após o início do planejamento.

_Estão certos de que ela não vai cometer nenhuma falha senhores? Indaga um dos líderes do governo.

_Sim senhor estamos certos disso. Manifestou o ministro das pesquisas o qual comandou pessoalmente os testes finais.

_Como já foi dito, uma das melhores maneira de dominar o povo de uma não, é empobrecê-la. Se não conseguirmos de uma maneira, sempre teremos outras opções. É o que reza a maquete nos resultados dos testes. Podemos usar métodos medievais, maquiavélicos, para atingirmos nossos objetivos. O que importa são os resultados. Os meios sempre justificam os fins.

_Podemos a partir de agora, prosseguir com os programas de domínio das mentes das crianças, através da educação nas escolas. Daremos mais ênfase nisto. Para isto podemos oferecer ajuda aos organismos que comandam a educação de cada país, alvo de nossa campanha. As escolas de níveis superiores já estão na maioria, catequizadas e elas já nos ajudam com a formação de professores das fases iniciais da vida estudantil.

_Quais são as melhores iniciativas a partir de agora?

_A maquete nos informa que uma das maneiras mais eficientes é proibir o uso de textos da Bíblia e quaisquer tipos de orações, nos primeiros anos escolares. Principalmente pelos ditos cristãos. A quebra dos laços familiares é outra orientação da maquete. Ela confirma o que os filósofos e estadistas disseram no passado.

_Verdade. Esses cristãos estão prejudicando a muito, nossos planos.

_Assim, um país empobrecido, agnóstico e doutrinado, acaba por ter o poder de compra reduzido, e ainda, continuam satisfeitos, ou amedrontados, sobrando mais para comprarmos a preços que nós mesmo ditaremos.

_Lembrando que a pobreza do país não pode ser extrema, pois precisamos vender nossos produtos manufaturados. Eles não possuem boa qualidade, mas os preços são ideais para eles. Trocaremos pelos seus insumos básicos.

_Estão de parabéns pelo trabalho. Aguardemos os resultados. Afirmou o primeiro-ministro.

_Sim Senhor. Agora aguardamos a sua ordem final para colocarmos em prática os detalhes sugeridos.

_Bem lembrado senhores. Estaremos atentos ao desenrolar dos acontecimentos, através de nossa rede de espionagem. Coloquem os planos em ação.

_Creio que não será difícil, pois a semente já foi lançada no decorrer de vários anos, e o nosso sistema ideológico começa a ser assimilado. Temos plantado a semente do idealismo através dos meios de comunicação de massa. Creio que não será necessário, num primeiro momento, impor qualquer medida.

_No que diz respeito a política, religião, ideologia, família, o melhor caminho é o que já temos feito, jogando subliminarmente, as nossas ideias. Agora, devemos acelerar um pouco mais o processo. Em poucos anos acreditarão em qualquer forma de verdade. Os resultados virão com o tempo.

_É verdade. E este tempo está chegando. Brevemente teremos o governo mundial em nossas mãos. Acontecerá sem que percebam.

_O vírus que criamos foi espalhamos pelo mundo inteiro, a vacina já faturada. Quem não for forte o suficiente há de cair aos nossos pés. Hão de nos vender o máximo pelo menor preço, e depois, o que sobrar, que forneçam aos seus próprios.

_O mundo não é mau. Mau é o homem que acredita na mentira e rejeita o seu criador.

_Que prefere acreditar nos seus deuses de carne e osso. E ideias mesquinhas.



O Governo no Final do Século XXI


Conta-se que era a segunda metade século XXI, muitas coisas haviam mudado em todo mundo. As sociedades, as culturas, as línguas, em especial os sistemas político e econômico, já não eram os mesmos em cada país, em cada continente. Tudo agora era realmente globalizado. O mundo tinha agora basicamente um governo central que comandava nações, pessoas e empresas, auxiliado pela Maquete desenvolvida há pouco mais de três décadas. Praticamente todos os países seguiam as diretrizes de um único poder central, e caminhavam para a conquista dos restantes. Poucos países ainda resistiam ao sistema imposto pela nova ordem mundial, agora seguindo as diretrizes da Maquete. Ela criava e comandava todas as formas de controle de pessoas, o que era administrado, produzido e consumido. Em função disso a economia se fundiu nas mãos de um regente situado na sede da capital mundial, e dele, emanava toda ordem, toda lei, e todo julgamento de questões. Todas as decisões importantes passavam ou saiam das mãos desse governo tirano, sempre orientado pela Maquete, que por sua vez trazia o slogan chamado governo da nova ordem mundial. Os líderes dos países federados, apenas obedeciam ordens e fazia solicitações, que nem sempre eram atendidas. Em função disso, houve o empobrecimento da população, pois o estado tinha isto como meta para ter mais controle sobre cada cidadão e gastar menos com cada um deles. O doutrinador sempre agia, praticamente como os imperadores romanos. Dava ao povo, alimento e diversão, e ele ficava em silêncio. Agora o governo dava uma migalha de alimento e controle absoluto da mente, através de informação orientada e mão impiedosa da milícia mundial. Como muitos não tinham casa própria para morar, eles recorriam à noite, aos abrigos que o governo estabeleceu em cada região das grandes cidades. Nestes abrigos, as multidões se dirigiam ao entardecer, para garantir sua vaga e toda noite era a mesma coisa. Para uma refeição minguada, às vezes a chance de tomar um banho, e uma cama para repousar. Com isto evitava-se de serem pegos pelas brigadas noturnas, e levados para os campos de trabalhos.

Naquela região de uma grande, cidade só existia um abrigo, e este não era suficiente para atender a demanda. A prioridade era para os moradores de rua que eram cadastrados. O toque de recolher era rigoroso e severo, e não podia deixar de ser obedecido, sob pena de prisão ou até de morte, sem qualquer tribunal de apelação. Mesmo assim uma fila enorme se formava todos os dias em sua porta, e uma rigorosa seleção era feita para que todos os seus leitos fossem ocupados antes do toque de recolher. Além dos porteiros e auxiliares que fiscalizavam todos os cadastrados em busca de documentos falsificados, não deixavam entrar e, ainda indiciavam qualquer um que estivesse embriagado, sob influência de qualquer alucinógeno, bem como portadores de qualquer tipo de arma. A brigada noturna, um braço da milícia, estava sempre de prontidão para fazer a ordem a qualquer preço. Os rejeitados via de regra eram encaminhados para o extermínio ou campo de trabalhos forçados. Vez ou outra alguém da portaria fazia vistas grossas para alguns não cadastrados e estes tinham que se esconder rapidamente para não serem pegos. Alguns conseguiam entrar com pequenas lâminas escondidas nos locais mais inusitados das vestes ou mesmo do corpo. Há quem diga que muitos cauterizavam áreas do corpo onde implantavam próteses sem as mínimas condições de higiene. Eram via de regra, pequenos instrumentos cortantes. Uma vez surgida a necessidades, estavam prontos para usá-las como bem lhes parecesse. Mesmo que depois do uso, elas próprias estivessem sujeitas aos inquisidores do estado. Era morte certa. Tudo em nome da ordem, da segurança e da decência.

_Não há mais lugar para ninguém aqui. Reclamou o porteiro do abrigo noturno.

_Mas eu e minha família não temos para onde ir, senhor. Nos ajude, por favor.

_Isto não é problema meu. Retire-se da porta para os que tem reserva e número de cadastro.

_Pode nos informar se há outro abrigo por perto? Não temos mais tempo para ir longe deste lugar.

_Não sei. Vocês devem sair daqui imediatamente. Caso contrário tenho que chamar os exatores da brigada noturna.

Brigada, milícia, como eram chamados os policiais fiéis ao regime, constituía a força policial, e eram os únicos autorizados a portarem ostensivamente armas de fogo. Eram pessoas uniformizadas, armadas de metralhadoras, pistolas e de poder para exterminar quem fosse necessário. Em especial as pessoas que não tinham o número de cadastro gravado a lazer na mão direita, ou mesmo na testa. Este era um número que as pessoas fiéis ao partido recebiam, e com ele tinham acesso à comida, repouso, medicamentos, roupas e calçados. Quem não era cadastrado era tido com traidores do estado e do partido. E como tais, eram tratados e caçados, por fim exterminados sem passarem por um tribunal.

Era assim que funcionava o mundo, que passara dos dez bilhões de seres humanos. Desses, cerca de sessenta por cento já havia sido dominado pela nova ordem mundial e a cúpula do partido. Os demais países ainda rebeldes, não podiam mais aceitar imigrantes, pois desestabilizaria sua economia declinante. Assim a maioria do povo estava refém de um governo mundial, totalitário e extremista.



Como a população estava em uma cifra excessivo para o estado sustentar, seus líderes trataram de implementar um meio de exterminar o maior número possível de pessoas. Mesmo assim o estado se colocava como pai e mãe do cidadão, disposto a protegê-lo, e assim se proclamava. Porém não se interessava a não ser em exercer poder e controle sobre tudo e sobre todos. O sistema de saúde era precário, como precário era o transporte urbano, o ensino popular e o fornecimento de bens de consumo. O estado ia muito bem, mas o povo, vivia na miséria, em um verdadeiro caos. O estado mantinha cada cidadão com mão de ferro, apregoando sempre como pai e mantenedor de uma imensa família, e que tratava muito bem a todos, declarando não ter recursos para dar mais dignidade a todos, mas que eles tinham tudo que precisavam.

Nos bastidores do partido, concluíram que era necessário exterminar uma grande parte da população, pois a maquete e as pesquisas, davam conta de que a terra não tinha mais condições de sustentar a vida de uma população tão numerosa. Mesmo assim não abria mão do controle absoluto da vida do homem. Este homem, quando trabalhava era para o estado, pois poucas empresas privadas existiam para fornecer de tudo para o estado, e este a repassava para o cidadão. O salário que recebiam era insuficiente e como a maioria, além de não terem renda, não tinham como produzir, pois o estado dominava sobre tudo e sobre todos. Não geravam renda, não geravam emprego e não gerava os bens de consumo, necessários para a população. Também, se produzisse, a população não tinham dinheiro e nem bens para trocar. O estado recolhia tudo. O dinheiro em moeda era proibido. Joias, somente para os nobres. Ninguém poderia possuir bens de forma física, apenas uma cota mínima debitada em nome de cada pessoa, a qual poderia sacar através de seu cadastro gravado no seu corpo.

Era assim que funcionava o mundo, com sua imensa população, a maioria, desocupada. A guera foi um dos meios encontrados para o controle da população. A disseminação de vírus fatais foi outra maneira usada com grande eficiência, pois alcançava facilmente as pessoas, também, dos países tidos como inimigos. Assim em apenas dez anos de guerra, doenças fatais, fome e extermínio sem motivo aparente, o partido reduziu a população para cerca de 7 bilhões de seres humanos.

Em se tratando de extermínio, é claro o alvo era, em especial, os cristãos, seguidores do evangelho de Jesus Cristo. Talvez não mais humanos, mas miseráveis, inferiores, e infiéis a ideologia do estado soberano. Eram visados ao extermínio, também os mais pobres que não professavam a fé no partido. Nesta situação, quase metade não tinha residência certa, enquanto os demais, quando possuíam uma casa para morar, tinham que dividi-la com outros, vivendo amontoados como animais, uns servindo para aquecer ostros, e vice-versa. As casas dos que eram exterminados, davam lugar aos órgãos do estado e do partido, ou mesmo eram destruídas.

_Um povo que não tem geração de bens de consumo, e não tem moeda de troca, sua economia nunca será suficiente e não haverá como crescer e abastecer a todos. Reclamavam alguns da cúpula do governo, porém quem se atrevesse a, sequer, dar uma sugestão como esta, o que era raríssimo, em breve era transferido, para uma hierarquia inferior, e em pouco tempo desaparecia. Os mais esperto procuravam tirar o melhor proveito da situação, e assim sobreviviam às custas do estado paternal, sempre aplaudindo as decisões do supremo comando. Enquanto isto a classe inferior aplaudia quando ganhavam uma migalha de pão mesmo que insuficiente para a preservação de sua vida. Por outro lado, o departamento de mídia colocava nas mãos de todos, com muita facilidade, seus aparelhos de comunicação celular, para ouvirem dia e noite a mesma mensagem. Os cristãos roubaram o estado e colocou a todos nós na pobreza, e na miséria, mas brevemente nós nos ergueremos das cinzas e todos terão uma vida abundante, com casas, veículos novos, comida à vontade. Nosso lixo, será a riqueza desses cristãos assassinos e ladrões. Era o que se ouvia nas emissoras de TV, nos jornais, revistas e nas redes sociais. Dia e noite. Noticiários, filmes, fotonovelas, e até os poucos comerciais que eram veiculados, exaltavam o novo governo e a ordem mundial, denegrindo por outro lado, o cristianismo. As escolas faziam o mesmo. As poucas igrejas autorizadas pelo estado, doutrinavam sem nenhum constrangimento e colocava em dúvidas a fé cristã. Nas igrejas, era sempre dito que, agora sim, _temos liberdade de culto e todos podemos cultuar o nosso deus da forma que sempre sonhamos. _Não temos mais uma religião fechada em dogmas e doutrinas, que não satisfazem o ego de ninguém. Ainda enriquecem os pastores.

_A religião verdadeira, é aquela que você escolheu. A doutrina certa, é a sua. Cada um, traça o seu caminho até o seu deus. Dizia um auxiliar de limpeza do templo, e que trazia o símbolo do partido na manga da camisa.

_Mas Deus não é o Ser que indica o caminho até ele senhor?

_Não. Não. Esse Deus que você fala é uma criação individual para o coletivo. Ele serve para acalmar o coração alarmado pelas solicitudes da vida. Pelos traumas da infância.

_Mas a Bíblia Sagrada fala de um Deus que criou todas as coisas.

_Eu o proíbo de falar dessas coisas. O universo e tudo que existe, foi criado por forças cósmicas que se concentraram, e numa tremenda explosão, particulou os planetas que se espalham até o dia de hoje pelo universo. Quiçá, fará isto eternamente. Os traumas impostos pelo nascimento, pela educação dos pais e pelo cotidiano, fez o homem criar esse ser para satisfazer o seu ego e dominar as pessoas fracas. Para isto enche as pessoas de medo, e por outro lado, coragem e força para se chegar ao sucesso. Hoje o nosso deus é o partido, é o estado que nos abastece de tudo que precisamos para viver.

_Glória ao partido. Glória ao estado mundial! Exclamou um dos presentes na reunião.

_Viva a nova ordem mundial. Vivas ao novo estado mundial. Responderam todos.

_Amém. Aleluia! O senhor tem razão. Agora somos livres. Respondiam em seguida os presentes que ouviram a conversa.

O pastor, indicado pelas autoridades locais, ouvia a discussão e não ousava participar. Ficou de lado com os braços cruzados. Ele também trazia o símbolo do governo da nova ordem mundial na lapela desbotada.

_Não somos mais escravos de doutrinas mirabolantes, nem de pastores milionários. Respondiam outros. Um pequeno tumulto se formou. Enquanto outros cantavam pondo fim aos ânimos exaltados.

A música exaltava a ordem mundial e o novo governo. Cantaram até tarde e saíam felizes, mas de barriga e mente vazias.

Na parte externa do templo onde congregavam, iniciou-se outro tumulto quem sabe, incentivado pelos espias do governo.

_Ao mais fiel ao estado, que atire a primeira pedra. Gritou um dos que estavam no meio da multidão.

Como não tinham armas, usaram o apedrejamento como forma de vingança em nome do estado e da nova ordem mundial. No final do tumulto, aquele que havia questionado o pastor da igreja, caiu ensanguentado no meio da rua, enquanto diziam: _Bem feito, seu traidor de uma figa. _Bem feito. _Gritaram todos. Um veículo da milicia se aproximava lentamente, pois já havia sido informada do ocorrido. Cinco guardas armados e de cara feia, foram se aproximando enquanto afastavam a multidão enfurecida. A vítima, ainda exalava seus últimos suspiros, mas um dos guardas abaixou-se, e com uma luva já utilizada, verificou sua carótida e seu pulso, e deu o diagnóstico de morte.

A multidão foi dispersa pela milícia que pegou o corpo ainda tentando respirar, mas logo, um dos guardas bloqueou suas vias respiratórias com a mão.

_Desse, o nosso querido governo está livre.

O Veículo saiu cantando pneus no asfalto esburacado e desapareceu na escuridão da rua mal iluminada.

_Amanhã será outro dia, camaradas. Riram todos.



Viver no Bueiro


_Diz a Bíblia Sagrada em Mateus capítulo 18, versículo 20, “Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles.Portanto eu vos afirmo que Deus está no nosso meio. Sabemos que o inimigo também está aqui, mas não importa. Mesmo sabendo que ele quer nos afastar de Deus, e da nossa boa comunhão com Ele, o importante é que estamos a caminho do reino de nosso Senhor Jesus Cristo. Em breve estaremos com Ele, onde não há choro, nem morte, nem perseguição. Onde não há tristeza nem dor. Dizia o pregador de uma reunião que acontecia ao ara livre, mesmo contrariando as regras do governo.

No momento estavam chegando vários homens vestidos de preto, com o símbolo da nova ordem mundial e do governo, estampado no ombro direito e esquerdo. Eles traziam algemas, mas também traziam armas de fogo de repetição, armas de choque e caminhões com jatos d'Água. Começaram a atirar contra os que estavam reunidos, mesmo antes de qualquer advertência. Para desagrupar a todos e efetuar além de prisões, a morte de quantos conseguissem. Era uma praça em um bairro residencial de uma metrópole. A gritaria foi muito grande, porque o alarido dos que estavam sendo alvejados, e dos que corriam apavorados, se misturava com a dos agressores, e com as sirenes de suas viaturas. Tudo isto trazia uma grande confusão aos congregados. Vinham de todos os lados para não deixar rotas de fuga. No final da operação alguns membros do grupo de atiradores, colocaram armas nas mãos de alguns atingidos, bombas caseiras e outros artefatos para incriminá-los perante a imprensa, que neste ato desviavam o foco das câmaras. É claro mostravam em detalhes as armas implantadas. Alias, esta era uma prática comum entre eles em todos os lugares e em todas as suas operações. Não que precisassem, pois todos os que se reuniam em praças, ou mesmo em locais fechados, eram tidos como traidores da pátria mãe, e como tais poderiam ser abatidos, torturados ou presos sem constrangimento e sem ordem judicial. Para enganar a população dizendo que os homens da lei foram agredidos primeiramente e atiraram porque tinham que se defender.

_Ou nos defendíamos, ou seríamos mortos por estes traidores. Como pedem ver, vários deles estavam muito bem armados e prontos para nos matar. Esses rebeldes, matam em nome de seu Deus e ainda se proclama santos.

_Mas sargento, estavam todos armados? No momento em que vocês chegaram, eles foram sacando as armas prontos para atirar?

_Positivo. Nossos agentes infiltrados já sabiam da operação deles. Era tudo tramado e muito bem coordenado pela cúpula dos opositores do regime.

_A imprensa livre está pronta para noticiar da maneira correta. Somos imparciais por isto queremos fazer algumas imagens dos rebeldes. Afirmava no final da reportagem um analista.

_Fiquem a vontade para fazer as imagens, mas pedimos para não se aproximarem muito. Primeiramente para não violar o local até a realização da perícia, e também para não causar nenhuma forma de trauma na população tão sofrida e recheada das mentiras desses traidores. Afirmou o comandante da tropa.

_Nossos parabéns aos homens da nova ordem mundial, que arriscam as suas vidas em favor da nossa liberdade. Um país para ser livre, precisa de leis e de exatores que acompanham com humanidade, como esses policiais, o cumprimento dessas leis. Era a temática dos editoriais.

A operação que foi acompanhada de longe por outras pessoas que mantiveram caladas e não foram chamadas para dar entrevistas. Também por todos os lugares havia câmaras de TV e microfones escondidos para captar qualquer comentário contra ou a favor do novo regime. Para espalhar o terror de maneira discreta entre todas as pessoas. Ninguém ousava desafiar o regime e seus homens muito bem treinados para imporem a ordem.

Um homem de pouco mais de trinta anos, estava com sua sobrinha, aguardando de uma certa distância, quando viu sua esposa ser alvejada sem nenhuma reação. Ela foi arrastada para um lado por dois dos guardas, e alvejada na cabeça com três disparos de pistola. Ela caiu no mesmo lugar. Eles arrastaram o corpo para perto de um poste da rede de eletrificação, e colocaram em sua mão outra arma de fogo que um deles trazia sob o sobretudo. A arma não parou mais na mão da mulher, pois ela já estava morta. Deixaram-na sobre seu colo e colocaram o seu dedo no gatilho. Por um descuido do policial, a arma foi colocada na mão esquerda da mulher, pois ela segurava com a mão direita um exemplar da Bíblia Sagrada, a qual tinha uma alça ligando esta, ao seu pulso. Por sorte a menina, sua sobrinha de oito anos, não viu a hora dos disparo em sua tia, e assim não gritou como é próprio das crianças. Mas o marido gelou e disfarçadamente, colocou a mão na boca, com força, para não gritar. Seus gemidos desceram pela garganta em forma de oração. Misericórdia meu Senhor.

_Vamos embora Sula, minha sobrinha. Vamos sair daqui, correndo. Vamos logo. Falava quase sem sair palavras de sua boca.

_Mas a tia não vem?

-Vem sim minha filha. Daqui a pouco ela nos alcança lá em casa.

Sem entender direito o que estava acontecendo, a menina acompanhou o tio, que olhou discretamente em todas as direções para ver se havia alguma câmara por perto e saiu com a menina nos braços para ser mais ágil. Dobrou a esquina, entrou em seu veículo estacionado a cerca de duzentos metros do local. Em poucos minutos, parou em frente a sua casa. Entrou rapidamente, pegou algumas coisas que já estavam preparadas, roupas e alimentos para alguns dias. Saiu trancou as portas normalmente, levantou a tampa de um bueiro que ficava a poucos metros da porta de sua casa, desceu com os objetos, agasalhou-os e voltou a superfície para buscar a criança. Levou consigo as chaves da casa e do carro. Tudo isto aconteceu em cerca de dez minutos. Depois que desceu a escada já preparada com antecedência, puxou a tampa do bueiro e fechou-a sobre eles. A escuridão pairou no ambiente por alguns instantes, e em seu coração pelo resto de sua vida. A criança que não sabia direito o que estava acontecendo, permaneceu calada, com os olhos fixos no piso do esconderijo.

Cinco minutos depois três homens de farda cinza, um pouco mais discreta, pararam em frente a casa, examinou o ambiente, metodicamente, e com cuidado, percorreram em volta do carro, depois da casa. Apesar da discrição, tinha cada um deles, na mão direita uma pistola .40.

_O motor ainda está quente. Disse um deles. É certo que ele está por perto.

_Não está em casa, disse quase gritando um deles. Vamos embora.

Disseram isto e saíram, mas outros três, já estavam por perto, disfarçados, tentando armarem uma cilada para pegar o homem que pensavam, estar em casa. De dentro do buraco ele podia ouvir alguma coisa, pois escondera cuidadosamente um pequeno microfone na entrada da casa.

_Não se assuste minha filha, vou cuidar de você. Não fale alto, não chore, não cante nem deixe cair qualquer objeto para não fazer barulho. Aqui estaremos seguos.

_Está bem tio.

_Você promete para o tio?

_Prometo sim tio. Com certeza.

_Vou cuidar de você até seus pais e sua tia chegarem.

_Que horas a tia vai chegar? Perguntou a menina depois de alguns minutos, já impaciente com a situação.

_Vem aqui no tio, Sula. Chamou-a o homem, e a menina se aproximou de cabeça baixa. Ela havia presenciado outros episódios semelhantes, e estava de certa forma, ciente do que havia acontecido.

_Sim tio. _Acho que a tia e minha mãe, não vão voltar, não é mesmo? Começou a chorar baixinho enquanto suas lágrimas desciam por seu rostinho corado. O homem também com lágrimas nos olhos, mas mantendo-se firme para não sensibilizar ainda mais a menina, acariciou seus cabelos negros e encurtados como forma de melhor se comportar em quaisquer situações, a recostou sobre seu peito, sentou a criança no colo e se calou por vários minutos. Não conseguiria falar por mais que esforçasse. Estavam literalmente no fundo do poço.

_Creio em Deus que as veremos de novo minha sobrinha querida. Disse o homem depois que se restabeleceu emocionalmente. Tinha vontade de dizer que as veriam em outra vida, mas por ora, cria que não seria conveniente, ou então ele não teve forças para tal.

_Sim tio. Crio que as veremos novamente.

Silenciaram novamente iluminados apenas por uma vela que já estava quase acabando de queimar o seu pavio. Sua pequena chama quase não balançava, por falta de correntes eólicas. O local era turvo e sem perspectiva, como turvo era a vida dos dois.

_Você está com fome Sula. Tenho algumas bolachas. Se preferir, preparo um sanduíche para você.

_Não estou com fome tio. Não quero.

_Você quer tomar um pouco de água?

_Humm... humnn. Foi o que ela conseguiu falar acenando negativamente com a cabeça.

O tio silenciou também, preparou lugar para ela dormir, abaixou a cabeça entre os joelhos para não deixar que a menina visse que chorava. Não sabe por quanto tempo ficou naquela posição, enquanto a menina alheia a ele permanecia imóvel, sentada em um banquinho improvisado. Creio que ela também não tinha lágrimas para chorar.

_Tio, a vela está acabando. Vai colocar outra? Perguntou a criança colocando a mão esquerda no ombro dele, segurando com a direita, outra vela ainda sem fogo.

_Acho melhor dormirmos minha sobrinha linda. Não achas?

Recostaram em um velho sofá remontado, dentro do buraco, imprensado com outros utilitários que foram introduzidos, pouco a pouco, e sorrateiramente para não serem vistos.

Desde alguns meses o casal vinha escavando um pequeno compartimento sob a calçada da rua, partindo de uma boca de lobo situado nas proximidades de sua casa. Anteriormente o homem, ainda jovem, mas cheio de ideias, foi treinado com as forças do novo governo, mas nunca de acordo com suas ideias e suas práticas. Desde que descobriu que por baixo da rua e de algumas casas corria um pequeno curso d'água já canalizado, e que era interligado por uma boca de lobo, vinha fazendo a obra para esconderijo em situação adversa. Ele descia com sua esposa e a irmã, pela tampa da boca de lobo, e com algumas ferramentas ia escavando um pequeno apartamento. Toda vez que desciam, eles vigiavam o fluxo de pessoas e rapidamente desciam por uma escada removível, puxavam a tampa e com algumas velas iluminavam a caverna para trabalharem. A terra removida era jogada aos poucos na água do córrego a qual era carreada pelas correntes até sumirem de vista no interior do tubulão da drenagem. Como no local o curso hídrico possuía uma profundidade considerável, a escavação ficava acima do nível da água, o que evitava que, com as cheias, as águas atingissem a caverna.

Era um espaço pequeno, mas o suficiente para esconder até quatro ou cinco pessoas. Usavam a própria água do dreno, depois de filtrada e fervida, para usos diversos. Uma pequena caixa servia para depositar e reservar uma quantidade de água para as necessidades de imprevistos. Era recolhida com baldes, e renovada periodicamente para manter sua qualidade. Uma pequena latrina servia para descarte das sobras humanas, bem como restos de comida. Aos poucos, em horas avançadas da noite, tudo era descartado na própria corrente de água. A iluminação era feita por velas e lampiões improvisados. Algumas sobras de móveis e utilitários foram introduzidos enquanto desmontados, e refeitos no interior do local. Camas, fogareiro, banheiro e uns poucos utilitários. Nada eletrônico para que não fossem denunciados por suas ondas de rádio. Uma pequena escada foi instalada para dar passagem da parte alta até o fundo do bueiro e depois para o interior da caverna. Quando necessário era removida para o seu interior e depositada num local para a próxima necessidade.

Sua esposa que estivera anteriormente com ele, ajudando-o a escavar o apartamento, desta vez, quando mais precisou, não pode se esconder nele. Certamente que, agora, tinha encontrado um abrigo seguro e confortável ao lado do seu Senhor.

_Vamos sair daqui hoje tio?

_Receio que não filha. Precisamos esperar até que a perseguição cesse. Aqui temos o necessário para alguns dias.

_Mas aqui é muito escuro tio.

_Sim meu amor. Mas se sairmos daqui agora, eles podem nos encontrar e nos matar.

_Essas pessoas são muito más não é tio? Porque elas querem nos matar? Não fizemos nada errado.

_Com certeza minha filha. Você precisa confiar no tio. Você confia em seu tio?

Ele não conseguia falar toda a verdade para uma criança de oito anos. Por mais esperta e inteligente que fosse, por certo, não conseguiria entender tudo que estava acontecendo no mundo exterior. Sabia que mais dia menos dia ele teria que contar tudo a ela, mas agora não. Contaria aos poucos e com o passar dos dias.

_Confio sim tio. Só estou com muitas saudades de minha mãe e da minha tia.

Ele não conseguiu falar mais nada.



Poucos anos depois da mudança na ideologia política de sua terra natal, os pais de Sula haviam desaparecido quando foram levados pela milícia do novo estado. Já fazia mais de um ano, e eles não mais apareceram. Quando a polícia era questionada na justiça, eles diziam que estavam sendo interrogados, e que posteriormente foram soltos e não tinham mais nada a declarar. Para milhões de pessoas, era esse o fim que levavam quem ousasse questionar qualquer membro do partido, qualquer oficial, até mesmo qualquer informante do governo. Quem se declarasse cristão ou seguidor de qualquer seita, quando pego, era tratado da mesma maneira. Não havia tribunal de apelação. Não havia a quem recorrer.

_Sim filha. Eu sei. Eu também tenho muitas saudades deles. Você quer dar um abraço no seu tio? Esses dois, no plano terreno, só tinham um ao outro.

Ela o abraçou com força, e chorou recostada no seu peito. Enquanto ele também chorava escondendo suas lágrimas. Não sei por quanto tempo eles ficaram ali, talvez se consolando recostados em suas próprias esperanças ou orando para conseguissem forças para sobreviver a mais um dia de vida.

_O Senhor está chorando tio?

_Sim filha. Estou. _Não poderia mentir para a criança que possuía toda sinceridade do mundo. Também não tinha mais como esconder.

_Chora não tio. Eu estou aqui com você.

_Eu sei meu amor. Eu sei. Não vou mais chorar.

Fora da caverna a busca por eles continuava. Sem trégua os guardas os caçavam, vigiavam a casa, o carro e até as casas dos familiares que ainda estavam vivos.

_Ele não está mesmo aqui. Com certeza está em alguma outra cidade. Diz um dos investigadores que estavam à procura do homem e da menina da caverna.

_Mas para onde ele foi, se a casa está trancada, o carro está na garagem, todas suas coisas estão em ordem.

_Ele poderá ter suicidado com a garota.

_Se estivesse suicidado dentro de casa o mau cheiro estaria sendo sentido. Já estamos aqui a vários dias, e nada.

_Bem. De qualquer forma, não vamos arrombar a porta para confirmar nada. Pode ser que ele esteja por perto, aguardando que saiamos daqui para voltar. Portanto, vamos ficar de olhos abertos. Mais dia menos dia ele tem que aparecer.

_O certo é colocarmos câmaras bem escondidas nas entradas da casa e vigiarmos de uma certa distância. Se ele aparecer o prenderemos na hora. Esse renegado não vai escapar.

_Certo chefe. Pegaremos ele de qualquer maneira.

_Já sabem. Se ele aparecer e correr, temos ordem de atirar sem piedade. Mas o ideal é prender, para que ele seja obrigado a dizer onde os outros estão escondidos.

_Está feito chefe, as câmaras já estão instaladas. Faremos os testes de onde montarmos o quartel de vigia. Não tem como esse traidor, golpista escapar desta vez. Podemos ir?

_Sim façam uma escala para vigiá-lo vinte e quatro horas por dia.

Dentro de sua caverna o tempo foi passando, até que os suprimentos do homem e da criança foram diminuindo. Vários dias se passaram e o homem sempre que possível averiguava por um pequeno orifício na parte superior. Uma espécie de periscópio montado estrategicamente de forma muito bem camuflada. Além do microfone que deixara escondido. Desta forma ele podia sondar a sua casa e a vizinhança em busca de qualquer sinal de seus exatores. Cerca de vinte dias se passaram e a equipe da mova ordem mundial desistiu da espera. Chegaram a conclusão de que o homem e a criança haviam fugido de uma maneira ou outra. Recolheram todos os seus equipamentos e desistiram.

_Não há como ele escapar nem por terra nem por água nem pelo ar. Disse o chefe do esquadrão de espias que o procuravam.

_Suas fotos estão espalhadas por todos os lados.

As TVs anunciavam por dias seguidos. “Procurados. Um homem de cerca de trinta e cinco anos de idade, cor clara, compleição mediana, acompanhado de uma criança de cerca de oito anos de idade, do sexo feminino. Quem os ver, comuniquem com as autoridades. Eles são extremamente astutos e perigosos, além de serem traidores da nova ordem mundial.”

Por mais de trinta dias o homem e a menina estiveram escondidos, até que suas aparências foram alteradas. Seus cabelos cresceram, e então ele procurou roupas femininas para usar. Só assim ele pode de maneira disfarçada sair do bueiro. Depois do toque de recolher, ele consultava através do periscópio, a possível presença de pessoas, e na hora certa saia para buscar alimentos. Levantava um pouco a tampa do bueiro e analisava com todo cuidado. Caso não houvesse luzes ligadas, nem pessoas nas ruas, ele saía e ficava escondido em uma frondosa paineira ao lado do bueiro, para depois que o dia amanhecesse ele pudesse circular com os devidos cuidados, à procura de alimentos e objetos para sobrevivência. Seu retorno para o bueiro se dava da mesma forma tomando os mesmos cuidados. Sorrateiramente se escondia por entre as raízes da paineira, até o momento de se embrenhar no bueiro.

Benjamim, como era conhecido, era um homem astucioso e observador. Estava atento a tudo que acontecia, e o que estava ao seu redor. Foi assim que decidiu aproveitar como ponto de fuga alternativo a área interior da figueira multirradicular que ficava ao lado de sua caverna. Começou mais uma etapa da construção, abrindo uma saída diretamente no meio de suas muitas raízes, que mais pareciam troncos. Eram tantas raízes que ligavam a terra, os galhos mais altos. Era assim que essas árvores se desenvolviam ao longo dos anos. Iam sempre estendendo mais uma raiz e aumentando aparentemente a espessura de seu tronco. No centro havia sempre um espaço vago que podia perfeitamente formar um esconderijo. Foi onde ele cavou um novo ponto de acesso. Formava mais confortavelmente, uma ligação entre o mundo exterior e seu mundinho sob a calçada da rua. Neste local ele cobriu com madeira descartada e papelão, de maneiras que podiam ser removidos no momento certo, e recolocados, escondia o buraco formando uma falsa cama para morador de rua. Alguns cobertores velhos completavam a camuflagem. Como era comum a permanência de pessoas sem teto em locais que ofereciam um pequeno abrigo, este não oferecia suspeitas. Desta forma quando queriam sair, o faziam durante a noite. Permaneciam na falsa cama até o amanhecer, e depois ganhavam a rua sem muitas suspeitas. Voltavam usando a mesma estratégia. Desta maneira, a tampa do bueiro foi de certa forma abandonado. Só era usada em caso de impedimento do outro local, por qualquer motivo.

Para aumentar a segurança dos dois, ele passou a usar roupas femininas, e agora com os cabelos longos, foi aos poucos eliminando a barba com processos dolorosos de depilagem. A menina fez o contrário. Sem muitos sacrifícios disfarçava com facilidade. Tudo orquestrado pelo tio, que a tinha, agora, como filha. Desta forma eles saíam do esconderijo, circulavam, e depois voltavam, sem despertarem suspeitas. Eles andavam pelas ruas como os demais, à procura de alimentos e coisas básicas para subsistência.

Desta maneira eles viveram por vários meses, com certa liberdade, andando, fazendo certos contatos, analisando a situação política do momento, até o dia em tudo começou a mudar.

_Chefe eu tenho certeza de que aquele homem que procuramos tanto, está disfarçado de mulher. Um dos agentes do governo, desconfiado, abordou a mulher que falava com voz um tanto grave.

Benjamim por mais que ensaiasse, não conseguia disfarçar muito bem seu tom de voz. Se virava como podia. O melhor era conversar o mínimo possível.

_Não pode ser. Você deve averiguar melhor para ter certeza.

_Estou seguindo ela para certificar, mas até agora não consegui confirmar minhas suspeitas.

_Converse com ela e busque informações. Você deve se certificar, e confirmar, assim fechamos o cerco sobre ele e não poderá mais escapar de nossas mãos.

_Terei o maior prazer em contatar e desmascarar esse traidor. Esse facínora traidor.

_Você tem todos os meios possíveis para isto.

_Farei isto imediatamente.

_Leve um ajudante com você. Ele pode se mostrar violento, o que já nos deu provas.

_Levarei sim. Podes me indicar um nome?

_Você tem liberdade para escolher. Esta informação é valiosa. Somente traga-o para mim. Eu mesmo quero levá-lo ao delegado para ser interrogado. Recomendou o chefe de uma pequena equipe de informantes e agentes treinados. Não se esqueça de que tem uma generosa recompensa para quem capturá-lo.

Saiu imediatamente à procura, rondando o bairro e imediações, e nos dias seguintes não cessaram de procurar dia e noite, nos lugares suspeitos. Como Benjamim desconfiou que cometera um erro grave, procurou ausentar para outros bairros mais distante, usando outros modelos e cores de roupas, e penteados diferentes. Distantes também do esconderijo temendo comprometê-lo. A partir deste dia, seus cuidados redobraram. Dependendo do lugar em que chegava, fingia-se de louco, usando roupas velhas, sujas e rotas, e conduzindo suas coisas em um velho saco de plástico preto.

O maior interesse do chefe dos investigadores, que na verdade não passava de um informante, era em apresentar seu serviço ao delegado visando obter promoção. Enquanto seu colega ia sendo levado de promessa em promessa. Tudo funcionava desta maneira, e qualquer que quebrasse as regras, não as leis, era pisoteado e denunciado. Subalternos nunca galgavam posição sem pisar em alguém no seu caminho. Na verdade, todos eram subalternos, pois sempre tinham alguém acima deles. Para subir nos degraus do poder, tanto em cima como em baixo, tudo dependia da capacidade de trapacear e tirar proveito sobre os outros ao seu lado.

_Não se esqueça da menina, ressaltou o chefe, pois ela é valiosa para o regime. Ela tem informações. Se o pai não tiver informações ela terá. Uma criança nunca mente. Quando o faz, temos os meios para descobrir a verdade.

_Positivo chefe.

_O quanto antes melhor. E veja se não comete nenhuma falha desta vez.

_Pode esperar, chefe, que não vamos cometer nenhuma falha. Podemos demorar alguns dias, mas os encontraremos.

Benjamim e a criança, haviam sido supostamente vistos, em um bairro distante do local onde ficava o acesso à sua caverna. Por isto os agentes andaram por lá vários dias seguidos procurando-o sem sucesso. Não se esqueceram de reforçar a guarda nas proximidades da casa, esperando que ele voltasse pelo menos para pegar o carro. A partir deste incidente, a dupla se separou, pois a menina estava instruída e já sabia se defender muito bem, apesar das preocupações do tio. Ele andava sozinho por um lado, enquanto a sobrinha, saía do esconderijo, e andava por outro lado. Ela havia sido bem informada e treinada pelo tio, sobre como deveria se comportar e conversar caso ela ou ele fossem detidos pelos agentes.

_Nunca se esqueça minha filha. Seus pais morreram doentes, ela perdeu seus documentos, e por isto vivia sozinha na rua. Não tinha família e nem residência. Mal sabia o nome e a idade.

Era a instrução do tio, que também a ensinou a usar o esconderijo sem despertar suspeitas no momento do acesso e da saída da caverna. A somente sair dele por motivos muito sérios.

_Vocês já localizaram aquele fugitivo, meus eficientes agentes?

_Infelizmente não chefe. Nunca mais o vimos no lugar onde foi visto. Procuramos também nas proximidades de sua casa na esperança de que ele voltasse para lá.

_Vocês são mesmo uns incompetentes. Vou tirar o caso das suas mãos.

_Nos dê mais alguns dias, chefe. Vamos percorrer todas as regiões da cidade, mas vamos encontrá-los. Para nós, é uma questão de honra senhor.

_Se em dez dias vocês os encontrarem, eu garanto que terão uma promoção. Depois disto, se considerem fora do caso.

_Obrigado chefe. Como nós os conhecemos, fica mais fácil localizá-los. E vamos fazer isto. Com certeza.



Os dias foram passando e como Benjamim e a menina tinham escondido uma boa quantidade de mantimentos e materiais necessários para subsistência para vários dias, resolveram permanecer dentro do abrigo. Não saíam a não ser para pegar um pouco de sol uma ou duas vezes a cada quinze dias tomando os devidos cuidados. Cerca de um ano depois, outro grupo de investigadores desconfiou da cama no interior das raízes da figueira e resolveram colocar uma câmara escondida no local, passando a vigiar de uma certa distância. Não removeram os papelões a princípio, pois se o fizessem certamente Benjamim perceberia. Com câmara era mais seguro pegar qualquer traidor do governo da nova ordem mundial. Foi o que aconteceu em seguida, pois perceberam que, de um momento para o outro, a mulher que estava na cama de papelão, despareceu no meio das raízes. Por vários dias eles vigiaram o local através da câmera, e foi assim que descobriram tudo. Quando Benjamim e a filha entraram, eles cercaram o local, removeram a falsa cama e adentraram armados depois de jogarem uma bomba de efeito moral no interior do buraco. Minutos depois adentraram e encontravam os dois desmaiados no piso da caverna.

Foram presos e retirados da caverna à vista de uma multidão de curiosos, tanto de cristãos como de adeptos do novo regime. Retiraram as roupas para mostrar que não era uma mulher, mas um homem se passando por tal.

Dá para imaginar o que aconteceu com Benjamim na sala de interrogatório.

_Qual o seu nome? Foi a primeira pergunta feita.

_Onde estão seus companheiros? Traidor de uma figa.

Espancamento e mais castigo cruel. Ele realmente não sabia de seus companheiros.

_Você é um cristão de verdade?

Ele acenou positivamente com a cabeça.

Mais tortura. Três dias sem alimento e sem água, ouvindo uma música alusiva ao novo regime. Mais perguntas e mais tortura. O homem já não conseguia ficar de pé, mas era obrigado a permanecer horas na mesma posição. Quando procurava descansar de um lado, uma pancada com um cassetete na perna. Ele gemia, mordia os lábios, suava frio e de repente caía sem sentido.

_Joguem um balde água fria neste traidor. Gritava o homem sentado em uma cadeira perto do interrogado.

A sala de interrogação ficava no subsolo do prédio da polícia, e fedia a sangue podre, a mijo e fezes dos interrogados. Estes na verdade já não sentiam. Depois de vários dias quando o indivíduo estava prestes a morrer de inanição, davam-lhe alimento, permitiam que tomasse banho, dormisse algumas horas a até saísse do prédio como se estivesse sido liberto. De repente tudo reiniciava.

_Benjamim, você é cristão de verdade?

Ele acenava positivamente até que um dia fizeram-lhe uma proposta.

_Você seria capaz de negar essa religião, e esse tal de Jesus, ou Deus de quem tanto falam?

_Não senhor. Não posso fazer isto.

_O regime da nova ordem quer gentilmente te perguntar novamente. Falava o entrevistador. Um homem de semblante saturno, de braços fortes, e cabelos curtos.

_Não posso aceitar sua gentileza senhor.

Depois de várias tentativas do agente, ouviu-se um disparo de arma de fogo, o que não era nenhuma novidade naquele local. Outro interrogado era conduzido ao local e começavam as mesmas perguntas e os mesmos procedimentos. Era assim dia após dia, mês após mês. Ano após ano. Às vezes um delegado, às vezes outro. Às vezes um atirador às vezes outro. Podia ser um revólver trinta e outo, ou mesmo um 22, que trazia mais tormento, estendendo o sofrimento por horas, até que a hemorragia interna o levava para interior de uma vala, onde já estavam fedendo, outros corpos mal sepultados. Por incrível que pareça o local era visitado por centenas de pessoas que liam o que estava escrito em vários outdoors em torno da cova. Aqui jazem aqueles que ousaram trair a nova ordem mundial e o novo governo do mundo. O novo deus do povo.

A frieza e o odor deles era maior e pior do que o interior da sala de interrogatório. No andar de cima ficavam vários escritórios, e uma cantina onde os torturadores se encontravam para contarem suas proezas e as reações dos seus executados nos últimos momentos de suas vidas. Contavam, se avantajavam e depois sorriam em gargalhadas. Ao lado da sala fedorenta, um espaçoso compartimento um tanto escuro e com acesso estritamente controlado, um arsenal de armas e munições, e um arquivo de papel onde eram registrados os dossiês ou os rascunhos de processos descrevendo ao modo de cada delegado, o processo investigatório. Para lá iam os processos de Benjamim e sua sobrinha como de tatos milhares de outros cristãos.

_Não era assim nos países comunistas, da Rússia comunista, da Alemanha nazista, na república popular socialista da China, Cuba e na Venezuela sei lá de quem, e outros países de religiões não cristãs? Porque não no Brasil. Quem teria a ousadia de fazer esta pergunta nas primeiras décadas do século XXI?

_Deus tenha misericórdia dessas pessoas. Elas estão surdas e cegas. Foram as últimas palavras de um cristão sem nome que foi interrogado por vários dias seguidos. Castigo após castigo, torturas psicológicas e físicas como nunca houve a seres humanos em todos os tempos.

_Não foram estas, as palavras de Jesus Cristo, quando pregado em uma cruz há mais de dois mil anos?




Artimanhas do poder – Relaxamento nas perseguições


Alguns anos depois, os problemas continuaram se acentuando, apesar das medidas drásticas adotadas. O número de cristãos era mínimo e o governo não os tinha mais para atribuir-lhes culpa pelo mau desempenho de sua gestão. O chefe de governo era o mesmo, as iniciativas eram as mesmas e os problemas agravavam a cada ano. Mesmo com todas as iniciativas, de controle populacional, ela aumentava a cada ano, pois um número de pessoas que vivia nas ruas sem qualquer possibilidade de serem controlados era enorme. Como essa população desocupada tinha o mínimo para sobreviver mesmo não produzindo, ninguém queria outra atividade a não ser vagar pelas ruas e apreciar seus aparelhos de comunicação. O governo percebendo que suas despesas estavam cada vez mais altas, tentou atribuir aos processos investigatórios dos suspeitos, tais desajustes na economia, juntando-se a isto, outros entraves políticos. Decidiu-se então reunir a cúpula do partido para consultar a maquete. Quais medidas deveriam ser adotadas para equacionar o problema e ao mesmo tempo melhorar as relações do estado com os insatisfeitos representantes classistas. Questionada, a Maquete ofereceu alternativas: _O estado está gastando mais do que arrecada. _Aumentar a produtividade, Estimular a iniciativa individual, Administrar melhor os recursos, reduzir ainda mais a população de rua. São muitos para dar alimento, moradia, vestes, medicamentos e outros bens de consumo. Foi o que disse a Maquete aos presentes na reunião.

O Governo não estava conseguindo suprir nem com o mínimo que sempre propôs, por isto já era grande o desgaste entre a cúpula e os representantes do povo. Muitos representantes de diversos países federados já ousavam manifestar contra a política adotada na distribuição das cotas. Também as fábricas e os produtores rurais, não conseguiam mais produzir o suficiente, pois os financiamentos eram menores a cada ano, os preços pagos não estavam cobrindo os gastos, e os trabalhadores faziam de tudo para não comparecerem aos seus postos. O temor de perder o poder obrigava o governo tomar decisões.

_Precisamos mudar, e tornar mais eficientes as táticas no combate aos terroristas, e ao mesmo tempo reduzir a população. Se há escassez de alimentos, soma-se a isto, os custos de manutenção que estão muito altos.

O estado estava ficando sem recursos e sem meios de controle. As tecnologias para produção de produtos básicos não conseguia acompanhar o crescimento populacional. Precisavam equacionar estes problemas, pois tinham outras diretrizes importantes que demandavam grandes somas de riquezas.

A ideia básica do chefe de governo, que ouvia sempre a voz da maquete, precisava, agora, implementar as medidas sugeridas. Mesmo que fossem um tanto radicais e até contrárias protocolos existentes.

_Isto não é difícil de ser resolvido senhor, temos meios químicos para resolver a questão em poucos meses. Foi a sugestão do Ministro das forças armadas.

_Você está falando em controle da população através de meios extremos. Se já estamos desgastados com os problemas que temos. Creio não ser fácil, pois desta maneira vai piorar a situação em relação aos nossos parceiros.

A maquete por sua vez não podia sugerir nada contra os seus criadores e a cúpula do partido, pois em sua programação estava a defesa destes. Sempre que uma sugestão neste sentido era emitida um circuito era desligado automaticamente. Um gargalo apenas ficou desfavorável ao governo, por isto ela insistia sempre no item. Sempre que o assunto era introduzido ela apresentava sempre a mesma sugestão: _Aumentar a produtividade, estimular a iniciativa individual, administra melhor os recursos, reduzir ainda mais a população de rua.

_Não me parece tão simples assim camaradas. Existe um grande jogo de interesses por trás destas questões. Será que a maquete não se enganou desta vez?

_Bem, na verdade, a nossa maquete sempre acertou. Agora ela apresenta quatro alternativas. Evidentemente, temos que optar por uma ou duas delas, se queremos permanecer no comando. Disse o imediato do ministro.

_É verdade. Se não quisermos perder o controle do governo do novo estado, temos que agir com extremo cuidado. A oposição está sempre atenta. Eles não podem assumir o comando deste povo. Ele é meu. Ele é somente meu. Tenho direitos sobre este povo. Falou o primeiro-ministro quase gritando. Pela primeira vez o homem compenetrado e de poucas conversas, sentiu a necessidade de extravasar a sua fúria escondida. A ânsia pelo poder tirou-lhe a compostura, mas ele tinha seus imediatos sob controle absoluto, através de dossiês e propinas.

A mensagem nos monitores internos, aparecia a cada espaço de tempo, relembrando ao grupo, quais as alternativas para o governo.

_Desligue essa coisa. Está me irritando. Gritou novamente o chefe do poder ao ouvir novamente a mensagem da maquete.

_O senhor se refere às tentativas de tomar o poder, por parte dos cristãos? Questionou um dos senadores presente.

_Não. Quase aos gritos novamente. Não temo estes imbecis. Eles são minoria e é muito fácil dominá-los. A questão é que não temos mais como atribuir a eles os nossos problemas. Eles estão desarticulados, sem condições de produzir armas, além de serem, hoje, um número bastante reduzido em todo planeta. Eu me refiro a forças que estão entre nós mesmos. Era a voz do primeiro-ministro quase aos gritos. Coisa que não fazia oficialmente. Ele, que sempre se comportou como um dominador de poucas palavras, mas simpático.

_Dentro da cúpula existem pessoas capazes desta façanha senhor Supremo Comandante?

_Com certeza. Não podemos confiar em ninguém. O que tiver que ser feito, tem que ser muito bem planejado e mais ainda quando executado.

_O Senhor tem sugestões?

_Esperava contar com vocês para nos dar sugestões para juntos analisarmos as melhores. Não quero ser traído, em especial dentre meus companheiros de casa.

_Ou dos que se dizem companheiros. Creio eu. Diz o Senador Otávio. Este estava sempre presente, e se mostrava simpático, pois recebia grandes prêmios e privilégios. Era considerado um dos homens mais abastados do império. Suas empresas atuavam em vários seguimentos como produtores e beneficiadores de alimentos populares. Portanto tudo quanto produzia, vinha de uma mão de obra extremamente barata, e repassada ao estado por preços exorbitantes.

_Creio que devemos consultar de maneira mais específica a nossa Maquete.

_Façam isto. Disse o Supremo Comandante, mas ele mesmo estava de olho em todos, e tinha fiéis espiões particulares infiltrados no próprio governo.

Diante de todas as sugestões, a mais aceita foi a de que deveriam por um tempo, não muito longo, relaxar o tratamento e as perseguições aos opositores e cristãos. Permitir certas iniciativas populares de produção de alimentos para consumo familiar, e que formassem grupos para reuniões. Até um partido político legalizado, de oposição poderia ser formado.

_O efeito pode ser o contrário senhor. Não devemos correr o risco. As despesas do governo aumentarão muito e pode haver descontentamentos.

_Sim. Sim. Vão haver manifestações contrárias. Mas de uma coisa podem ter certeza. Mais estarão do nosso lado do que do lado deles. Isto se referindo aos membros do partido, ao senado e cortes de julgamentos. Sem contar com os próprios membros do governo que sempre almejavam um cargo mais alto. Liberaremos uma verba especial para o senado e para os principais representantes do povo. Eles estarão nas nossas mãos. Temos que agir o quanto antes e buscarmos o resultado no menor espaço de tempo.

_Creio que tem razão senhor. E quais as primeiras providências.

_Primeiramente devemos pedir ajuda aos maiores produtores de bens de consumo, que na verdade, são nossos parceiros. Aos banqueiros e todos os industriais e aos oficiais da repressão. A propósito, marque uma reunião com principais. Falou se referindo ao ministro da defesa, e este, ao secretário das comunicações.

_Não será por muito tempo. Isso nós podemos garantir. Depois destas ações nossos lucros aumentarão substancialmente. Afirmou o ministro da produtividade ao grupo convocado, depois de anunciar as medidas e solicitar ajuda de todos. Dentre eles um seleto grupo de empresários, chefes de governos, e outros, sem contudo esclarecer os objetivos finais do programa.

Assim foi iniciada uma campanha sem muita publicidade, no sentido de suavizar as perseguições. Foram distribuídos alimentos, vestes, calçados e medicamentos a todos as pessoas mais necessitadas, em uma campanha mundial. Foi liberada a cirurgia de vasectomia e laqueadura, de maneira indiscriminada. Houve aumento também na ajuda individual aos desempregados e bônus aos trabalhadores mais assíduos. Todos esses benefícios, sem distinção de crença, nem de preferência ideológica. Em pouco tempo, os poucos, cristãos e os contrários começaram a relaxar a vigilância e passaram a fazer reuniões para discussões em torno de quaisquer assuntos. Algumas igrejas voltaram a ser frequentadas, ainda que modestamente, por seus adeptos e, grupos políticos discutiam suas estratégias para formação de um novo partido visando tomar o poder em poucos anos, pois o povo andava descontente. Até então, não podia se manifestar. A vida voltou praticamente ao que era antes. A imprensa seguiu a estratégia do governo e até fazia algumas denúncias contra o partido da nova ordem mundial. A polícia fazia vista grossa para essas reuniões e para as conversas de maneira geral. Com o cartão corporativo onde eram creditados os valores da ajuda financeiras, o povo podia comprar o que quisesse onde quisesse. O governo concedeu um reajuste de 0,6% para todos os cartões populares. Para os membros do partido oficial esse índice chegou a 10%.

_Devemos ter esperanças amigos, as coisas estão mudando.

_É. Estão mesmo melhorando. Este governo está conseguindo o que a muito tempo, outros não se conseguiam.

_É verdade. Ele prometeu e está cumprindo. Governo bom é o que dá alimento ao pobre.

_Todo o tempo em que os ditos cristãos estavam no poder, eles arrasaram com a economia de seus países. Praticaram genocídios em nome de doenças comuns, e o povo desfalecia nos hospitais. Agora temos fartura de tudo.

_Odeio esse povo que se diz cristão. Se fazem de bons cidadãos, mas na verdade odeiam os pobres, e os diferentes.

O que você tem comprado com o seu cartão amigo? Perguntou um senhor mais experiente, tentando amenizar os ânimos dos mais exaltados, e dos que achavam que as coisas estavam muito boas.

_Pensando bem… Comprei apenas o estritamente básico esse mês. Poucas coisas e das mais baratas.

_Pois é amigos. Quando se acostuma com nada, pouco já se torna bastante.

_Vamos mudar de assunto, amigos. Vamos falar de futebol.

_Verdade. Agente se diverte mais.

_A copa deve acontecer no próximo ano. Espero poder comprar uma TV para assistir com a família.

_E os amigos, não é mesmo? Creio que já estamos convidados.

_Com certeza, camaradas. Infelizmente não posso convidar muitos, pois nossa moradia é pequena. E nossa cama não pode mais ser desmontada. Está estragada.

_A imprensa está falando, mesmo que por alto, de um grande projeto do governo, Vocês já viram alguma coisa neste sentido?

_Mas que projeto é este amigo?

_Não sei bem, pois ela não dá detalhes, mas parece que é uma grande estação espacial que ficará na órbita da terra. De lá, controlarão todo sistema de comunicação, e de defesa do nosso povo.

_É. Parece-me que quando o projeto estiver concluído, ela e suas subestações, que serão várias, cobrirão a terra completamente. Todos os países da federação estarão protegidos de qualquer forma de ataque.

_É. Dizem que é alguma coisa muito grande e poderosa. Poderá abrigar centenas de pessoas. Trabalhadores é claro.

_Já ouvi dizer que ela é capaz até mesmo de produzir alimentos básicos, pois as condições na falta de gravidade, podem aumentar substancialmente a produtividade. Coisas assim que ouvi na TV.

_Gostaria de trabalhar neste projeto. Disse um jovem esperançoso de dias melhores.

_Só trabalham lá, engenheiros, e profissionais altamente qualificados.

_Creio que somente pessoas das Forças Especiais. Disse outro participante do grupo.

_É. Não é para nós.

_Eu tenho fé. Disse o jovem sonhador.

_Fé em que? Perguntou um outro.

_Fé no governo. E claro.

A esta altura, a maioria das moradias de uma família de duas ou três pessoas, possuía apenas um compartimento pequeno mais um banheiro que também servia como lavanderia. Os poucos móveis e utilitários tinham que ser desmontados, durante o dia para as atividades normais. As famílias maiores possuíam camas semelhantes a colmeia, que serviam apenas para o repouso. Muitas pessoas para terem um pouco de privacidade, improvisavam barracas na sala para o repouso noturno. Muitas casas que possuíam vários cômodos, abrigava em cada um deles uma família, as quais compartilhavam um banheiro e demais dependências. Todos os utilitários, que eram bem poucos, eram geralmente de múltiplas utilidades. Assim as conversas em calçadas, fundos de minúsculos quintais ou mesmo na rua em frente de uma delas era comum. Agora que o governo, para atingir seus objetivos, havia relaxado sensivelmente as normas, isto se tornou comum em pouco tempo.

_Ainda não entendi as intenções de um governo rústico e truculento, que de um momento para outro, abre os cofres públicos e relaxa as suas severas leis anticristãs. Estes que a pouco, eram tratados como subversivos, genocidas, preconceituosos e traidores da pátria. Era o assunto do momento em uma apertada sala de conversa.

_De qualquer maneira, é sempre bom manter silêncio, pois não se sabe ao certo as intenções desse governo. Um senhor muito sábio e experiente aconselhou.

_Pois eu creio nas boas intenções deles. Há meses que não vejo nenhuma prisão.

_É verdade. Também notei que a imprensa não noticia nada, a não ser as bonécias do governo.

_Creio que o melhor a fazer é aproveitar, enquanto podemos.

Enquanto isto várias crianças de cerca de dez anos de idade, brincavam em uma praça, assistidos por uma mulher do governo, a qual distribuía brinquedos e alimentos, e ainda ensinava brincadeiras novas. É claro, cantavam músicas alusivas a ideologia da nova ordem mundial.

Em outro canto da praça, alguém com um megafone velho, chamava os transeuntes para uma reunião de cristãos. Desconfiados, a grande maioria não ligava, ou fazia que não ligava. O medo ainda era o modo de sobrevivência daqueles que eram contra o governo, ou que não o exaltavam acima de todas as coisas. A imprensa, de maneira discreta, incentivava o povo a discutirem suas preferências ideológicas, e os cristãos a se reunirem nos seus locais favoritos.

_O nosso governo é realmente um pai para toda a nação. Não nos esqueçamos do quanto o partido ama o seu povo. Nunca tivemos e jamais teremos outro governo tão clemente quanto este. Era noticiado todos os instantes, de formas variadas.

Um novo slogan neste sentido foi enviado para todas as nações. Enquanto alguns membros do partido desconfiavam de manobras do governo, outros acreditavam, outros ainda, ficavam enciumados mas tinham medo de manifestar. Todos acabavam por manterem-se neutros, ou em silêncio. Qualquer um poderia cair a qualquer momento, caso manifestasse contra os dirigentes, pois os informantes estavam em todos os lugares. Apenas estavam autorizados a não denunciarem e a não maltratarem ninguém. Ao pavo estava ordenado que, para se manterem, tinham apenas uma coisa a fazer: Não criticar de forma violenta as atitudes da cúpula mais distinta.

Depois de um ano nesta situação, algumas igrejas foram reabertas e as pessoas se reuniam e discutiam quaisquer assuntos que lhes interessavam. Um partido políticos de oposição foi criado e seus filiados discorriam na defensiva da população. É claro, que as câmaras e os microfones estavam ligados e os monitores acompanhavam os passos de todos. Sem distinção. Mal sabiam os governados que, mais do que nunca eram vigiados dia e noite, passo por passo. Os mais experientes percebiam as nuances, enquanto que os menos espertos extravasavam em suas atitudes. Aqueles que antes eram os mais ferrenhos críticos, agora eram o alvo da próxima ação do governo.

_Olha a banana. Banana nanica a preço de banana. Era a voz de um cidadão animado pela abertura, a vender de porta em porta, seus produtos. Por fim, quando ajuntasse algum dinheiro, abriria seu próprio negócio. Acontece que, ninguém comprava, pois não tinham dinheiro e o máximo que podiam fazer era trocar alguns produtos velhos por duas ou três bananas. Uma senhora com vestes bastante rotas, porém muito limpas, se oferecia para lavar e passar, ou para limpar o compartimento de vizinhos, em troca de alguma comida para seu filho e o neto, que já iniciava nos seus primeiros passos.

Enquanto isto o governo preparava o seu golpe fatal e final contra seus adversários. Na verdade queria fazer duas ofensivas ao mesmo tempo. Eliminar os remanescentes cristãos e os opositores, e reduzir ainda mais população do planeta. A sobrevivência segundo a maquete, dos selecionados, dependia disso. _Não existe outra saída. Dizia a sábia maquete, a deusa da cúpula do governo mundial.

Pouco mais de três anos depois, num domingo em que todos estavam descontraídos, um novo vírus fatal foi distribuído nos alimentos em setores já selecionados do povo, e em poucos dias uma epidemia mortal assolou a população previamente escolhida. Mais de três bilhões de pessoas foram mortas. Os hospitais não conseguiam salvar nem a décima parte dos infectados. Segundo alguns médicos e cientistas, que sabiam mas não podiam falar, os medicamentos distribuídos não passavam de placebos. _Diziam em sussurros um para o outro. Enquanto a cúpula do governo se movimentava com o propósito de ocultar seu propósito por trás de novas notícias de uma rebelião desencadeada por um dos países federados.

Como a mortandade era altíssima, o governo atribuiu a culpa aos partidos de oposição, dizendo que não aprovaram os seus projetos para fabricação de vacinas em tempo hábil. Então ele editou uma medida provisória, decretando a morte de todos os seus opositores. Aproveitando a situação, para estender seu braço ditatorial sobre as congregações cristãs, que já eram poucos, afirmando que elas estavam escondendo e distorcendo informações, e ainda ocultando os verdadeiros culpados pelo que estava ocorrendo. Seriam estes, os fabricantes do vírus letal. Seguiu-se um massacre à vista do mundo, por meio de suas metralhadoras e seus atiradores competentes.

É claro, enquanto o governo relaxava com as leis e levava benefícios ao povo, estava na verdade selecionando os que deveriam ser eliminados. No fim do processo muitas casas foram desocupadas e havia um número reduzido de pessoas para o governo alimentar.

A Maquete, sábia e impiedosa, depois de alimentada com as novas informações, a maioria delas inverídicas, continuava emitindo o seu recado macabro. É imperativo eliminar mais pessoas.

Senhor, como sobreviveremos a esta besta, enviada de Satã? Somente Tu, pode dar-nos livramento. Mas quando será?

_Ouviu-se um grito de misericórdia que alcançou o infinito, mas não era ainda o tempo do grande julgamento.




A Nave Colonial IV


Eu comandava uma das sete espaçonaves criadas pela nave-mãe. Eram todas mais ou menos iguais, variando no tamanho, em função da objetividade. Umas com mais, outras com menos recursos tecnológicos e funcionais. Serviam, para missões de reconhecimento em quadrantes determinados da Via Láctea. Desta forma determinadas estrelas e seus planetas deveriam ser investigadas com mais precisão pela tripulação de cada nave, quando estivessem o mais próximo possível de cada alvo. Essas naves deixaram as amarras da nave-mãe em anos diferentes, isto é, à medida que foram concluídas e preparadas para uma viagem, quiçá, sem volta. Por isto elas tinham todos os recursos de sobrevivência, mas levavam, algumas delas, recursos para se instalarem, caso encontrassem algum planeta capaz de suportar a vida, ou permitir a sua adaptação. Por isto seus ocupantes e tripulantes, embarcavam em uma missão nobre. Tinham que ser pessoas altruístas o suficiente para se sacrificarem em nome do grupo que se encontrava na nave-mãe. Eu me apresentei, e fui aprovado em todos os testes inclusive psicológicos e tecnológicos.

Várias décadas depois que nos apartamos da nave-mãe, tivemos notícias de que algumas delas haviam se perdido no infinito escuro do cosmo, e por motivos desconhecidos não informados dos detalhes. Simplesmente desapareceram das telas dos radares, e nunca mais delas tiveram notícias. Uma que eu tomei conhecimento em função de minha localização, havia se precipitado em um planeta desconhecido dos astrônomos. Aproximou-se em demasia e foi arrastada por seu forte campo gravitacional, se perdendo com toda a tripulação, em uma espessa e grossa camada de nuvem. Outra, apresentou defeitos incorrigíveis, e os relatórios deram conta de que explodiu desaparecendo por completo. Como os relatórios foram elaborados de maneira quase que indireta por haverem poucos dados a respeito, entendi pelo pequeno texto, que um incêndio irrompeu no seu interior sem uma causa aparente, tomando em poucos minutos dimensões incontroláveis, consumindo rapidamente todo oxigênio disponível nas áreas comuns. Com a morte da tripulação, o sistema perdeu o controle, e com o aumento da pressão nos reservatórios de gases ouve a explosão. Seus módulos de salvamento não puderam ser liberados em tempo pela tripulação, explodindo com ela em milhares de fragmentos. As naves que restaram eram poucas e se encontravam a grandes distâncias umas das outras, dificultando a comunicação entre elas. Apenas tínhamos conhecimento de sua localização aproximada, porém com uma margem de erro muito grande, era quase que como procurar uma agulha na praia. Entre o envio de uma mensagem e o retorno da resposta, levariam vários dias. Para localizar e se aproximar de um nave a esta altura, poderia levar vários meses. Assim, quando era necessário o envio de uma mensagem, nem sempre chegava em tempo hábil. Entende-se então, que geralmente essas mensagens chegavam, na maioria das vezes, atrasadas, não havendo como enviar socorro.

No quadrante em que estávamos existiam planetas que não passavam de nuvens de vapor quente, oriundos de grades explosões, outros formados da concentração de poeira estelar sobre densas massas de moléculas. Outras ainda, possuíam campo gravitacional muito grande, e assim podia arrastar objetos de massa semelhante a uma nave espacial ou um cometa, e este passava a integrar o seu conteúdo. Creio que foi o que aconteceu com uma de nossas naves irmãs.

Eu e minha tripulação já estávamos nessa missão há cerca de 18 anos terrestres, isto porque o nosso referencial ainda era o da terra, e mesmo não tinha como ser diferente, pois a cada período estávamos sob a influência das forças magnéticas e gravitacionais de um corpo celeste diferente, com massa e conteúdo divergente. No espaço, não tínhamos como nos orientar a não ser pelos meios conhecidos os quais até então se mostravam eficientes. Assim todos adotamos o dia terrestre para contagem do nosso tempo.

Nossas missões eram muito intensas, irregulares, e muito demoradas. Partíamos numa missão praticamente na certeza de que não retornaríamos ao encontro da nave-mãe, ou de outra igual. Possivelmente, nossos descendentes voltariam a se encontrar num futuro muito distante, quando os nossos objetivos fossem alcançados. Todos tínhamos o compromisso de buscar um novo lar para as futuras gerações. Quando desacoplamos da nave-mãe, nossa tripulação contava além de minha pessoa, mais dois casais, marido e mulher, e um deles tinha uma filha de apenas três anos. O pequeno Jorge, de outro casal, nasceu durante esta jornada, depois de haver se passado cinco anos. Contávamos com mais 68 sessenta e oito tripulantes, os quais cada um com uma formação técnica específica além de conhecimentos, ainda que básicos do funcionamento da nave. Engenheiros, médicos, enfermeiros, biólogos, e um sacerdote, com formação também em psicologia, com o intuito de cuidar da saúde espiritual e mental do grupo. Além de pessoal tático para enfrentar problemas diversos tanto com os tripulantes, como em situações inusitadas, seja com armas de fogo comuns, armas pesadas e mesmo sem arma alguma. Tínhamos recursos para um aumento do número da população, até o tripulo do original. É claro, com isto esgotaria a possibilidade de ficarem em sono criogênico. Ela, assim como a nave-mãe, era capaz de reproduzir partes danificadas como também de ampliar o seu tamanho guardando determinados parâmetros. Isto poque herdara da nave-mãe o gene reprodutivo parcial. Um feito sem precedentes na história tecnológica humana na terra, e que trazia para esta viagem. Ao todo estavam na nave Colonial IV 69 pessoas, além de um androide de alta performance.

A tripulação da nave revezava entre acordados e em animação suspensa por períodos variados de tempo. De acordo com o necessário, os computadores de bordo cessavam essa hibernação e permitia também, quando necessário, sua continuidade. Quando alguém entrava em uma cápsula para hibernação, era só corrigir a programação com simples acertos no painel de controle, o que poderia ser feita por ele mesmo ou por um dos companheiros. De acordo com os dados biométricos de cada um, pelo cérebro da nave. Os comandantes revezavam entre si, os períodos de repouso e de atividade. Na verdade, a maioria dos ocupantes da nave ficariam em hibernação durante anos a fio, e somente seriam despertados em caso estritamente necessário. Caso contrário só causariam problemas, por conta da inatividade, solidão, enclausuramento e outros fatores.

Eu me encontrava acordado, por ser o meu período de comando, assistência e vigilância. Também eu gostava de ficar sozinho no interior daquela imensa máquina de cruzar o espaço. Investigar planetas distantes, era mais um hobby do que um dever. Para mim era normal ficar acordado, cuidando das atividades normais da nave. Horta para produção de víveres, baias com animais e aves para o consumo humano, correção de possíveis rotas. Estas aconteciam, quando surgiam novos alvos a serem investigados. Assim depois de uma análise preliminar, os computadores informavam a necessidade de uma verificação mais acurada, o que normalmente tinha que ser feita a uma distância compatível com tais necessidades. Fato que poderia acontecer a cada 50 anos ou períodos ainda maiores.

Minha rotina não passava de uma verificação na horta, mas que na verdade, o sistema cuidava de todos os detalhes, como umidade e pressão necessárias, luz apropriada, correntes eólicas artificiais, ou seja, a formação de um microclima, específico e adequado para tal. Era um ambiente próprio, também para os animais e aves. Até colônias de bactérias diversas eram conduzidas na nave. Mas o certo é que eu gostava de passar um tempo ao lado das plantas, e dos animais, colhendo ovos e frutos, e muitas vezes ajudando no parto de alguma fêmea e, porque não, saboreando algumas delícias produzidas sabe-se lá em que lugar do espaço celeste, longe, muito longe da terra. Eu gostava de preparar meu alimento, pelo menos de vez em quando. Apesar de nossa cozinha se encontrar apta para produzir nosso alimento, nossa bebida, e até mesmo alguns pratos e bebidas exóticas que uns gostavam outros não. Muito embora tivesse um androide para auxiliar nas tarefas mais complicadas, muitas vezes eu o desprezava. Era muito útil em muitas tarefas, até mesmo para jogar xadrez comigo, embora ganhasse de mim na maioria das vezes. Quando isto acontecia, o que era frequente, ele se levantava e me aplaudia zombeteiramente como faziam os amigos em rodadas e disputas. Era um bom camarada, e uma ótima companhia. Estava sempre atento aos painéis de controle, às verificações rotineiras além das minhas necessidades. Assim, com sua capacidade e habilidade, podia jogar e, ao mesmo tempo repassar as informações dos milhares de sensores da nave. Podia se ligar em várias tarefas simultâneas. Eu poderia até mesmo voltar para minha câmara criogênica que ele era capaz de controlar tudo a contento. Também não interferia em minhas decisões e nas minhas vontades, até certo ponto, extravagantes. Às vezes, era como se ele não existisse. Não poderia me dar o que um humano me dava. Principalmente uma humana.

_O que está acontecendo And? Era como eu o chamava. Aconteceu num momento que eu assistia a um documentário sobre as últimas movimentações políticas na terra. Eventos ocorridos desde alguns anos antes da partida da nave-mãe. Por ocasião, o mundo caminhava rapidamente para uma situação peculiar. Os governantes das grandes potências na época, dominavam os seus condados com mãos de ferro. Aos poucos a população foi perdendo, até mesmo por força da opressão e do doutrinamento, a capacidade e cumplicidade familiar, religiosa e ideologias. O conceito de sociedade foi se deturpando aos poucos, até que o amor de uns pelos outros foi ficando cada vez mais letárgico. O estado estava se tornando soberano em todos os sentidos, e qualquer assunto diferente do que pensavam seus líderes, era tido como traição a pátria, e as pessoas eram executadas sumariamente, depois de interrogadas sob tortura. Alguns eram tratados sem o mínimo do necessário para subsistência, além de serem submetidos a trabalhos forçados. A esses, o tempo de vida era curtíssimo, em função das condições a que eram submetidos. Mesmo em função de tudo que vinha ocorrendo na terra, a expectativa de vida do ser humano caiu drasticamente. Isto é, para os dominados. Para a elite do poder ela aumentou extraordinariamente. Poucos países ainda conservavam as práticas tradicionais, porém tudo caminhava para um domínio mundial em torno do totalitarismo. Um governo único começou a ser desenhado, e se tornou realidade dentro de poucas décadas antes da partida da grande nave-mãe rumo ao incerto mundo das estrelas e dos planetas distantes da terra. Eu mesmo nasci no interior da grande nave, alguns anos depois de sua partida.

As atenções se voltaram para os monitores.



_Há uma informação nova nos painéis senhor.

_Já pedi para não me chamar dessa maneira.

_Está bem, senhor. Respondeu And sorrindo sarcasticamente como sempre fazia. São meus protocolos. Dizia sempre.

Ele era um verdadeiro humorista. Humorista que sabia quase tudo, sobre quase tudo. Inclusive fazer humor na hora certa.

_Do que se trata And. Estou preocupado.

_Parece um pedido de socorro. Disse o androide meio reticente.

_Como assim pedido de socorro. De onde vem?

_Estou verificando em quanto a mensagem se completa.

_Já estou indo ajudar. Disse bastante preocupado. Como pode isto acontecer nesta imensidão sem fim? Quem poderia mandar um pedido de socorro a esta altura.

_Na verdade, vem da nave-mãe. É uma retransmissão. Parece que uma nas naves Colônia, se encontra com problemas estruturais e precisa de ajuda.

_Já se sabe que tipo de ajuda eles precisam?

_Ainda não. A mensagem ainda está sendo processada.

_É preciso saber também se ainda há tempo hábil para ajudar.

A nave-mãe tinha dispositivos capazes de rastrear todas as coloniais, por mais distantes que estivessem, mas as mensagens transmitidas eram sempre decodificadas com muita lentidão, em função das distâncias entre elas, e nem sempre chegavam completas. O sistema de recepção era suficiente, mas o envio pelas naves coloniais, era um pouco deficiente.

Quando terminei minhas tarefas do momento, me disponibilizei e corri para as telas dos comunicadores e com certa ansiedade fiquei de pé aguardando em silêncio o fim da mensagem. And também apesar de ser uma máquina, esperava com certa ansiedade.

_Não sabia que máquinas ficavam ansiosas. Disse a ele colocando uma pitada de sarcasmo, como ele também o fazia.

_Não brinque comandante. Só pode ser coisa séria. Temo por você e não por mim. Não tenho nada a perder, a não ser novas baterias e bastões para meus reatores.

_Na verdade não estou brincando. Apenas tentando disfarçar meu nervosismo. Sei que você entende.

_Entendo sim. E é por isso que fico ansioso com esta demora. Disse And olhando nos meus olhos. Era outra iniciativa sua, que às vezes me dava pavor. Eu ficava desconcertado quando isto acontecia. Afinal, And tinha certa influência sobre mim. Talvez sua capacidade de prever meus ânimos. Digo. Prever, não, mas analisar meus atos, pois conhecia meu temperamento, minhas falhas e meus cuidados com todos. Qualquer variação na minha cor, na minha temperatura, semblante, gestos, ele sabia o que acontecia e o que aconteceria.

_Está terminando. Disse And. Até que enfim podemos saber do que realmente se trata.

_O que? A nave Colonial II está em perigo? Mas que tipo de perigo?

A mensagem não era precisa, mas no final dela, pudemos deduzir que a nave passava por problemas nos reatores e possivelmente teria que ser abandonada.

_A esta altura o que estava em curso já aconteceu, pois até que a mensagem chegou a nave-mãe, como era tratada às vezes, e em seguida retransmitida, transcorrem meses. Talvez. Disse.

_É verdade. Vamos esperar por mais informações.

A nossa nave estava num quadrante mais próxima da Colonial II, por isso fomos informado e seríamos nós os mais aptos a prestar socorro caso, ainda fosse possível. Para isto teríamos que desviar o curso introduzindo novas coordenadas para o computador do navegador. Um desvio a princípio de poucos graus, o que deveria ser feito lentamente, ou seja, em várias etapas, para não comprometer a estrutura do nosso veículo. Ele apesar de ser apenas um explorador, possuía tamanho suficiente para se debulhar caso tivesse que se submeter a manobras bruscas. Mesmo assim prestaríamos a ajuda que fosse necessária e possível. Mesmo com risco de vida para a tripulação.

_Com certeza prestaremos ajuda. Afirmou And antes de minha palavra decisória. Vou ajustar as coordenas. Ou sugere outra medida?

_Você está correto And. Faça isto aos poucos.

And distendeu um fino bastão, um apêndice de seu braço, e introduziu na fêmea do computador, através do terminal lateral ao painel. Permaneceu ali quase que estático, aguardando a transferência de dados. De repente ele cancelou a informação que já havia sido transferida.

_Quase cometemos um erro grosseiro, por causa da ansiedade. Disse ele e completou. Não temos ainda a localização exata da nave Colonial II, como podemos corrigir nosso curso?

_Cocei a cabeça indagando. Como pudemos ser tão ingênuos? Disse ainda com a mão na cabeça.

_Parece que estou sendo emotivo. Disse And. Toda vez que você manifesta suas emoções eu as absorvo de certa forma. Não posso mais cair neste erro. As máquinas não se emocionam. Nunca. Mas podem cometer erros.

_Faça uma correção aproximada, podemos nos dirigir ao quadrante em que ela está e quando tivermos uma localização mais exata, faremos outra correção.

_Correto senhor. Vou repetir o ato. Já tenho a localização do quadrante em que ela está.

_Falando em emoções, quem sabe você está se tornando um de nós. Isto seria bom. Disse a ele, por causa da impaciência.

_Impossível. Foi a sua resposta, enquanto buscava nos radares a localização da nave Colonial II. Isto demoraria horas, pois os sistemas eram lentos em função das grandes distâncias, e nada melhor nesse sentido havia sido criado até o momento. Ainda mais que a nave se desloca a uma velocidade muito grande e os equipamentos teriam que rastrear por horas, para traçar o seu curso, depois compará-lo com o nosso, para nos dar as coordenas do ponto de encontro.

_A nave-mãe poderia já ter nos enviado pelo menos uma prévia da localização. Disse já sabendo o que teria acontecido.

_Ela gastaria mais tempo do que nós para isto. Afirmou And com aquele olhar indagativo.

_Não temos alternativa a não ser aguardar. Enquanto isto vamos nos aproximar ao máximo do seu quadrante.

_Se quiser vá descansar um pouco, pois já estamos nisso a horas. Disse o androide, ao percebeu a gola de minha camisa encharcada de suor.

_Tens razão And. Vou tomar um banho e descansar um pouco. Se acontecer alguma coisa nova prometa que me avisa.

_Prometo sim. É claro.

Mal levantei de minha cadeira e a estática dos monitores foi rompida. Voltei-me para as telas aguardando informações. Mas elas não chegavam nunca. Os monitores ligavam por alguns minutos, depois desligavam e assim permaneceram até que resolvi me afastar de uma vez para um banho e descanso. Sabia que o androide era eficientes em suas tarefas e não sentia sono nem cansaço.

_Até mais And. De qualquer maneira não há nada que possamos fazer antes que eu descanse um pouco. Quando chegar, chegou. Assim tomaremos uma decisão. Se precisar me chame, por favor.

_Eu o chamarei. Não se preocupe.

O androide ficou na sala de controle da nave, que não passava de um pequeno ambiente de pouco mais de nove metros quadrados, com um pequeno sofá almofadado, coberto com uma espécie de couro sintético de cor bege, combinando com as paredes o teto e o piso. Tudo em tons pastel. Três poltronas da mesma cor, as quais podiam ser movimentadas através de trilhos no piso da sala. Todos os controles se resumiam a teclados de computador, microfones, sensores de movimento dos olhos e das mãos e alguns poucos botões adicionais. Uma das divisórias era um armário branco com pequenas gavetas onde eram inseridos alguns módulos de memória de comando. Estes podiam ser trocados sempre que um deles apresentava defeito ou era inutilizado por qualquer motivo. O cérebro da nave, o computador central, ficava em um ambiente com acesso restrito, em face das características de sua constituição. Outra divisória formava o monitor grande, no qual todas as informações visuais chegavam. Ela se dividia quando atendia a vários canais, ou quando havia processamento de várias informações simultâneas. Era neste ambiente que ficávamos atentos quando uma informação estava chegando, ou quando queríamos apreciar o espaço celeste do lado de fora da nave. Através dele também efetuávamos pesquisa quando o telescópio era acionado para examinarmos uma estrela ou planeta. É claro, que todas as informações podiam ser vistas ou acessadas nos demais monitores espalhados no interior da nave. Uma retração da divisória ao lado do monitor, projetava a tela e os emissores de rais lazer para formar imagens holográficas quando requeridas.

Ao lado da sala de comando uma pequena cozinha e área de alimentação e algum tipo de lazer. Podia abrigar um número maior de pessoas quando necessário, desde que afastadas algumas das divisórias deslizantes. Era a cozinha composta por algumas mesas com cadeiras, uma máquina de café, e uma cozinheira opcional para 50 tipos de alimento, variando de líquido a sólido. Vitaminas, proteínas e carboidratos. Do cítrico ao adocicado. Leite de origem animal e de grãos. Tudo processado pela máquina cozinheira. Ainda havia em ambiente anexo, um restaurante completo para cerca de cem pessoas comodamente. Neste, cada prato, ao gosto do interessado, deveria ser agendado, uma vez que a sua máquina cozinheira somente conseguia processar cinco ou seis pratos simultâneos com tempo estimado de cinco minutos, dependendo do cardápio ou do pedido. As acomodações individuais se encontravam no entorno desses ambientes, em função das necessidades da sala de controle. Ela devia estar sempre sendo monitorada. Tudo isto apesar da automação completa da nave, tanto no seu sistema de navegação como de sua própria manutenção, e também dos seus ocupantes. Em caso de necessidade de todos estarem acordados, as reuniões eram feitas no refeitório do restaurante, onde havia espaço e acomodação para todos. Havia no caso, assentos de reserva que se expunham mediante ajustes rápidos. Vários laboratórios e oficinas eram montados em uma seção exclusiva da nave, nas imediações da área orgânica. O piso inferior era todo usado para plantio de frutíferas, ornamentais e para criação de animais de várias espécies.

Passei pelo banho, pois antes da chamada dos monitores eu me exercitava o que apesar das condições favoráveis no interior da nave, a sudorese ainda era normal, e necessária. Depois passei pela cozinha para uma das refeições diárias, e por fim, resolvi repousar um pouco, enquanto And monitorava os sensores nos terminais, a partir da sala de comando, o seu local favorito. Horas depois despertei do meu descanso e indaguei sobre o tempo transcorrido desde que saí da sala de controle. A memória do computador respondeu com voz calma e monossonântica.

_Já se passaram quase dez horas e aquele androide intrigante não me acordou. O que terá acontecido. É melhor averiguar.

_O que está acontecendo And? Por que não me chamou? Já se passaram muitas horas. Não me diga que você também adormeceu.

_Está tudo sob controle comandante. Já inseri as coordenadas e a nave já iniciou a manobra em direção ao quadrante específico. Pode averiguar se quiser. Inclusive temos uma convidada de honra nesta nova trajetória. A constelação de Lira, com sua mais exuberante parceira, a estrela Vega, que se encontra bem na nossa frente, muito embora muito distante. Um espetáculo. Maravilhosa obra do Criador de todas as coisas. Creio que você diria. E pensar que o trio Centauro é um dos destinos mais próximo da terra ainda está muito distante, como podemos pensar em chegar até a estrela Vega que está a cerca de vinte e cinco anos-luz? Se for o caso. Quantas gerações serão necessárias. Eu mesmo não sei se durarei tanto.

_Tem razão amigo. Não acredito no acaso e nem em teorias não comprovadas. Aliás, se são teorias é porque ainda não foram comprovadas. Enquanto isto continuo crendo como os conservadores, que Deus criou tudo isto que nós vemos. A matéria-prima que Ele usou foi apenas a sua vontade. Quando concluirmos o nosso resgate retomaremos o curso original, a constelação do Centauros.

_Você deve ter razão. Disse o androide sem olhar em mim. Estava realmente com os olhos, ou melhor, as lentes fitas no monitor.

Observei mesmo uma mudança na nossa rota, porém os números estavam praticamente iguais. A constelação poderia ser vista mesmo na rota anterior, porém com certa dificuldade. Enquanto And observava outras informações nos seus monitores, verifiquei rapidamente o histórico e percebi que as coordenadas que trafegávamos não eram as mesmas ditas pelo androide.

_And, me faça um favor, caso possa deixar o seu posto por alguns minutos.

_Pois não senhor. Desculpe chamá-lo senhor.

_Coloque minhas roupas na lavadora e na volta, me traga um café bem quentinho. Pediria outra coisa para você também, mas…

_Tudo bem comandante.

Na verdade, eu queira ficar sozinho para averiguar melhor os dados fornecidos pelo androide, pois em face do tempo transcorrido, já seria possível receber novas mensagens e em tempo mais curto do que anteriormente.

Em questão de minutos averiguei a agenda onde o histórico do voo se mostrou incompatível com a necessidade de um encontro mais rápido com nave Colonial II. Corrigi as coordenadas e notei de imediato o início da mudança de rota. Era quase azimutal ligeiramente descendente. Desde o início da viagem, os cientistas navegadores tomavam como referência uma determinada constelação, e só mudariam em função das necessidades de deslocamento.

_Aqui está o seu café comandante. Notei um ligeiro cinismo na fala do androide, pois ele era muito esperto e já havia notado o que eu tinha feito.

_And, sei que é difícil você errar, mas tem que admitir que as suas coordenadas estavam ligeiramente divergentes do informado pelos computadores. Sei que a nossa referência continua a mesma.

_O senhor também pode ter cometido o erro. É melhor conferir tudo meu comandante.

_Eu já conferi várias vezes, e fiz as devidas correções. Não se preocupe. Está tudo bem agora. Robôs também cometem erros.

_Me desculpe comandante, mas eu não sou um robô. Sou um androide, capaz de pensar, aprender e decidir. Posso não ser humano, pois não tenho emoções, mas sou bastante humanizado. O que não faltam nas minhas instruções são lógica e análise de possibilidades. Não tenho emoções...

_Não se irrite amigo. Estava só descontraindo com essa coisa de robô. Reconheço a sua capacidade e o seu valor. Afinal, Androides também tem o direito de errar. Ou não?

_Queira me perdoar comandante.

_Não se fala mais nisso amigo.

Me fiz de satisfeito, pois o que eu queria mesmo era saber a profundidade das ações do androide, depois desse deslize. Pois assim decidi considerar, pelo menos por enquanto. Mas na verdade o que aconteceu, muito embora por poucas horas, nos causou um grande atraso no resgate da nave Colonial II. O que poderia ter ocorrido em cerca de 105 dias, agora poderiam levar mais cerca de vinte. Só espero que o resgate aconteça em tempo de salvar o que tiver para ser salvo.

_Mensagem para Colonial II. Estamos a caminho de suas coordenadas. De acordo com a previsão inicial, abordaremos em cerca de 120 dias. Se puderem faça contato para que possamos corrigir, se necessário, nossa rota para um encontro seguro o mais breve possível. Precisamos também, entender melhor o que está acontecendo e assim preparar nossa abordagem.

_Computador, repita esta mensagem a cada cinco horas. Com esta programação poderei me dedicar a outras atividades sem prejuízo para a nossa nova missão.



Assim foi por cerca de trinta dias de espera. Nenhuma resposta, nenhum sinal audível captado para ser processado por nosso sistema. Isto estava me angustiando sobremaneira. Passei a temer novos atitudes estranhas do androide. Por isso quase não dormi nos próximos dias. Não poderia acordar nenhum dos tripulantes, pois os efeitos da criogenia são terríveis nos primeiros dias de despertamento. Preferi aguardar um pouco mais e somente faria isto em caso de estrita necessidade. Apesar da falta de resposta, nossos instrumentos indicavam a presença de um objeto traslando em rota tangencial à nossa nave. Isto me deixava mais tranquilo.

_Afinal uma acoplagem com outra nave ou um módulo de salvamento apesar de não ser tão simples, é coisa que pode ser feito praticamente de forma automática. Por outro lado, não se sabe das condições desse módulo de salvamento que supostamente estávamos esperando. And ainda pode me ser muito útil para isto. Fiquei pensando enquanto ele cuidava de outras tarefas relacionadas.

Preferi aguardar um pouco mais, e enquanto isto eu observava atentamente as atitudes do androide. Pelo menos por enquanto não precisaria alarde, pois ele tinha um sistema de rastreio e eu poderia segui-lo onde quer que fosse. Se ele introduzisse no sistema qualquer informação adicional, suspeita, eu detectaria no mesmo instante onde quer que estivesse. Poderia acompanhá-lo do meu próprio micro, acoplado nas vestes do meu braço.

Um mês depois, de muita aflição e espera, o próprio And me alertou para uma mensagem um tanto ilegível na linha de comunicação. Com certo esforço nosso, conseguimos ler parte da mensagem.

_Estão se aproximando e ao que parece em rota tangencial à nossa. Alertou o androide.

_É verdade And. Me ajude a ficar de olho se as duas rotas coincidirão e em quantos dias.

_Não se preocupe comandante. Não cometerei outro erro. Já efetuei um novo set up na minha programação, mesmo sem a sua presença. Estou apto para esse procedimento sem perdas ou alterações de minhas funções. Como você sabe, todas as minhas programações e memórias estão arquivadas no computador central. No momento em que quiser você pode verificar de acordo com os protocolos de produção.

_Para um androide praticamente autônomo, você se comporta como uma máquina meu amigo.

_Sou consciente de que sou uma máquina. E as máquinas também erram. Como os humanos.

_Faço questão de averiguar seus protocolos, se isto não fere seu ego. Disse em tom de brincadeira, pois sabia de casos de robôs que desafiaram seus criadores.

_Não tenho ego para ser ferido. Portanto, no momento em que quiser, estou à sua disposição. Aliás sempre estou à sua disposição meu nobre comandante.

Ele mesmo se conectou ao computador central e liberou suas memórias. O diagnóstico estava correto as informações vieram em questão de minutos, apesar do volume das informações contidas nos seus chips de memória. A partir de então fiquei mais tranquilo, porém uma coisa ficou clara. Teria que estar mais atento.

_As linhas averiguadas, das rotas das duas naves, se cruzarão em cerca de trinca e cinco dias. Temos que desacelerar de acordo com o sugerido pelo computador de bordo. Disse o androide.

_Confirmei o comando e passamos a aguardar. Não sabemos ainda o tipo de abordagem, mas creio que será direta no nosso hangar de bordo. Temos que providenciar alguns preparativos para não sermos pegos de surpresa.

Nosso sistema de acoplagem de módulos ficava sob a estrutura da nave com acesso paralelo ao nosso movimento. Desta forma basta que o módulo tenha um pouco mais de velocidade em relação a nossa nave, para um acesso direto. Isto facilita nos cálculos do computador de bordo das duas naves e nos movimentos que elas tem que fazer para um encontro sem transtornos.

_Apesar de nunca termos feito uma abordagem desta, na prática, não será difícil, e nós dois conseguiremos fazer isto em tempo hábil e de forma segura. Apesar da falta de informações por parte dos nossos visitantes.

_Seria bom se tivéssemos algumas informações, pelo menos básicas, para melhor nos prepararmos. Afinal, quanto mais informação melhor. Afirmou o androide.

_Elas chegarão a qualquer momento. Afirmei com esperança.

_Melhor assim. Me animou o androide. Desta maneira não precisaremos tirar ninguém da criogenia.

_Fique tranquilo. Vamos conseguir.

_Quantas pessoas estarão naquele módulo? Gostaria de saber para estarmos preparados para recebê-los da melhor maneira possível.

_Não sabemos nem mesmo se se trata de um módulo para uma só pessoa ou para várias. Alertou-me And. De qualquer maneira o hangar servirá tanto para um, como para outro tipo de módulo. Mesmo que sejam até vários veículos individuais, ou três coletivos.

_Verdade. Apenas devem ser orientadas a pousarem um de cada vez. Mas ao que parece estão sem comunicadores, pois as mensagens quando chegam estão incompletas. Sendo assim ficará complicado.

_Eles devem ter comunicadores de curta distância, como os nossos para casos de emergência. Relembrou And.

_Continue tentando End, a conexão interativa facilitará tudo. Certamente estão tentando o mesmo sem sucesso.

_Já tentei comandante mas o módulo não aceita interação. Ou sua energia está muito fraca, ou seus equipamentos de comunicação estão avariados.

_É bom continuar tentando.

_Creio que, quando estiverem mais próximos de nós, saberemos os detalhes. Dependendo do tempo restante, ainda poderemos prepara alguma coisa.

_Verdade. De qualquer maneira, temos que aguardar, e quanto mais relaxados estivermos, melhor. Apesar de aparente, eu estava muito ansioso por causa da situação.

_Com certeza.

_Estou a horas nesse trabalho, e estou com muito sono. Vou fazer um pouco de exercício, tomar um banho, comer alguma coisa e descansar algumas horas. Sei que você tomará conta de tudo. Disse ao androide.

_Vou passar pela horta, alimentar os animais, mas estarei sempre atento. Deixo meu velho Bluetooth ligado para qualquer emergência.

Saí do local rindo do velho amigo androide. Companheiro de anos de solidão sempre caminhando pelos corredores e compartimentos da nossa nave de reconhecimento e agora de socorro e salvação. Ele sempre tinha uma palavra para me animar nas horas difíceis desta jornada.

_Ainda bem que tenho esse amigo para me ajudar e me fazer companhia. Às vezes fico pensando, como seria a vida na terra, mas quando lembro das histórias contadas nos documentários que eu mesmo tenho visto, chego sempre a conclusão de que melhor é estar neste local, com estes corredores vazios, cozinheira, e tantas possibilidades. Mesmo tendo acesso a produtos frescos, e naturais, ainda tenho a possibilidade de usar produtos totalmente manufaturados pela nossa cozinheira, totalmente autônoma, de onde posso extrair os componentes necessários para a manutenção de minha vida. Fui andando e pensando nestas coisas. Às vezes sorrindo, às vezes cantarolando.

_Sempre dou graças a Deus por tudo isto.

Encontraremos um novo lar com terra firme onde poderemos reconstruir nossas famílias, nossa nação e nosso povo?

Amanhã será um novo dia, com novos desafios, novas perspectivas, e novos problemas para serem resolvidos. Não me esquecia de que havia um módulo para ser recuperado.



Aguardando os Tripulantes da Nave Colonial II


Passamos os nossos próximos dias aguardando novas mensagens da nave Colonial II, ou de um de seus módulos de fuga. Não sabíamos quantas pessoas estavam a bordo nem que tipo de carga ela trazia. Também não sabíamos se havia equipamentos e coisas similares. Só o que tínhamos a fazer era aguardar. Assim os dias foram passando lentamente enquanto cuidávamos dos preparativos para a abordagem. Todos os dias eu checava os dados e percebia que as rotas possuíam um ponto coincidente no espaço e no tempo. Talvez, pela ansiedade de não conhecer ao certo o que aguardávamos, os dias, pareciam, não passar. Procurei de todas as formas novos contatos, mas quando a estática dos monitores era quebrada, o que se via e ouvia era sempre algo incompreensível.

Só o que nos restava era acompanhar a trajetória da nave, ou do módulo de salvamento, enquanto o prazo estimado pelo computador se aproximava lentamente do final.

_Com certeza eles não possuem equipamentos capazes de fazer uma transmissão completa e perfeita. Fiquei pensando.

Solicitei ao computador uma nova estimativa do tempo para o contato, e do espaço a serem percorridos pelos dois navegantes. Nave e módulo, como assim chamávamos. As mensagens dos radares eram realmente muito lentas e ainda não precisas.

Achei que o computador demorou mais do que o normal para responder e por isso efetuei novos testes de sua programação. Usei outro módulo de cálculo para isto, e o resultado foi o mesmo.

_É compreensível essa demora, capitão, pois nossos computadores precisam de dados que ainda estão incompletos. Além disso as ondas do radar precisam ir e voltar, gastando um tempo precioso. Por isto precisa calcular com base em diversos gráficos para se chegar a uma média e depois efetuar os cálculos comparativos dos dois vetores. Afirmou And.

_Tem razão. Respondi em tom indagativo, o que levou And a me lançar um olhar desconfiado e sair do ambiente.

Notei a sua expressão através dos reflexos produzidos no monitor ao lado. Se é que androides tem expressões evidentes. _Gostaria de saber o que está realmente acontecendo com esses computadores. No próximo período de descanso comecei a verificar as normativas do androide, analisando seus esquemas de construção. Me lembrei que tinha isto confidencialmente em um módulo de computador escondido no meu alojamento, o qual apenas eu tinha acesso. Era uma medida de segurança extra. Fiquei meditando.

Quando abri o aplicativo, apareceu na primeira página a seguinte frase. Por motivo de segurança apenas o comandante tem acesso a esses arquivos. Para ser aberto estritamente em caso de segurança, é necessário usar suas chaves de acesso. Aproximei o rosto um pouco do primeiro sensor para escaneamento da retina, depois aproximei a mão do segundo sensor e efetuei os procedimentos recomendados com o terceiro sensor. Em dois segundo o aplicativo abriu e em seguida ouvi um clique das chaves da porta do alojamento se trancando. Todos os sensores do quarto foram desligados para impedir qualquer vazamento de informações para outras partes da nave. Tal procedimento não cancelavam os avisos de conectados do restante dos monitores da sala de comando, bem como dos existentes em todos os pontos da nave. Desta forma todos pensariam que estavam funcionando normalmente. Assim eu poderia fazer quaisquer averiguações sem que os outros ocupantes da nave soubessem. Inclusive o And que possuía meios de verificar os bancos de dados até mesmo sem contato físico.

Eram instruções bastante complexas, mas iniciando pelos sintomas apresentados no androide e na nave, cheguei a conclusão de que algo estava realmente errado. Precisava agora encontrar a raiz do problema, o que me levou a uma averiguação que avançou por horas. Por fim descobri que o androide tinha meios e programas para contaminar o computador da nossa nave, de maneira que dificilmente seria descoberto, até que um sério problema fosse detectado. Tais recursos foram criados por ele mesmo através do seu aprendizado.

_Era só o que me faltava. Será mesmo que o And, meu grande amigo e companheiro está tentando me pregar uma peça?

_Acho melhor não falar nada com ele agora. Verei se consigo mais informações. Enquanto isto tenho que ficar de olhos nele. O tempo pode me dizer o que está ocorrendo, desde que eu não perca de vista nenhum movimento dele.

De maneira discreta, observei que a velocidade de nossa nave estava diminuindo mais do que o necessário. _Será que o And pretende provocar um desvio de rota para dificultar o acesso do módulo, ou está tentando corrigir uma falha prevista no seu sistema de navegação. Só poderia ser. Pensei.

Com vigilância, discreta fiquei aguardando e observando a aproximação do módulo e da nave. Por mais que eu não quisesse, o tempo estava se dilatando e quando chegou o dia previsto inicialmente ainda havia uma distância considerável até a abordagem. Mesmo com as correções que fizera na desaceleração da nossa nave.

_And, você poderia me dizer o que está acontecendo?

_Em relação a que comandante.

_Bem, quando você me chama de comandante é mais aceitável do que ser chamado de senhor. Disse para descontrair e não fazê-lo entender de imediato as minhas suspeitas.

_Em relação ao fato de que o prazo para a abordagem do módulo se cumpriu e, onde está ele?

_Bem, pelo que informam os instrumentos, ainda levarão alguns dias, meu nobre comandante.

_A que se deve essa dilatação do prazo? Você tem ideia do que pode estar acontecendo.

_Vou verificar novamente os cálculos, mas provavelmente se deve a questões de desaceleração para ajustar as velocidades do módulo e da nave no momento perfeita. Sabemos que elas devem percorrer no mesmo sentido até que suas velocidades estejam aptas para uma acoplagem perfeita.

_Mas o índice da desaceleração não foi corretamente indicado?

_Na nossa nave foi sim. Porém em relação ao módulo, não temos muitas informações. Além do mais ele pode ter seus lemes avariados, ou com pouca pressão e assim os motores direcionadores não obedeceram ao comando..

_É. Pode ser. Mas podem ocorrer outros problemas. Você está usando para os cálculos, o banco de dados do computador da nave, ou o seu próprio?

_Corretamente devo usar o sistema da nave. Estou ciente desses protocolos.

_Só o que temos a fazer é verificar novamente e aguardar o tão esperado encontro. Disse, me concentrando nos dados que estavam chegando.

Eram as sequências de coordenadas espaciais, tridimensionais, que estavam chegando, muito embora com certas interrupções. Os computadores iam tabulando esses dados e fornecendo as trajetórias corretas, assim podíamos estimar o tempo para o percurso que faltava até o encontro. A margem de erro era considerável.

_Comandante, já percebeu que a nossa nave passou para o controle do módulo de salvamento? Isto está interferindo nas velocidades de ambos.

_Verdade. Eu havia me esquecido de que a nave que acoplará, assume o comando das velocidades, para que esta ocorra com perfeição.

_Esta é a causa do problema. Pode ficar tranquilo meu comandante. No momento certo o módulo chegará. É compreensível, que haja falhas, pois certamente o módulo está com nível de energia muito baixo.



Dentro de mais dois dias, as imagens do módulo de salvamento começaram a ser formadas através do espectro de frequências dos nossos radares. Eles estavam aptos para fazer não só a triangulação correta, mas permitir a formação de imagens. Não eram imagens reais, mas o computador fazia a comparação com imagens salvas em cada banco de dados e projetava neles a imagem do módulo. Com base nesta sistematização, tínhamos imagens que poderiam não ser tão fiéis, mas davam uma ideia do real. No dia seguinte pudemos vê-lo através das lentes de médio alcance. Assim confirmamos tratar-se de um módulo de salvamento, suficiente para boa parte tripulação. Por mais que eu sentisse aliviado com o avistamento, a questão ainda não tinha se resolvido por completo, pois não havia comunicação audível.

_Essa acoplagem não vai ser fácil. Disse ao androide.

_Concordo Mas tenho certeza de que vai dar tudo certo. Só não sei como a tripulação vai perceber onde se encontra o hangar e a pista de acoplamento da nossa nave.

_Os módulos de salvamento possuem plantas em três D das naves, mesmo porque estão se aproximando e alinhando do lado certo. Por segurança, mesmo não sabendo se eles podem receber nossas comunicações, envie uma mensagem, com instruções e o esquema da nossa nave.

_Sim. Faço isto num instante. Fique tranquilo.

_Você fica no comando, atento a possíveis contatos, e eu vou descer ao hangar. Os sinalizadores sônicos e visíveis estão ligadas?

_Sim comandante.

_A projeção da ponte está completa? Perguntei quando estava de saída para a pista de acoplagem.

_Sim comandante. Está tudo preparado. Você me parece um tanto apreensivo.

_Com certeza And. Afinal não recebemos visitas periódicas, não é mesmo?

_É verdade. Mesmo eu, acho um tanto surpreendente.

_A sala de quarentena está preparada? Bem sei que está. Eu mesmo a verifique e testei. Também a porta de verificação de itens indesejados está ok.

_Não se esqueça da descontaminação e blindagem do módulo, assim que ele acoplar. Foram minhas instruções dadas enquanto me dirigia ao local do pouso.

Antes de chegar ao hangar, passei pelo vestiário e vesti sobre o exoesqueleto, o traje espacial, e fiquei aguardando que o módulo adentrasse para orientar seu navegador, direcionando-o para o estacionamento, no ponto de travamento automático. Ali também eram feitas, a descontaminação e a blindagem para evitar que o sistema de imunológico da nave o atacasse.

Meus temores se confirmaram quando percebi que o módulo estava com seu sistema de comunicação quase inoperante por causa da baixa energia gerada no sistema, e a grande demanda. A prioridade era a segurança da tripulação, por isso a energia produzida era utilizada prioritariamente para manutenção das câmaras criogênicas. Fui informado dos detalhes, posteriormente.

Durante mais de duas horas, assisti quase que como mero observador, a aproximação lenta e o desenrolar do pouso e sua atracagem na pista de acoplagem de nossa nave. _Felizmente essas máquinas possuem um campo de pouso compatível, e praticamente tudo funciona automaticamente. Assim em situações de emergência e operações como esta, podem se realizar praticamente sozinhas e com segurança.

Aliás, todas as naves coloniais possuem ambientes como este, e algumas delas no início da viagem, eram utilizadas para a coleta de matéria-prima no espaço. Módulos coletores, realizavam essa tarefa recolhendo matéria solta no espaço e até mesmo, pequenos asteroides perambulantes, o que era comum em determinadas regiões. Dessa forma, ao invés desses pequenos bólidos constituírem ameaça ao casco da nave, eles eram recolhidos para serem transformados em quaisquer substâncias que servissem para a nossa manutenção, bem como das naves, até mesmo para a ampliação da nave-mãe e das Coloniais. É claro que nas proximidades deles, havia ainda, uma centena de pequenos módulos robotizados, programados para a tarefa de localizarem e recolherem essa matéria solta no espaço. Posteriormente as naves foram batizadas de coloniais e adaptadas para operações de reconhecimento a grandes distâncias.

Após a atracagem o módulo de salvamento entrou em descontaminação parcial, o que durou pouco mais de duas horas. Quando a porta principal foi aberta, uma pessoa com trajes espaciais desceu da nave, com certa dificuldade, pisando nos degraus do módulo até o piso antiderrapante da nossa nave Colonial V, ajoelhou-se e depois de alguns segundos dirigiu-se a mim.

_Meus comprimentos senhor. Creio que estou falando com o comandante da nave.

_Com certezacreio que também eu, esteja falando com o comandante do módulo. Respondi cortesmente.

_Em primeiro lugar, quero agradecer imensamente pela oportunidade que o senhor e a sua tripulação nos dá de termos uma nova vida.

Todos tínhamos consciência de que antes de uma aproximação pessoal, era preciso que os visitantes passassem por uma descontaminação e descompressão mais rigorosa, o que demandava alguns dias. Por isto os cumprimentos eram um tanto frios e distantes.

_Temos o maior prazer em receber você. E sermos úteis de alguma forma. Disse entusiasmando. _Penso que não esteja sozinho neste módulo. Pensei mas permaneci em silêncio.

_Espero também ser útil para o comandante em algum aspecto da missão. Aliás, da nossa missão.

_Tenho certeza disto. No momento, em que posso ajudar? Perguntou o comandante da Colonial IV.

_Gostaria de mostrar o interior do nosso módulo. Já que está em trajes adequados, podemos entrar e ver o que temos. Posteriormente apresento um relatório completo.

_Não será necessário examinar, mas se quer me mostrar, vejamos. Tenho certeza de que no momento oportuno incorporaremos o seu inventário ao nosso. Se é que o problema com a sua nave seja mesmo irreversível.

_Sem dúvida não só irreversível, como a esta altura já dever ter sido estilhaçada e espalhada pelo universo.

_Era grave assim a situação? Espero que todos que estavam nela tenham se salvado.

_Venha comandante. Não vamos esperar mais.

Quando adentramos no ambiente principal do módulo, ele estava tomado de utilitários, inclusive um módulo com algumas câmaras de criogenia, o que realmente ela queria me mostrar.

_Estas câmaras estão sendo utilizadas no momento comandante? Perguntei.

_Sim. Por incrível que pareça.

Quantas pessoas você tem em hibernação? Perguntei ao comandante, que a esse ponto eu já havia notado o tom de voz bastante feminino, apesar dos trajes, e o equipamento de som que geralmente alterava substancialmente a tonalidade da voz.

_A propósito, me esqueci de me apresentar por completo. Confesso que estava bastante ansioso por esse encontro. Assim me esqueci de fato. Lamento muito. Meu nome é Ariano Bianco.

Assim comecei a lidar com o comandante do módulo. Dei-lhe as boas vindas e ofereci nossas acomodações. Como ainda não havia visto seu rosto fora da máscara, realmente não consegui identificar o seu sexo.

_Muito prazer senhor Ariano. Meu nome é Mayrilen Melott.

_Queira me desculpar mais uma vez senhora ou senhorita? Já que estamos reiniciando, não devemos esquecer coisas importantes como estas. Ou ainda, se prefere ser chamada de comandante.

_Não importam as dúvidas, afinal ficamos praticamente sem comunicação durante esses dias, e assim não me identifiquei adequadamente. Creio que a apreensão por causa do nosso problema me deixou, creio, um tanto estressada.

_Por falar nisto, no momento oportuno gostaria de saber o que aconteceu com a sua nave, sua tripulação e todo o processo de sua viagem até o nosso encontro.

_Quanto aos adjetivos ou tratamentos, até o momento, fui comandante, navegador, e demais funções indispensáveis neste módulo, mas de agora em diante pretendo repassar o comando para você, ou senhor como preferir. Ela também indagou.

_Bem, creio que não precisamos de tanta formalidade. Confesso que esta expressão “senhor” ainda me assusta, apesar de ter idade suficiente para ser um senhor.

_Muito bem comandante. Gostaria de retornar ao que começamos. Neste módulo temos apenas sete cápsulas criogênicas. Seis delas ocupadas e a outra, é a minha. Aliás precisamos verificar o funcionamento delas já que o nosso suprimento de energia foi bastante limitado durante a nossa viagem nesse pequeno módulo. Eu temia pelas vidas dos seus ocupantes. Foi o motivo de não estabelecermos uma linha de comunicação constante com vocês esse tempo todo. Agora que não precisamos mais de energia para navegação, espero que o nosso reator se estabilize e seja suficiente para elas.

_Assim que for possível vamos incorporar todas elas à nossa nave, que tem um fornecimento de energia confiável e sobressalente.

_Quando quiser, podemos tratar dos protocolos da nossa entrada nesta nova casa. Sei que teremos que cumprir a descontaminação e a quarentena. Para isto se for o caso podemos iniciar agora mesmo.

Ela era bastante perspicaz e senhora de respostas rápidas e diretas. Passei a observar seu comportamento, pois a partir daquele momento teríamos de conviver. Nossa convivência teria de ser harmônica, ou teríamos um inferno dentro da nossa nave, talvez única em milhares de quilômetros.

_And, pode recolher a rampa, desligar os holofotes e cerrar e lacrar as portas do hangar e da nave, para completarmos a descontaminação. Voltei-me para nossa nova tripulante e disse em seguida. _Gostaria de lhe mostrar seu alojamento, onde também cumprirá sua descontaminação e adaptação ao novo ambiente, e descansar com mais conforto. Ele tem os recursos para a descontaminação de seus pertences pessoais, inclusive os seus trajes. O seu módulo será descontaminado no próprio hangar.

_Obrigado comandante. Preciso mesmo descansar e dormir bastante, para recuperar o sono de vários dias. Como deve ter percebido, estive sozinha todos estes dias, averiguando tudo, comandando e navegando praticamente sem dormir. Isto depois de remover para o nosso módulo tanto o conjunto criogênico como tudo que precisaria para navegação. Sem esquecer meus próprios acessórios pessoais.

Enquanto andávamos em direção à cabine destinada a nova ocupante da nave, conversamos estritamente sobre o necessário. Eu não queria cansá-la mais ainda.

_ Nossos níveis de oxigênio e pressão podem não ser os mesmos da sua nave anterior, por isso é bom descansar e se alimentar bem, para uma boa e breve adaptação.

_Não se preocupe comandante. Sofri diversas variações atmosféricas nos últimos meses, de maneiras que me sentirei confortável. Obrigado pela preocupação.

_Confesso que estou curioso em relação ao que aconteceu, porém falaremos disto depois, assim que descansar. No seu alojamento, tem uma pequena cozinheira que pode fornecer alguns tipos de alimento, água, sucos e petiscos. Vou providenciar roupas e envio para você. São usadas, pois são de uma ocupante da nave, enquanto as suas próprias ficam a sua disposição. Creio que posteriormente teremos de fazer algumas adaptações, pois não sabíamos se o local seria ocupado por mulheres ou por homens.

_Tenho certeza de tudo está de acordo com minhas necessidades. Não tenho tantas exigências como mulher. Também tenho quase tudo que preciso no interior do módulo. Assim que for descontaminado posso remover para o meu novo alojamento.

_Está bem senhorita. Depois mando levar algumas frutas, caso sejam do seu agrado.

_Não acredito. Vocês tem frutas aqui neste infinito mundo?

_Algumas.

_Obrigado comandante. Estou à sua disposição como novo membro de sua tripulação. Ela disse afastando-se um pouco mas sempre olhando diretamente para minha nos meus olhos. A esta altura já estávamos sem os capacetes.

Pelo menos era o que parecia. Apesar de abatida pelo cansaço e o stress de tudo que passou, Mayrilen me pareceu uma mulher ainda jovem, mas com uma personalidade própria de uma pessoa autêntica.

_Já abrimos um canal de comunicação no seu alojamento, e uma pulseira para quando estiver circulando pela nave. Se precisar alguma coisa é só fazer contato. Infelizmente nossa médica está em estado criogênico e assim teremos que cuidar da saúde nós mesmos. Mas se precisar nós a acordaremos.

_Sou-lhe imensamente grata comandante. Disse-me enquanto fechava a porta do seu alojamento.

_Descanse o quanto quiser ou precisar senhorita. Se precisar de alguma coisa pode nos contactar a qualquer momento. Reafirmei.

Desta maneira as coisas foram acontecendo normalmente. Dia após dia eu aguardava um comunicado de Mayrilen, e nada acontecia. Não poderia invadir sua privacidade, mas em verdade, eu estava ficando aflito por causa da situação. Através dos sensores podíamos acompanhar sua vitalidade, mas não podíamos e nem queríamos adentrar na sua intimidade, apesar da preocupação.

_Acalme-se comandante, tem sensores de movimento no alojamento da senhorita, e posso sentir seus movimentos e posso garantir que estão normais.

_É verdade And. Creio que estou alarmado sem muitos motivos. Tenho que me acalmar.

_Parece-me que o comandante está emocionado demais depois da entrada dessa mulher em nossa nave. Falou o androide e continuou de cabeça baixa, porém de rabo de olhos, acompanhou o comandante o quanto pode. Ele percebeu a insinuação e depois de outras manifestações semelhantes do androide, foi-lhe franco.

_Parece que o meu amigo androide está enciumado, ou estou enganado? O androide saiu do local pisando alto, porém nunca mais tocou no assunto.

_Meu amigo androide está mesmo com algum circuito avariado. Como pode ele ter ciúmes? Pensou o comandante. _Tenho que ficar atento.

Vez ou outra Mayrilen enviava apenas um sinal de vida com uma mensagem curta, escrita nos comunicadores pessoais. É claro que eu me preocupava com sua saúde e seu bem-estar, então eu solicitava notícias. As respostas sempre vinham de maneira simples e cordial, mas bastante resumidas. Um dia eu estava envolto em minhas tarefas rotineiras quando ela fez um contato visual e disse que não estava passando bem. Recomendei que regulasse o nível de oxigênio, e aumentasse a aspiração do gás carbônico, e pelos sintomas que me passou consultei a nossa máquina de diagnóstico médico, e esta realmente indicou níveis de oxigênio mais altos, alguns alimentos específicos e exercícios físicos além de um analgésico. Além disso apenas descanso. Como faltavam poucos dias para completar a sua quarentena, em função do mal estar, preferimos que ela continuasse recolhida, mas decidimos fazer duas avaliações diárias. Pelo menos por enquanto. Assim ela deixou algumas câmaras abertas para que pudéssemos acompanhar a evolução de sua saúde. Como a nossa máquina de diagnóstico não podia ser removida, tivemos que fazer diagnósticos sucessivos de maneira indireta.

_Não quero de maneira alguma invadir sua privacidade senhoria, mas prefiro acompanhar com mais interesse a sua recuperação. Escolha as câmaras que não permitam a violação de sua privacidade e por favor deixe-as abertas. Recomendamos a verificação de sua frequência cardíaca e pressão pelos menos duas vezes ao dia. Seira bom também enviar uma amostra de sangue para um exame complementar.

_Sim comandante. Não se preocupe com minha privacidade. Também acho melhor esse contato visual.

_Melhoras senhorita.

_Obrigado comandante. Vou fazer o recomendado.

Completados os dias de recolhimento, Mayrilen ainda não se encontrava totalmente recuperada, pois apresentava pouca disposição física. Com isto o próprio sistema achou melhor que ela fosse liberada para exames mais completos o que aconteceu quando ela passou pela máquina de avaliação médica. Um pouco anêmica, esporádicas dores de cabeça e tonturas passageiras. Com algumas poucas prescrições medicamentosas, exercícios físicos e caminhadas pelos pomares e uma alimentação mais reforçada, em poucos dias mais, ela estava apta a conviver normalmente, conhecer melhor a nave e seus tripulantes, eu, o androide e os que se encontravam dormindo. Os pequenos problemas de saúde logo seriam coisas do passado. Assim, com o passar dos dias ela se encontrava totalmente saudável e passou a interagir melhor podendo relatar os detalhes de sua trajetória até o momento em que adentrou na nossa nave.

_Tenho que acompanhar com mais acuidade, a saúde de nosso comandante. Vou verificar sua pressão arterial mesmo sem ele ter conhecimento. Minhas preocupações procedem, pois desde que Mayrilen colocou os pés nesta nave, ele não é mais o mesmo. Disse consigo mesmo o androide, e o fazia a cada duas horas, usando os seus próprios sensores.

_Estou ansioso para que os dias passem, e a nossa interação seja mais intensa a cada dia. Pensei enquanto cuidava do nosso pomar. É muito bom ter Mayrilen aqui comigo.



Mayrilen Conta o que Ocorreu com a nave Colonial II


_A nossa nave, Colonial II, teve um de seus reatores avariado por causa de uma sobrecarga iniciada, quando os dois entraram em funcionamento simultâneo. Isto, segundo o cérebro, para recarregar os capacitores de plasma em um processo rápido, para rompimento de inercia. Com isto iniciou-se um processo de aquecimento gradual em um deles, o qual se tornou exponencial, até o momento de risco de explosão. A equipe de manutenção, inclusive meus pais, se submeteram a doses maciças de radiação. Alguns morreram na hora, outros posteriormente. Durante um ano e meio eles lutaram para restaurar o reator e salvar os contaminados, enquanto o problema persistia. Às vezes, com muito trabalho o aquecimento era contido, e de repente, sem nenhuma explicação, quando menos esperavam, tudo reiniciava. A energia no sistema, as vezes ia ao pico, as vezes caía drasticamente, enquanto os reatores pareciam perder força. Setores da nave eram desligados na tentativa de drenar a energia para o resfriamento, mas tudo era em vão. Continuava aquecendo. _Parece até uma espécie de câncer em que o tumor sempre cresce, sendo alimentado pelo próprio sistema, e nada é capaz de conter o crescimento. O problema foi se espalhando por vários circuitos do sistema e se instalando definitivamente. A troca de componentes em nada adiantava. Dizia meu pai antes de sua morte. Foi um tempo muito angustiante, pois nada do que faziam, funcionava. Substituição de sensores e outros terminais, troca, e melhorias de sistema de arrefecimento. Quando pensavam que o problema estava sanado, de repente tudo reiniciava, até o dia em que perceberam que não havia outra solução a não ser pedir socorro e abandonar a nave. Pensaram até em abandonar o próprio reator, mas isto era impossível, pois desestabilizaria por completo a aerodinâmica da nave por se encontrarem os dois, em locais estratégicos no corpo dela. Se partiria, piorando ainda mais a situação. Por fim o consenso indicou o meu despertamento e treinamento rápido para que conduzisse a nave de fuga. Foi assim que eu me encontrei sozinha, tendo que tomar decisões, e fazer tudo que tinha que ser feito. A esta altura as células de reparação herdadas da nave-mãe já haviam sido contaminadas pelo sistema imunológico da nave. Em meio a tanta confusão, comunicamos o fato com emissão de SOS. Poucas explicações foram dadas a respeito do problema surgido, mas o suficiente para deixar preocupado todo o comando da frota universal. Assim antes que chegasse uma determinação, fui obrigada a iniciar o processo de fuga. Como o senhor sabe, com as grandes distâncias nosso sistema de comunicação nos impediu de obter respostas em tempo hábil. Por fim disseram que a única saída seria abandonar a nave, navegar ao encontro da sua, guiados por telemetria precária por falta de energia. Ainda pudemos rastrear o curso de sua nave, o que me possibilitou corrigir antecipadamente nossa rota, e viajar por inércia ao encontro de vocês. Assim perdemos nossos pais, os engenheiros, médicos e outros, além do nosso androide. Somente eu estava acordada, e não contaminada pela radiação, além das crianças nos seus módulos. Foi assim que assumi o controle e aqui estou. Ou melhor, aqui estamos, eu e meus irmãos.

_Estou chocado com tudo isto. Sofreram grandes perdas pessoais. É claro, seus pais e pessoas importantes para a nossa missão maior. Todos nós perdemos com essa catástrofe. Estou realmente sentido e condoído com você.

_Confesso que estou traumatizada com tudo que passei. E sozinha.

Às vezes, enquanto falava, eu percebia que ela enxugava as lágrimas e às vezes tinha a voz cortada pela emoção.

_Você é uma mulher muito forte. Conseguiu tanto e vai conseguir superar todos esses traumas. Sei que não esquecerá seus pais, e as pessoas queridas que estavam com vocês, mas seja como Deus quer. Estou certo de que você também pensa assim.

_Com certeza. Espero que agora em sua companhia e de meus irmãos quando acordarem eu consiga me reabilitar.

_Com certeza. Faremos, eu e o And, o que for possível para ajudar você a se recuperar.

_Obrigado. Ela silenciou por alguns segundos, abaixou a cabeça e começou a chorar. Na tentativa de reanimá-la eu retomei a conversa.

_Queira me desculpar por ter voltado ao assunto. Caso tenha se cansado de tanta explicação deixaremos para outra hora.

_Não tem problema, podemos continuar. Já me sinto melhor. Agora ou depois, temos que ter essa conversa. Então que seja agora. O nosso amigo androide trouxe-lhe um copo de suco calmante para ela.

Então continuei tentando tirar algumas dúvidas, ou quem sabe levantando hipóteses para pesquisas futuras. _Detectaram a causa do funcionamento simultâneo dos reatores? Pelo que percebi, de maneira aparentemente desnecessária, pois um dos reatores seria suficiente.

_Tudo indica que houve uma falha no circuito controlador, o qual entendeu que a nave iniciaria uma manobra de aceleração repentina. Jamais tivemos respostas mais convincentes.

_Mas esse sistema não é induzido manualmente, quando há uma necessidade, ou automaticamente quando o próprio sistema detecta uma eventual necessidade, e assim mesmo, há um aviso para que seja acionado? Pelo menos nesta nave é assim que funciona. Qualquer quebra de inercia o comando parte sempre de uma ordem expressa, controlada por código de segurança.

_Sim. Com certeza, mas de uma forma ou de outra, ouve esta instrução de maneira automática.

_Bem, a linha de androides que acompanha as naves coloniais, em especial as mais antigas como as nossas, também pode detectar essa necessidade e passa o aviso ao comandante, que tem os códigos de acionamento. Disse a ele intrigado.

_Com certeza. Como o androide teve todos os seus principais protocolos apagados durante um pulso eletromagnético, não tivemos como saber. Mas eu pergunto. Você crê na confiabilidade desses androides? Nós nunca tivemos nenhum desconforto com o nosso.

_Não gosto de tirar conclusões apressadas, mas tivemos recentemente um contratempo com o nosso androide. Coisa mínima.

_Um erro de interpretação das instruções? Ela ficou curiosa e quis saber mais detalhes.

_Erro de cálculo nas trajetórias da nossa nave e do seu módulo. Com isso houve um erro de vários dias na previsão para o nosso contato físico.

Ela ficou bastante intrigada com o que eu disse, mas agora era tarde para uma investigação, pois a outra não mais existia. Era um problema sem retorno. Além do mais, de que adiantaria uma investigação, mesmo que conclusiva, a não ser para corrigir falhas na construção ou na condução das outras naves.

_Se tiver ficado algum vestígio do que realmente ocorreu pode estar nos arquivos do módulo. Ou mesmo se foi alguma sabotagem, nós descobriremos. Fiquei meditando. Com uma tripulação reduzida como dessas naves, é muito difícil pensar em sabotagem.

O melhor a fazer agora, é seguir adiante, neste novo mundo, ou seja, nesta nova nave, para uma nova vida que segue. Era o conselho que eu sempre dava a ela, na tentativa de tirá-la do caos mental em que se encontrava. De agora em diante, uma nova vida.

_A nave Colonial II era comandada pelos meus pais os quais se sacrificaram na tentativa de restaurar ou pelo menos, desativar o reator danificado. Depois de perceber que nada mais tinham a fazer eles enviaram um SOS para a nave-mãe, e iniciaram um processo de abandono de sua nave. Alguns dos últimos sobreviventes, antes de morrerem, pressentindo a catástrofe iminente me ajudaram a transferir as cápsulas criogênicas para o módulo de salvamento, como também todo equipamento de subsistência. O suficiente para alguns meses de peregrinação até sermos resgatados por vocês, que se encontravam mas próximos de nós. Apesar de bastante jovem, tive que tomar a iniciativa para realizar a transferência de tudo que foi necessário e possível, e guiar o módulo de salvamento até o encontro com esta nave. Continuou a narrativa. Esta viagem foi feita, de maneira quase que aleatória, uma vez que os instrumentos não podiam funcionar plenamente, em função da escassez de energia. Com as comunicações muito prejudicadas, eu me apeguei ao mínimo, e fiz o máximo por mim e pela pequena tripulação adormecida.

_Muito corajosa…Falou baixinho o comandante e aguardou que ela continuasse.

_Liberados os sistemas de gravidade artificial, os quais já não funcionavam com perfeição, tudo pode ser deslocado com mais facilidade, usando cordas e pequenos propulsores presos nas laterais dos objetos a serem deslocados. Foram várias viagens através dos compartimentos e corredores da nave, tomando todos os cuidados para não causar danos a estes. Bem como evitar a contaminação pela radiação e pela iminente explosão do reator defeituoso. Conta Mayrilen, com palavras sendo cortadas a todo instante pela emoção.

Fiquei em silêncio em atitude de respeito, e mesmo porque não tinha palavras para o momento. Então ela depois de alguns segundos continuou a narrar sua história desgastante.

_Como a nossa nave possuía o mesmo formato básico, discoide, os módulos de salvamento ficavam no centro, parte inferior. As distâncias percorridas eram quase sempre similares. Tive que escolher um módulo com maior capacidade de carga e deslocamento, além de melhores recursos de navegação. Concluí o trabalho sob efeito da morte dos meus ajudantes, que estava muito debilitados por causa da radiação a que estiveram submetidos.

Ela me contou em detalhes todo o trabalho que teve desde o início do processo de aquecimento dos reatores até o momento em que travou seu módulo na área de atracagem da nossa nave.

_Sem dúvida alguma você é uma heroína. Eu te admiro muito pelo que fez. Quero que saiba disto.

_Desatraquei nosso modulo totalmente às cegas, pois não tive tempo para testar seus propulsores, navegadores, e equipamentos de comunicação. Praticamente todos os testes foram realizados quando já estava à deriva. Felizmente tudo funcionou normalmente, de maneiras que ainda pude sentir o choque da quebra de inércia do nosso módulo, quando ela começou a ganhar impulso. Foi muito triste ver a nave ser desintegrada, ainda mais sabendo que meus pais e amigos lutaram tanto para salvá-la. O meu único alívio foi, depois de uma distância segura, averiguar as câmaras criogênicas, e perceber que as pessoas que estava nelas continuavam bem. Só então pude tomar certas providências em relação à carta de navegação que teria de seguir.

_Quer dizer que no momento em que recebemos a mensagem de nossa nave-mãe, você já se encontrava à deriva? Perguntei a ela admirado de sua coragem e força de vontade.

_Quando enviamos o primeiro SOS na verdade, eu ainda estávamos na nave, meus pais ainda estavam vivos e estávamos conscientes da catástrofe. Quando recebemos a mensagem e a localização aproximada de sua nave, eu estava trabalhando na transferência para o módulo, de tudo que trouxe. Mas a esta altura o nosso fornecimento de energia já não era suficiente para troca de mensagem visual. Por isso usei apenas o código SOS. Com o seu posicionamento pude passar as coordenadas para o computador do módulo fazer os cálculos e traçar nossa rota. Sabia que, com envio do SOS em intervalos regulares, seria suficiente para que vocês nos rastreassem. Eu dependia de vocês, pois não tinha como fazer a localização exata de sua nave. Apenas o quadrante em que se encontrava.

_Senhorita Mayrilen, sei que você passou por maus momentos. Não queria estar no seu lugar, mas faria todo possível para ajudar caso fosse possível. Não me entenda como um egoísta.

_Entendo perfeitamente o que diz. Não tenha dúvida, foram momentos angustiantes. A solidão que eu sentia, creio que foi a pior sensação que existe. Mas você e o And estão me ajudando em tudo que preciso. Tenham certeza do meu reconhecimento.

_Posso imaginar. Você foi realmente muito forte e eficiente para assumir todo esse peso sobre si. Graças a Deus que, agora, pelo menos você e seus irmãos estão salvos.

_Eu não poderia e nem me seria útil despertar a tripulação pois sabia que não tínhamos alimentos, energia e todos os meios de subsistência disponíveis para todos nós, por tempo indeterminado. Também, romper a programação do sono, como você bem sabe, se não tiver as condições favoráveis, o risco é imenso. Eu não poderia fazer isto, e nem adiantava, pois são todos praticamente crianças. Assim optei por realizar esta tarefa sozinha. Graças a Deus eu consegui, e agora aqui estou me sentindo tremendamente aliviada.

_Então você ficou a deriva no módulo por muito tempo. Alguns meses talvez.

_Vários meses. Creio. Perdi a conta pois estava totalmente envolvida com o nosso salvamento. Alimentação e sono bastante reduzidos, me tornei quase que uma zumbi espacial.

_Mas agora você está aqui. Já está com a saúde recuperada, o sono normalizado. Agora é tocar a vida, cuidar dos sobreviventes, e com certeza, traçar novos planos.

_Bem, realmente tenho agora que traçar novos planos, pois meus pais planejavam, e os outros apenas ajudavam a colocá-los em prática. Agora dependo de você, que se tornou meu comandante.

_Seque pode contar com a nossa ajuda. Primeiramente temos que verificar a integralidade dos seus irmãos, a operacionalidade de tudo que você conseguiu trazer.

_É verdade. Possivelmente alguma coisa deve não ter utilidade, pois seria apenas duplicata do que existe nesta nave. Será apenas peso morto.

_Bem, caso se confirme, nossos reatores de plasma os aproveitarão no momento certo. Tudo tem alguma utilidade em nossa missão. Vivemos quase que exclusivamente de reciclagem.

Foi uma longa conversa, de alguns dias, pois se tornava muito desgastante para ela, em especial relembrando todo o transcurso trágico de tudo que aconteceu.

A vida continua. A história de seres humanos no espaço à procura de um novo planeta habitável continua.



Depois de muitos anos praticamente sozinho no interior da nave, agora eu e Mayrilen, tínhamos um ao outro como companhia, e podíamos conversar e trocar ideias, humanas, e informações, vez ou outra, sendo interferidos pelo androide, que pouco se importava com nossas longas horas de boas conversas, às vezes ao pé do ouvido. Era realmente discreto e sabia quando participar sem causar constrangimentos. Se acostumou com a presença dela e deixou suas crises de instabilidade.

Tive a oportunidade de mostrar a ela todo o interior da nave, que em suma, era em quase nada diferente da sua. Apenas alguns detalhes divergiam. Fizemos o inventário de tudo que ela trouxe, incorporamos ao que era nosso e passamos a fazer uso de tudo que era comum. O que era do seu uso pessoal, transferimos para o seu alojamento, o qual, agora, teve que ser ampliado para acomodá-la com tudo que tinha. Um anexo para também para guardar o que era dos irmãos. Isto foi feito com o deslocamento de algumas divisórias que separavam alguns ambientes contíguos. Queria que o seu apartamento ficasse amplo e aconchegante. Quando seus irmãos acordassem tínhamos ambientes mobiliados para todos.

_Comandante, temos que incorporar tudo que adentrou à nossa nave, pois como sabes, enquanto isto não acontecer, é considerado corpo estranho e pode ser aos poucos removidos pelos robôs imunoterápicos. Enquanto estiverem blindados estarão protegidos, mas os lacres são temporários.

_Sim meu amigo. Faremos isto assim que nossos novos tripulantes estiverem totalmente bem.

_Não podemos esquecer que o bem-estar deles depende desse inventário e do incorporamento.

_Sim. Faremos isto aos poucos. Há tempo hábil.

Foi uma conversa que tivemos logo que a nave de Mayrilen acoplou.

Aos poucos mostrei com explicações, às vezes demoradas, a ela nossa plantação de hortaliças e frutíferas, nossas baias de animais, o que para ela foi novidade, pois estava acostumada a retirar tudo dos processadores. Sendo assim, entre nós havia uma diferença substancial, pois segunda ela, suas preocupações não eram bem as minhas.

_Muito interessante essa cultura. Me parece um tomateiro. Conheço apenas por meio de fotografias e descrição de suas partes. Do sabor, apenas o processado.

_Muito bem. Essa é uma espécie melhorada especialmente para nossa estadia no espaço. Para economizar terra e nutrientes naturais usamos o processo da aquaponia. Assim como muitas outras culturas. Se você não conhece, é o cultivo de vegetais e hortaliças em meio aquoso. Pode-se cultivar por esse método até mesmo algumas frutíferas. Servem para alimento, mas fornece periodicamente uma seleção de sementes para a colonização de nosso novo mundo. Quando o encontrarmos, é claro. Outro benefício de todos esses vegetais, é o fornecimento de oxigênio que é liberado durante a fotossíntese. Sem esquecer que os animais precisam também de alimento natural.

Ela ficou encantada quando lhe mostrei minha coleção de frutíferas cultivadas em vasos, usando solo processado de asteroides capturados no espaço, acrescentados os adubos químicos apropriados e mesmo os orgânicos produzidos nas baias. Disse a ela que na terra, eram árvores enormes com vários metros de altura, e eram cultivados diretamente no solo em sistemas de lavouras com milhares de pés, de onde eram recolhidas toneladas de cada espécie, e distribuídas nos mercados, onde eram trocados por moedas.

_Você disse toneladas?

_Sim. Milhares de toneladas periodicamente. Os fazendeiros faziam verdadeiras fortunas vendendo suas produções. Até que tudo mudou. O que era uma riqueza tornou-se iguaria para poucos privilegiados.

_Fortuna? Não entendo.

_Pois bem. Fortuna era na terra, a soma em moedas, títulos e outros bens, relativos ao que uma pessoa possuía.

_Nem consigo imaginar para que tanta produção. A terra estava realmente repleta de pessoas?

_Pessoas e animais. Quando a Nave Mãe partiu da terra eram mais de sete bilhões de pessoas. Mas antes de algumas mudanças, esta população chegou a 10 bilhões. Todos dependiam da produção e processamento de alimentos. Os animais dependiam da produção de tipos variados de alimentos, para produzir carne, leite, gordura animal, e proteínas. A pele de alguns, era muito valiosa pela utilidade que tinham. Quando deixamos a terra, ela já apresentava escassez de alimentos e milhares de pessoas morriam de fome em várias regiões. Animais variados que produziam carne, aos milhares. Somente bovinos, eram cerca de um bilhão de cabeças. Fora os peixes e outas espécies produzidos em água. Aves também eram consumidas em abundância.

_Tudo isto, para mim são apenas histórias incríveis. Disse ela admirada.

_Bem. Para mim também, pois eu nasci depois do início de nossa jornada. A questão, é que sou fascinado por esta história e vivo pesquisando nos nossos arquivos. Cada dia, quero conhecer mais da vida na terra. Assim, assimilo melhor a nossa vida no espaço, confinados no interior de uma nave espacial.

_Você tem esperanças de alcançarmos esse novo mundo tão esperado, comandante?

_Posso ser sincero com a senhorita?

_Com certeza. Gosto de sua sinceridade. Não me diga que tem, pelo menos, um traço de pessimismo.

_Bem. Pessimismo, creio que não tenho. Mas gosto de ser realista e objetivo. Temos que viver de acordo com as possibilidades e probabilidades. Sendo assim pelas nossas previsões, dificilmente temos chances de alcançar esse local tão sonhado. Mas temos que plantar sementes aqui, para que nossas futuras gerações possam fazê-lo em terreno firme. Quem sabe nossos netos, nossa terceira ou quarta geração. Minha esperança é esta, e eu procuro contribuir para isto.

_Às vezes fico imaginado como seria este novo mundo, mesmo porque nasci no interior de uma nave espacial e o que conheço da terra é apenas por meio dos arquivos. Creio que me acostumei com a vida solta no cosmo. Convivendo com um número reduzido de pessoas. É tudo muito estranho.

_O contato que tive e tenho com a terra e seu modo de vida, também é apenas por meio de arquivos. Mas sei que seus habitantes viveram tempos muito difíceis. Espero que as coisas tenham melhorado para o povo que nos deu origem. Disse o comandante sempre com um sorriso.

_O que te impressiona com mais intensidade aquele mundo? A terra de que tanto falavam meus pais.

_Sei que os últimos anos dos nossos antepassados na terra foram de grande agitação política social, religiosa e ideológica. O que mais me impressiona é saber que as pessoas, nas últimas décadas, viviam sobressaltadas, desconfiadas, apreensivas, e humilhadas. A grande maioria da população, parecia sem esperanças. Sem perspectiva de vida. E o pior, eles não percebiam mais a diferença entre liberdade e escravidão. Poucos privilegiados tinham uma vida com regalias. A classe dominante, formada pelos políticos e altos funcionários do governo, e empresários, viviam uma certa liberdade, e fartura de tudo que precisavam, mesmo assim, por qualquer motivo elas simplesmente desapareciam. Os pobres, além de viverem na miséria, não tinham escolha alguma. Não existia opção. Era o que o governo dava ou permitia. Houve um tempo, antes deste período, em que existiam, na maioria dos países, três classes sociais. Os ricos, ou nobres, a classe média e a pobreza. Nesta transformação a classe média deixou de existir. Ficando apenas a classe privilegiada e os miseráveis. Estes, quando tinham dinheiro, ou moeda de troca, não existia comida para se comprar. Ou, no mais comum, não tinham moeda e nem o que comprar. O que existia era muita escassez.

_Não tinham polícia, nem cortes para julgamento das questões?

_Com certeza. Tinham, mas as controvérsias em torno de ideias políticas, religiões, família e tradições, eram vistas como traição. Qualquer manifestação neste sentido era sufocada com a eliminação das lideranças e prisão dos suspeitos, por quaisquer denúncias, mesmo as infundadas. Assim qualquer movimentação era de imediato aniquilada pelas forças do governo. Não era permitido sequer ir a uma igreja para cultuar a Deus. Qualquer que fosse a religião, esta era reprimida. Os seguidores eram contados como traidores do estado e podiam ser sentenciados sem julgamento formal. A partir de 4 anos de idade as crianças eram iniciadas na ideologia estatal, imposta por uma corte mundial e a maioria absoluta deixava a casa dos pais para servir integralmente ao partido e ao estado. O irmão de meu pai, o único que foi permitido nascer legalmente, ficou na terra, creio doutrinado pelo partido. Meu pai foi transferido para outra família que não tinha filhos. Esse meu tio, creio, depois de um ano no máximo, na escola do governo, já seria capaz de usar uma metralhadora, e assassinar os próprios pais caso descobrisse que tiveram outro filho. Estava totalmente à mercê dos doutrinadores.

_Seus pais eram serviçais do estado?

_Com certeza, meu pai e minha mães como eram engenheiros integraram ambos, por pura sorte, ao programa espacial, e ajudaram a construir a nave-mãe. Eles se conheceram no espaço depois que a Nave mãe partiu.

Vi que minha companheira, apesar de interessada no assunto, ficou pensativa, passou as mãos nos seus negros cabelos, fez um ar de preocupada e prosseguiu reticente.

_Realmente. Parece mesmo impossível viver dessa maneira.

_Só quem viveu na terra nestes dias sabe como eram as coisas por lá. Assim me contaram meus pais depois que eu já estava na fase adolescente. A esta altura a nave já havia sido raptada e se encontrava a vários anos viajando pelo espaço.

_Incrível.

_Verdade. Inacreditável verdade.

_Não haviam revoltosos em algum canto da terra, para lutar contra esse regime?

_Havia motins e até alguns países que se revoltaram, mas quando isto acontecia, os lideres eram mortos e os seguidores feitos prisioneiros de guerra. Eram postos em campos de trabalho escravo. Apenas alguns poucos países sobreviveram até os dias da nossa fuga. Esses, viviam ilhados do resto do mundo, com uma economia básica para sobrevivência. Aguardavam o final dos tempos, quando Cristo retornaria para salvar e resgatar o seu povo e, efetuar um julgamento, colocando fim às mazelas do inimigo dos cristãos. O Anticristo. Seria efetuado pelo Deus soberano, criador de todas as coisas na pessoa de Jesus Cristo, seu filho também denominado Messias.

Um Messias? Salvá-los? Ela ficou surpresa quando me referi ao Messias, salvador.

_Então você não conhece o texto bíblico? Messias significa resgatador, salvador.

_Aprendi alguma coisa da Bíblia com meus pais mas se trata do mesmo Messias chamado Jesus? Indagou ela.

_Sim, o mesmo Jesus citado na Bíblia, o qual, grande parte da humanidade aceitou como o mediador e salvador. Quer dizer, o povo cristão. Pena que os judeus ou israelitas, onde surgiu a raiz do cristianismo, a terra onde Cristo nasceu, não o aceitaram. Ainda hoje, creio, não acreditam que aquele Jesus que veio no início do primeiro século, seja o Messias. Mesmo sendo referido tanto pelos profetas citados na Bíblia.

_Mas segundo meus pais, esse Jesus voltará para resgatar a sua igreja, e que onde estiverem os que o aceitarem, eles serão resgatados no fim dos tempos.

_Apesar de Jesus Cristo ter nascido e vivido, entre os homens, feito milagres e reunido vários discípulos, na terra da Judeia, que era naquela ocasião, o Estado de Israel, eles não creram e nem o aceitaram. Antes o maltrataram, o crucificaram e o mataram, coniventes com as autoridades civis e religiosas da época.

_Mas, se o mataram, como Ele pode retornar e resgatar uma multidão de povo oprimido. Se na época ele não derrotou seus inimigos, como pode derrotar agora? O homem hoje, tem mais poder de guerra do que antigamente.

_Bem. É uma longa história. Só que não se trata de guerra física, mas espiritual. Resumindo, Ele depois de três dias, ressuscitou e apareceu a várias pessoas, que foram testemunhas do fato. Foi recolhido ao Céu, de onde há de voltar, em glória, vencer seu maior inimigo, que é Satanás, ou o Diabo, e há de efetuar um grande julgamento para separar os seus, dos que não o aceitaram. Por fim encerrará em prisão eterna, aquele que tem escravizado a humanidade. Completando, não é uma questão de tecnologia, de guerra, pois essa batalha se dá no plano espiritual. Ainda mais, o maior inimigo do ser humano, não é o governo mundial, não são as autoridades, mas o próprio diabo, que usa, com suas mentiras e artimanhas, o homem que muitas vezes está no poder das nações, ou de posse das riquezas. Ele morreu, porque nós por causa do pecado, teríamos que morrer ou cumprir toda a lei de Deus. Quer dizer, sermos perfeitos, como Ele é perfeito. Ninguém conseguiu e nem conseguirá. Então foi necessário que Ele cumprisse a lei e morresse no nosso lugar.

_Preciso estudar melhor para entender tudo isto. Disse Mayrilen de cabeça baixa. Depois de alguns segundos ela retomou e acrescentou. _Não lhe parece uma história um tanto fictícia, e absurda? Um Deus espiritual que criou todas as coisas, tomar a forma de homem, nascer pobre, ser perseguido desde criança, depois ser rejeitado pelo seu povo, ser acoitado, crucificado e morto por homens cruéis e não reagir. Depois de haver feito tantos milagres até então jamais vistos. Me parece uma história difícil de acreditar. Ainda mais, que há de voltar e efetuar juízo sobre os homens maus, e sobre essa entidade, também espiritual, autor de toda maldade que há na terra, segundo consta. Ela abaixou novamente a cabeça, pensativa enquanto aguardava uma palavra minha.

_Realmente é uma história difícil de acreditar. Em especial por nós que aprendemos a raciocinar de maneira probabilística, científica, e vingativa. Nós que temos, por força das necessidades, talvez, o intuito de colocar tudo à prova. Calculamos, conferimos, testamos e, por fim quando nossos projetos estão aptos, de acordo com probabilidades, passamos a execução. A questão é, que no mundo espiritual as coisas funcionam de outra forma. Esse Deus, na pessoa de Jesus Cristo, existe numa esfera tão superior à nossa, que a mente humana não consegue assimilar. Vislumbramos apenas algumas nuances. Além do mais essa relação entre Deus e o homem é baseada exclusivamente na fé. E fé, não se explica, não se prova, nem se entende. Aceita-se apenas. A Bíblia, o livro sagrado dos cristãos, ensina de maneira clara que esta relação se baseia unicamente nesta fé. E que a salvação do homem que aceitou a Jesus Cristo, é um ato de graça apenas. Não há nada que o homem possa fazer para merecer esta salvação. Graça é graça, baseada apenas na fé. Não se compra, não se troca, não se paga. Mesmo porque o preço já foi pago pelo próprio Jesus, quando se entregou para morrer no nosso lugar, uma vez por todas.

_E como se adquire fé?

_Ora, fé não se adquire com base em troca. Ela vem pelo ouvir da palavra, pelo arrependimento e pela aceitação. O que é obra do próprio Deus, através do seu Espirito Santo.

_Interessante. Conheço muito pouco a respeito. Disse ela, e continuou.

_Como você vê hoje a questão religiosa, para nós que não estamos mais na terra? Você crê que existe um Deus, que criou todas coisas, que governa e sabe de todas as coisas que estão acontecendo? Inclusive em relação a nós que estamos a milhares e milhares de quilômetros da terra?

Notei um certo tom de dúvida na sua pergunta. Pensei um pouco para responder e então, notei um pequeno inseto em uma folha do tomateiro. Olhei-o de perto e procurei em uma prateleira um frasco de vidro esterilizado. Com uma pinça de silicone retirei-o com cuidado para guardá-lo conservado em recipiente adequado. Quem sabe criogená-lo, ou cloná-lo, ou fazê-lo voltar à vida para procriação quando tivéssemos encontrado nosso novo mundo. Ela acompanhou todo processo de captura do inseto, talvez aguardando uma resposta minha.

_Não pense que estou evitando sua pergunta. Apenas preciso preservar esse inseto para futuros estudos.

_Não tinha notado. Incrível esse bichinho. Não é perigoso para o ser humano? Não é tóxico? Não morde?

_De maneira alguma. Ele apesar de causar dano à nossa planta, pode ser muito útil. Ele faz parte de um microecossistema importantíssimo para a preservação da vida. Ele é um dos responsáveis por fazer a polinização entre plantas. Aliás, esta lagarta é um estágio para o surgimento da borboleta através de um processo de metamorfose. É assim que eles se reproduzem e sobrevivem.

_Preciso conhecer melhor essa parte da nave, com todos estes vegetais e insetos. Notei que ela ficou muito interessada tanto nas plantas como nos insetos, que não conhecia a não ser por fotos.

Eu tinha uma coleção deles em meu laboratório, o que prometi levá-la para conhecer no momento em que ela quisesse.

_Na verdade existe uma centena de insetos em nosso banco de amostras. Estão conservados e acondicionados para a futura colonização de nosso novo mundo.

_Tenho muito a aprender com você comandante. Confesso que estou muito interessada nesta área do conhecimento. Espero poder aprender com você na prática.

_Terei imenso prazer em compartilhar meus conhecimentos de biologia, bem como do nosso banco de espécimes.

_Existem livros para estudar sobre tudo isto?

_Com certeza. Em nossa biblioteca virtual existem centenas de livros e manuais que podem ser acessados de qualquer ponto da nave, até mesmo pelos nossos comunicadores pessoais.

Notei seu olhar perscrutar dentro dos meus e não pude deixar de notar em mim uma pulsação estranha. Meu coração acelerou e senti algo que só havia sentido nos meus vinte anos de idade. Agora, apesar de ter 53 anos, revivi todo aquele sentimento. Desde que embarquei nesta missão não mais convivi com uma mulher. Assim que o programa das coloniais foi colocado em ação, me apresentei para participar. Tão logo a nossa nave ficou pronta partimos sem expectativa de voltar. Também havia sofrido uma decepção amorosa nos primeiros anos do meu casamento, ainda na nave-mãe. Alias, as prioridades dos cosmonautas eram outras, e se relacionar com o sexo oposto era algo quase improvável no meu caso. Por falta de oportunidade, ou de mulheres disponíveis. Nesta nave, por exemplo, haviam casais casados e em outras naves, até famílias inteiras. Como no caso de Mayrilen, que nasceu depois da união de seus pais, já no interior da nave Colonial II. Aquela era para mim uma sensação nova e certamente nem eu nem ela tínhamos experiência. Fiquei pensando como seria apaixonar por uma pessoa. Ter a oportunidade de ter uma companheira com quem dividir assuntos, sentimentos e até intimidades.

_O que está acontecendo comigo.



Alguns dias depois estávamos cultivando a nossa horta e eu repassava para a nova tripulante, os meus conhecimentos de botânica. Ela muito interessada aprendia rápido, pois além das aulas práticas, ela lia todos os livros sobre plantas e animais, e as técnicas relacionadas ao cultivo, e criação que se encontravam na biblioteca. Assim, quando não estava em seu turno na observação dos equipamentos de vou, ela estava ou no pomar, ou lendo um livro de pesquisa. Ia a fundo em qualquer assunto e mostrava uma inteligência extraordinária. Sugeri a ela um período de hibernação, mas ela recusou, dizendo que era melhor que aprendesse tudo que fosse possível, e que também preferia ficar acordada, e atenta aos seus irmãos nas suas câmaras. Ela já estava conosco há cerca de três meses promovendo bons momentos e uma relação muito amigável.

Num dia de trabalho eu estava muito ansioso com a situação, então me dirigi a ela na esperança de ser correspondido em meus sentimentos. Estava extremamente interessado nela e no seu amor, mas tinha dificuldades abordar o assunto.

_Posso lhe fazer uma pergunta um tanto pessoal? Me dirigi a ela. Se não quiser responder, fique à vontade. Eu parecia um adolescente quando encontra a primeira garota.

_Você tem, ou teve um companheiro, já se apaixonou por algum homem?

Ela ficou ligeiramente inquieta com minha pergunta, mas depois de alguns segundos ela respondeu de forma direta e sem rodeios.

_Não. Claro que não.

_Na sua nave não havia homens solteiros por quem você pudesse se interessar? Insisti.

_Bem precisamos nos conhecer melhor. Preciso contar mais a respeito de nossa nave e nosso acidente.

_Me desculpe se a minha pergunta a incomodou. Se ela lhe causa qualquer tipo de constrangimento. Ela, parecia ler meus pensamentos, ou já tinha de certa forma, tinha conhecimento de meus sentimentos. Mesmo porque, creio, eu não conseguia esconder, e mostrava em atitudes.

_Não é esse o problema.

_Qual seria então? Nesse ponto, tanto eu como ela estávamos nos falando com perguntas e respostas curtas. Talvez pela nossa falta de experiência em assuntos do coração.

_Na nave Colonial II, éramos quase todos da mesma família, mais um androide. Pelo menos os últimos sobreviventes. Quer dizer, até o momento do acidente. Meus pais tiveram vários filhos e filhas. As pessoas que embarcaram com eles, viveram poucos anos depois do embarque. Uns morreram de tédio, outros se tornaram depressivos e se suicidaram. O androide sofreu um forte pulso eletromagnético produzido por uma descarga acidental de um dos capacitores, quando tentava efetuar um reparo no reator de bordo. Foi deletado quase que totalmente. Por fim o desligamos para evitar maiores problemas.

_Me desculpe insistir no assunto. Não houve casamentos entre os membros da família?

_Me desculpe o senhor, comandante. É claro que não. Eram todos religiosos e afirmavam ser isto, contra a doutrina que seguiam. Além do mais havia o problema da incompatibilidade sanguínea. Tenho certeza de que entendes. Os que não são meus irmãos são sobrinhos, e ainda crianças.

_Quer dizer que os ocupantes das cápsulas criogênicas não são realmente todos eles seus irmãos?

_Na verdade dois são meus irmãos mais são sobrinhos. Meus pais e tios morreram em consequência do acidente. Houve vazamento de radiação e eles foram contaminados com altos níveis. Com isto, eles se trancaram no interior da câmara do reator e sabendo que não havia como contornar a situação, eles deram a vida por nós, seus filhos.

_Sei que você passou, e enfrenta um terrível trauma. Estou consciente de que estou sendo inoportuno. Afinal, estamos próximos a muito pouco tempo. Peço perdão pela minha falta de sensibilidade.

_É melhor esquecermos esse assunto. Pelo menos por enquanto.

_Sim. Sim. Você tem razão. Vou me recolher e descansar um pouco. Hoje é dia de esporte e quero estar preparado para enfrentar você e o androide. Aliás, ele tem sido meu único parceiro. Fiquei refletindo, pois que ela disse, por enquanto. _Isto que dizer que podemos voltar ao assunto. Tenho esperança.

_Sinto muito pela sua solidão comandante. Sei também o que é solidão. Ainda mais quando nos sentimos à deriva neste universo de distâncias infinitas e ínfimas esperanças.

_Já me acostumei. Gostaria de se juntar ao time para praticar um pouco de exercícios físicos?

_Seria ótimo. Gosto muito de praticar qualquer tipo de exercício.

_Então, dentro de duas horas, estaremos na quadra de esportes.

Nossa quadra de esporte se limitava a uma sala com cerca de duzentos metros quadrados, onde praticávamos jogos interativos. O espaço não permitia jogos de grandes movimentações. Caminhadas e corridas, eram feitas nas esteiras, bicicletas ergométricas e outros aparelhos de academia. Às vezes batíamos peteca, pulávamos cordas, corríamos em volta da sala. Uma piscina modesta, nos permitia nadar poucos metros.

_Me perdoe por ter sido grosseira com você, meu comandante. Estou ainda, sob forte stress. Gostaria de visitar meus irmãos mais vezes para tentar matar a saudade de meus pais.

_Está tudo bem. Eu sei que agi como um estúpido. Quando quiser visitaremos seus irmãos.

_Você me perdoa mesmo? Mas, juro, não o considero um estúpido. De maneira alguma.

_Claro. Disse sorrindo como um adolescente.

_Então, quer me dar um abraço? Vamos celebrar as pazes.

Dei e recebi o melhor dos abraços de que tinha lembranças. Coloquei nele todos os meus sentimentos e percebi que ela correspondia na mesma intensidade. Na verdade, eu queria mais do que um abraço cordial, mas tinha que aguardar o momento certo. _Sei que o momento chegará. Temos muito tempo. _Fiquei pensando. Continuei sentindo o calor de seu corpo e sonhando com o dia em que pudesse ampliar o prazer desse abraço.

Me senti feliz e quase realizado, mesmo sabendo um novo dia e um novo encontro viriam.



Depois de pouco mais de uma hora de exercícios e jogos, ainda cansados e molhados de suor, em meio a gargalhadas e troca de elogios, ela disse.

_Estou muito agradecida. A presteza em nos recolher é de inestimável valor. Quando for necessário o despertamento de meus irmãos, eles saberão por mim, tudo que aconteceu.

_O que eu fiz, qualquer pessoa faria. Não foi nada demais. Posso até afirmar que era minha obrigação abrir as portas da nossa nave para vocês. Agora isto se tornou um imenso prazer.

_Mesmo assim agradeço em meu nome e dos meus irmãos. Estou certa de que quebramos a sua rotina. Invadimos a sua privacidade. Até mesmo a nave, com certeza, foi infestada por corpos estranhos.

_Pode ter certeza de que a companhia de vocês é para mim de grande valor. Estou realmente feliz com a presença de todos vocês. Esta nave a partir do momento em que recebemos vocês, está mais alegre. Com certeza ela também os recebeu como parte integrante.

A partir dos nossos encontros, quase que rotineiros, fui conhecendo melhor aquela mulher, tão corajosa, apesar de tão jovem, já suportando o peso de tão grande responsabilidade. Soube então que era uma jovem de pouca idade, mas que já possuía conhecimento tecnológico no que diz respeito a parte física da nave, suficiente para desempenhar as tarefas de uma comandante. Como filha de pais acostumados a viver no espaço, ela nestas condições nasceu sem conhecer a nossa querida terra, com toda a sua beleza, porém cheia de pessoas egoístas e governadores déspotas e radicais. Cheia de auxiliares agarrados ao poder e prontos a fazer qualquer coisa para se conservarem nele. Agora com dezoito anos, ela só conhecia o espaço celeste, o vazio, com suas milhares de possibilidades e desafios, e o interior de uma nave praticamente autônoma, réplica automática e irmã de outras semelhantes. Produzida por uma nave-mãe que fora construída com tecnologia capaz de se reproduzir crescer, sustentar-se, e sustentar todos os seus ocupantes.

_Incrível a nave-mãe, e bem assim as naves coloniais. Os cientistas da terra já dominavam tecnologias inimagináveis. Coisas que a própria população da terra desconhecia. Eu disse tentando iniciar uma conversa menos formal.

_Só conheço o suficiente para lidar com essas máquinas espaciais. Por isto tenho pouco a dizer a respeito de tecnologias. A verdade é que herdei dos meus pais e tripulantes, os poucos conhecimentos extras que possuo. Mas sei que preciso adquirir muitos conhecimentos mais.

_Realmente. A terra já dominava uma infinidade de conhecimentos nas áreas tecnológicas, como humanas. Tais conhecimentos do comportamento humano levou alguns homens ambiciosos a buscar cada vez mais, o poder. Tudo isto para dominar o seu semelhante e adquirir cada vez mais, riquezas e mais riquezas e com elas o poder a qualquer custo.

_Aprendi um pouco sobre filosofia e psicologia, e posso entender pelo menos em parte, os seus argumentos. Disse ela interessada no que eu dizia.

_Compreendo. Estudei sobre a vida na terra, o suficiente para ter esse entendimento. Desde a minha infância meus pais me iniciaram nas ciências sociais e história, além de outras disciplinas curriculares usadas na maioria dos países da terra. Além do mais, na nave-mãe há escolas de alfabetização a formações superiores e especializações diversas. Com a pouca idade que tinha quando iniciei meus estudo, e com a influência de meus pais, fui capaz de apaixonar por estes conhecimentos. Parece que sinto o cheiro da terra.

_Dois de meus irmãos, mais novos, e duas irmãs, nos reunimos com outras três crianças de idades semelhantes para aprendermos as ciências básicas. Depois íamos aprofundando cada vez mais naqueles conhecimentos essenciais à nossa sobrevivência. Um pouco de filosofia, um pouco de psicologia, gramática e história. Diziam que outras disciplinas seriam introduzidas no futuro através de arquivos digitais, quando fosse necessário. Por enquanto somente nos ocupamos com o que fosse útil à sobrevivência do nosso grupo, e se preciso, quando necessário, dos demais grupos. Foi o que ela explicou em seguida.

Nesse dia, ficamos horas conversando sobre essas questões, e quando percebemos, End estava se aproximando. Pediu licença e avisou que já havia passado algumas horas, do nosso repouso. Que no dia seguinte tínhamos uma tarefa longa para desenvolver. Fazer o plantio de algumas sementes, podas e transplantes de algumas mudas para que Mayrilen aprendesse como cultivar algumas frutíferas e hortaliças. Desde que conheceu minha horta e o pomar, ela se mostrou muito interessada, e desde que comeu das frutas e dos legumes, ela não se cansava de me elogiar por essa iniciativa. Havia lido a respeito da alimentação natural, e admirava-se de como eu consumia mais esses alimentos do que os processados.

Ainda demoramos um pouco mais, após recebermos as instruções do androide, pois ele cronometrava o tempo dentro da nave, e ditava os protocolos e tarefas para seguirmos, é claro, quando delas nos esquecíamos. Por isso, éramos bastante metódicos, pois ele estava sempre acordado e alerta para nos lembrar de tudo.

_Creio que devo descansar. Disse Mayrilen se mostrando sonolenta. Levantou-se, tomou um copo de água e não saiu de imediato, mas ficou me olhando meio sem jeito, parecendo querer dizer algo.

_Quer me dizer mais alguma coisa senhorita? Perguntei tentando incentivá-la.

_Bem preciso romper as barreiras que eu mesma me impus. Disse em voz baixa, mas consegui ouvir. Dentro da nossa área de lazer e descanso, o silêncio era formidável. Às vezes, até incomodava.

_Percebendo sua dúvida e vontade de falar aguardei sua iniciativa. Disse apenas um sim interrogativo, e aguardei.

Ela se aproximou de mim sem hesitar e me abraçou e me beijou na face direita. Eu também a abracei e a beijei educadamente.

_Está feito. Disse ela. Preciso agradecer a você com um pouco mais de entusiasmo. Você merece.

_Estou muitíssimo feliz com este gesto, não que espere mais agradecimentos, o que realmente não é necessário, mas pelo carinho seu. Afinal, estamos vivendo sob o mesmo teto, e não sabemos quanto durará este convívio.

_É verdade. Talvez dure a nossa vida toda. Disse ela com um largo sorriso. O que espero.

_Sim. Concordo. Você merece o meu carinho. Somos uma família agora. Acalentei-a com essas palavras. Realmente não queria ir além disso depois do que aconteceu a poucos dias. Repousei sentido o seu cheiro, seu calor e a doçura de suas palavras. Talvez até de suas intenções não reveladas. Talvez tenha sonhado com ela inteiramente entregue nos meus braços.

Na manhã seguinte procuramos nossa horta, depois de um desjejum preparado pelo androide, com produtos colhidos de nosso pomar. Frutas, ovos, carne, e até um bolo feito com farinha de arroz. And não comia, mas sabia muito bem preparar muitos pratos com muito capricho. No final do expediente de trabalho na horta, era hora de almoço e quando chegamos ao refeitório já estava tudo preparado. Como até então eu estava sozinho na nave, não me preocupava em produzir carne de animais maiores, muito embora tivesse uma vaca que produzia leite. Tinha ovos de galinha e frangos, além de outros animais criados em baias especiais. A nave era bem espaçosa e previa essas e outras possibilidades, inclusive local para cultivo e produção de silos para alguns poucos animais.

_A nossa nave não tinha esse espaço tão grande assim. Mayrilen disse entusiasmada com toda a minha criação.

_Algumas naves foram construídas com alguns adicionais, tendo em vista a formação profissional de seus ocupantes. Essa, quando decidi partir, me foi consultado se eu tinha interessa em cultivar e criar alguns animais, o que me deixou mais animado ainda.

_Posso fazer uma pergunta pessoal? Disse minha companheira.

_Claro que pode. Nem precisava perguntar. Você tem a liberdade de perguntar o que quiser e questionar sobre qualquer coisa.

_Bem, como você sabe, gosto de ser direta nos meus assuntos. Por acaso você tem uma esposa ou pretendente em uma câmara de sono? Ainda não conheci esse ambiente da nave, e também não tinha a curiosidade de saber.

_Não, não tenho. Posso lhe mostrar nos arquivos as fichas dos tripulantes. Creio até que já lhe falei a respeito.

_Desculpe mais uma vez. Acho que fui precipitada. Fui mesmo imbecil perguntando.

_Não. Não se preocupe. Disse que poderia perguntar ou questionar sobre qualquer coisa. Assim como pode conhecer sem avisar, qualquer ambiente e qualquer arquivo desta nave.

_Estou envergonhada. Me perdoe. Ela disse de cabeça baixa.

Me aproximei dela, retirei as luvas, e peguei suas mãos com delicadeza, depois soltei uma delas, e com a mão direita peguei em seu queixo, elevei o seu rosto para que olhasse para mim e beijei sua testa.

_Você é muito importante para mim. _Disse lentamente a ela. _Quero que saiba disso. Não mentiria para você em hipótese alguma. Disse com palavras bem baixas e depois a abracei com força e demoradamente. A convidei para o almoço que já estava servido.

Ao sairmos, coloquei o braço direito sobre o seu ombro, e ela passou ou seu pela minha cintura.

_O Almoça está uma delicia And. Qualquer dia destes, eu mesmo vou preparar um almoço especial para Mayrilen. Isto é se vocês tiverem um pouco mais de paciência, pois não sou tão eficiente quanto você na hora de cozinhar.

_Quero aprender como se preparam esses pratos deliciosos que tenho consumido desde que aqui cheguei. Disse Mayrilen mostrando-se feliz e sorridente.

_Quero ser seu mestre neste ofício. Foi And quem desta vez falou primeiro.

_Bem se precisar de mim, estou inteiramente a seu dispor.

_Temos suco de couve com limão. Espero que goste senhorita. Disse o androide, fazendo referência a ela.

_Está uma delícia And. Disse ela depois de experimentar.

_Ainda temos uma sobremesa. Sorvete de Açaí. Só que este é processado. Não temos a palmeira por aqui. Espero que não se importem.

_Conhece Açaí senhorita? And perguntou.

_Nunca ouvi falar este nome.

Mais rápido, antes que o androide falasse, eu expliquei. _Açaí é uma palmeira da região amazônica brasileira, que produz um fruto, com uma polpa escura, muito apreciada em muitos países para onde era exportada.

_Vou pesquisar a respeito.

Depois de uma hora de boa conversa, tomamos mais sorvete e saímos para continuar nosso cultivo, enquanto And se dirigiu para a sala de comando, ou seja, o lugar onde mais ficava. Antes, porém, ele pegou um espelho, pediu para colocar a língua para fora e mostrou a ela o resultado da degustação do açaí. Apesar de assustada, ela aceitou muito as explicações a esse respeito. End passou a observar os aparelhos, muito embora tivesse acesso por seus próprios meios, e poderia acompanhar o andamento da nave através dos sensores que acessava incessantemente.

Ele era discreto a acompanhava tudo sem interferir.



Mayrilen Conhece a Tripulação da Colonial IV


_Gostaria de conhecer agora, toda nossa tripulação senhorita? Há dias que venho convidando-a para isto. Perguntei a nossa nova companheira da tripulação, enquanto And terminava de preparar o nosso desjejum matinal. Os dias, manhãs e noites, eram apenas modos de dizer, pois nossos horários e turnos eram induzidos por meio de programação. Um imenso telão na abóbada da nave, e nos demais compartimentos inferiores da nave simulavam o céu, o sol e as estrelas vistas da terra. Por onde andávamos, tínhamos a impressão de que víamos o dia ou a noite. Outros reproduziam imagens sugestivas de entardecer, amanhecer e noturnos. Quando as luzes apagavam permanecia apenas uma penumbra sugestiva. Era a hora de parar os afazeres e se preparar para descansar e dormir. Enquanto o céu fervilhava de estrelas, lua com suas fases, às vezes nuvens de chuva, com trovoadas e relâmpagos, e outras manifestações da natureza terrestre, inclusive pássaros cantando. Tínhamos um galo, de verdade, que também cantava nas madrugadas, estimulado por um galo digital.

_Agora comandante? Ela acostumou de tal maneira me chamar dessa maneira que acabei me acostumando. Muito embora houvesse insistido para que se reportasse a mim de maneira menos formal.

_Após o desjejum. Que tal?

_Com certeza. Será um prazer. Assim podemos passar pelas nossas câmaras também para um visita.

_Estou faminto e também dá-se o caso de ser uma visita um tanto demorada. Afinal, são 68 câmaras ocupadas, no formato girassol dispostas em 8 módulos. Bem parecidas com as suas, por sinal.

_O café está passado como o comandante gosta. Disse And, agora insistindo também em chamar de comandante. Sei que a senhorita prefere suco, por isso também está pronto. Já vou servir enquanto os ovos ficam cozidos e o pão integral termina de assar.

_Pão integral? Questionou ela fixando em mim os olhos.

_Sim. Pão integral senhorita Mayrilen.

_Não conheço tal pão. Me desculpe. Quero ver e provar.

_Pão integral se refere a uma mistura de elementos naturais com uso de todas as partes do grão de trigo, depois de moído. Esses grãos possuem e conservam grandes quantidades de fibra, o que o torna mais rico em nutrientes, mais difíceis de serem digeridos, mantendo, portanto a saciedade por mais tempo. Acelerando também o nosso metabolismo os quais ajudam na geração de massa muscular e consequente perda de gordura.

_Muito interessante. Devo usá-lo então para ajudar a não ganhar peso com a idade?

_Com certeza. Porém, não é preciso tanta vaidade no interior de nossa nave. Não estamos à procura de corpos perfeitos. Saúde é mais importante.

_Apesar de tudo, gosto de ser vaidosa. Mesmo que seja para me apreciar e me sentir bem.

_Você está muito bem. Linda e com o corpo perfeito. Minha opinião. Porém, você deve ser, como se sente bem.

_Come-se o pão integral com leite, com café, ou com chá. Acrescentou And de forma cortês.

_Qual o melhor então? Perguntou ela, olhando às vezes para And, às vezes para mim, como em dúvida a quem deveria recorrer.

_Apontei para o androide, sugerindo que ele mesmo respondesse. Ao mesmo tempo ele apontou para mim. Caímos em gargalhadas. Então eu disse _Responda Amigo.

_Creio que o melhor é a senhorita testar o seu paladar e aprovar um deles, ou todos eles, cada um por sua vez.

_Mas isto não traduz em falta de etiqueta?

_Sentir-se à vontade e bem, é mais importante do que a etiqueta, em especial em nosso ambiente. Completou And e saiu em busca de xícaras de leite, do suco e do café para Mayrilen experimentar. Parece que a este ponto, todos queriam agradar a moça.

_Qual vai ser para você comandante? Perguntou And.

_O de sempre.

Para aumentar a confusão, ele trouxe café, leite e chá para o mim. Ele sabia que eu gostava do leite com café, e no final uma boa porção de chá adoçado. Neste ponto, notei que a moça aguardou para ver o que eu faria. Sem mais demora o próprio And misturou o leite com café e acrescentou o açúcar para mim.

_Assim não é justo para comigo. Vocês dois estão tentando me enganar. É o que parece.

_Queira nos desculpar senhorita. Das três bebidas, aceita-se qualquer mistura. Ficam muito bem. Pelo menos para o meu paladar. A senhorita deve experimentar separados, depois misturados, para sentir qual a melhor mistura, ou se separados. Respondi com um tom quase paternal.

Aos poucos fomos aprendendo a lidar com os hábitos dela e ela com os nossos, que por vezes eram meio extravagantes. Mesmo eu que sempre evitei os exageros. Nem relaxado demais, nem formal demais. Minha personalidade nunca se identificou com os extremos.

_Gostaria de tomar um pouco desse café antes de alguma coisa mais sólida. Ela disse por fim.

_Fique à vontade senhorita. Sem restrições.

_Obrigado And. Ela disse fixando nos seus olhos, como que indagando alguma coisa. Provou um gole, e voltou-se para o androide e elogiou. _Muito bom o seu café And. Muito bom mesmo. Depois olhou para mim demoradamente. Desde há alguns dias, sempre que ela me olhava, eu notava uma grande doçura e profundidade.

_O nosso leite por enquanto é processado, pois a vaca não o está produzindo nesses dias. Deve ter entrado no cio novamente.

_Ao que parece, tenho muito a aprender com vocês. Nossos costumes na nave Colonial II, eram bem diferentes. Mas eram normais. Posso garantir.

_Tenho certeza que sim. Mas não precisa deixar os seus hábitos por nossa causa. Tenho certeza, de que nós também temos muito a aprender com a senhorita.

_Bem, ainda não disse, mas esse adjetivo, se é assim que se fala, não está me agrando muito. Não sei se me acostumarei com o termo “senhorita” tão facilmente. Prefiro que me chamem de você. Apenas. Espero que não fiquem zangados comigo por isto.

_De maneira alguma Mayrilen. Respondemos quase que simultaneamente. Será como você preferir.

_A senhorita gostaria de mais um pouco de café? Perguntei, pois ela permaneceu em silêncio. Creio que aguardando que alguém oferecesse. Desta maneira, sabendo que ela era um tanto formal, adiantei ao And na gentileza.

_Gostaria, agora de misturar o café com leite. Por favor. Mas pode deixar que eu mesma me sirvo. Ela adiantou e se serviu meio a meio. Inclusive com uma boa quantidade de açúcar.

_Deixemos o suco de acerola misturado com ameixa para o final. Se não se importarem.

_Sei que você vai gostar.

_Com certeza, vou gostar. Você parece ter o dom de acertar com as coisas que gosto. Disse ao androide que estava sempre serviçal.

_Todos os androides, tanto da nave-mãe como das coloniais, são da mesma linhagem, e grande parte da nossa programação foi feita por sua avó, senhorita Mayrilen, que não se esqueceu de nos informar sobre os seus gostos. O que, com certeza, foram transmitidos pelo seu DNA aos filhos e netos. Também tenho a capacidade de analisar muito bem as probabilidades. Assim acerto na maioria das vezes. Não somos infalíveis, mas, com certeza, temos um alto índice de acerto. Disse em seguida com certa dose de supremacia.

_Minha mãe não me falou disto.

Não se gabe tanto And. Acrescentou ela em tom de brincadeira. Afinal temos que descontrair para não focarmos em demasia nas formalidades.

_Um pouco de descontração sempre nos ajuda a superar nossos traumas, não é mesmo, amigos. Acrescentou Mayrilen depois de alguns segundos degustando mais um gole da mistura, e ainda sorrindo e intercalando os olhares entre eu e o androide.

_Com certeza. Com certeza. Respondemos quase que, ao mesmo tempo novamente. Eu e o androide.

Caímos na gargalhada. Os três. Afinal And também tinha a capacidade de imitar diversas nuances de risos e outras emoções.

A assadeira de quitandas apitou avisando que as torradas estavam no ponto e o androide foi buscá-las, servindo em seguida em uma bandeja forrada com um guardanapo de papel. Um pacote deles já estava sobre a mesa impecavelmente organizada.

Houve um momento de silêncio no refeitório. Podíamos ouvir os craques das torradas sendo esmagadas pelos nossos molares, mesmo tentando não fazer nenhum ruído, ao nos alimentarmos.

_Que silêncio! Quando falei ainda tinha na boca um pedaço de torrada que foi arremessado quase acertando o rosto de Mayrilen. Fique vermelho, depois roxo, e creio, de outras cores também, tamanha era a vergonha que eu sentia. Mas ela quebrou o silêncio com uma gargalhada tão espontânea, tal com nunca havia visto antes. E arremessou outro fragmento de torrada contra mim.

_Me perdoem, vocês. Eu disse.

O androide sorriu como nunca, assim como Mayrilen e eu. Para entrar no clímax da descontração procurei um meio de esconder por trás da mesa. Era em vão, pois não tinha como. Tive que me levantar e gargalhar com eles, a ponto de verterem lágrimas nos nossos olhos. Alias, dos olhos de quem tinha lágrimas. Esse foi um dia de gozação. Ela colocou outra torrada na boca e assoprou na minha direção, depois na direção do androide, e eu para continuar a brincadeira fiz o mesmo. Rimos bastante, nos abraçamos e depois ela retomou a conversa.

_Eu o ajudo na limpeza And.

_Nada disso, estou feliz, se é que posso dizer isto, com a alegria de vocês dois. Vou acionar os aspiradores. Eles estão sem uso a tanto tempo que duvido que ainda funcione.

_É verdade. Esse ambiente nos parece tão limpo que dificilmente precisa de alguma limpeza.

_Não se preocupem. Eu cuido disso, caso o aspirador não funcione.

_Obrigado And. Ela disse.

_Obrigado And. Disse eu.

Foi a vez de falarmos ao mesmo tempo. Foi outro motivo para gargalhadas e abraços de contentamento. No caminho do laboratório da criogenia, relembrei a ela o quanto estava contente ao vê-la feliz e alegre a despeito de tanta tragédia na sua vida, sendo ela ainda tão jovem.

_Engraçado. Sinto-me tão leve depois desta descontração. Meu coração arde toda vez que me lembro dos meus pais e de tudo que passamos, mas estou feliz por estar aqui, com você, o And e meus irmãos, ainda que dormindo. Vocês tem se mostrado tão amigos que a tragédia fica a cada dia mais fácil de ser suportada.

_Espero realmente contribuir para que você se sinta bem e se recupere o quanto antes de qualquer acometimento de dor e agonia.

_Só temo por um detalhe. Disse ela olhando para um monitor que apontava para uma estrela conhecida apenas por eles. O sol ainda podia ser visto como um pequeno ponto avermelhado no infinito. Para manter a lembrança viva, este monitor sempre trazia sua imagem em tempo real. _Que eu não consiga dar aos meus irmãos o que meus pais me deram.

_Pode se abrir comigo. Quero ser seu amigo se assim o preferir. E de qualquer maneira ajudarei com seus irmãos de bom grado.

_É que cresci nos ensinamentos de minha família, e fazendo tudo que estivesse ao meu alcance para dar o mínimo de trabalho para as pessoas. Meus pais ensinaram isto para mim e meus irmãos. Aliás, isto era um lema na nossa nave, até que tudo desmoronou.

_Olha, tenha certeza de que não está causando nenhum trabalho extra. Pelo contrário, você tem me ajudado, não só nas tarefas comuns, mas sua companhia é para mim o que faltava para me tronar um homem feliz. Você não é capaz de dimensionar o bem que está me fazendo com sua companhia.

_Saber disso, me alivia muito. Saiba que sua companhia também quebra a minha solidão. Ela disse recostando sua cabeça no meu ombro.

_Vivendo nesta nave, apenas com um androide, a solidão era imensa, e conviver com ela todos os dias, ano após ano, muitas vezes me fez perder o sono por noites inteiras. Me perguntando. Até quando?

_Seremos um pelo outro, até que os demais despertem do sono para nos substituir.

_Quero confessar uma coisa. Disse apontando para o painel quando ele mostrava o sol e o vazio do espaço celeste em volta dele. Gosto muito do espaço, do universo repleto de estrelas, mas quando penso na imensidão de tudo isto, saber que ele é infindo, e principalmente que provavelmente eu nunca chegue a pisar em um planeta novamente, me causa muitas vezes, um tremendo desespero.

_Posso entenderdisse ela colocando reticências. _Apesar de ter nascido no espaço, eu também sinto falta de terra firme. Sonho com um planeta com árvores, rios, cachoeiras, prédios, carros correndo de um lado para outro. Até mesmo de uma loja para comprar coisas novas.

_Tudo isso para nós é apenas sonho. Creio, mas viver num planeta como a terra, dominado por déspotas e ditadores sanguinários, me desculpe a expressão, dominada pelos emissários de satã, é coisa que não quero para mim nem para ninguém.

Estávamos chegando ao laboratório, e ela ao perceber, afirmou categoricamente.

_Quero ouvir mais sobre esta questão, afinal, muitas vezes fico pensando. Porque meus pais deixaram o planeta para embarcar nesta aventura, sabendo que não chegariam ao destino?

_Aprendi muito cedo, que para colher um bom fruto, temos que plantar uma boa semente, esperar que germine, adubar, regar, cuidar dela, para no futuro, colher e saborear o referido fruto. Sem trabalho não há ganho. Aprendi um provérbio que diz. Sem trabalho não há riqueza, sem luta não há vitória, assim como não há herói sem sacrifício. Essas ideias me animam e me fazem lutar, mesmo que seja para nossos descendentes desfrutarem.

_Interessante. Acho também, que é por isto que vivo.

Paramos na porta do laboratório que se encontrava sempre fechada.

_And, pode abrir o oxigênio e liberar a porta do laboratório por favor?

Ouvi um chiado e o clique da fechadura. A porta se abriu.

_Tão rápido assim?

Afirmei que o androide já estava acompanhando nossos passos e sabia que havíamos chegado. Deve ter tomado algumas providências antecipadamente.

_Quantas câmaras você disse que existem na sua nave? Perguntou-me Mayrilen olhando dentro dos meus olhos. Confesso que fiquei até um pouco interrogativo com a força desse olhar. Não consegui entender a intenção, nem a emoção que ela quis transmitir naquele momento. Notei apenas que foi um gesto espontâneo e ao que parece desprovido de dúvida em relação que havia dito antes.

_São 69 câmaras, senhorita. Incluindo a minha. Estamos entrando e poderá ver cada uma, bem como as pessoas que estão dentro delas.

_Ó Santo Deus. Me desculpe. Não quis de maneira alguma duvidar de você. Se é que assim você entendeu. Agora me lembro de que já havias me dito que eram 69.

_Tenho certeza de que não duvidou do que eu disse. Sei que esqueceu.

_Estou envergonhada. Ela olhava para mim esperando ver minhas expressões, ao mesmo tempo mostrando as suas. Ela ficou com o rosto corado, como se tivesse usado maquiagem.

_Não se envergonhe. Quero lhe mostrar não para provar o que disse, mas para que conheças toda tripulação. Afinal, agora que faz parte dela é justo que conheças a todos.

Ela parou no limiar da porta, com as mãos cobrindo o rosto. Tinha a cabeça baixa e notei que balançava a cabeça lentamente num vai e vem horizontal. Expressão de reprovação. Parei também e procurei convencê-la de que não precisava se envergonhar nem se reprovar por isto. Afinal precisamos ser parceiros em qualquer situação. Coloquei a mão direita no seu ombro esquerdo num gesto de carinho e conforto. Notei que ela passou a mão nos olhos e entendi que enxugava lágrimas.

_Vamos em frente senhorita?

_Sim. Vamos. É que de repente me vi dentro de nossa nave onde havia praticamente o mesmo número de câmaras e tive a impressão de que poderia encontrar meus paias dentro de duas delas. O ambiente é bem parecido.

_Sinto muito. Sei que essas visões são de certa forma comuns.

_Sou um tanto realista e racional, mas as vezes perco o equilíbrio.

_Quer desistir desta visita por enquanto? Perguntei.

_Não. Não vou desistir agora. Só me dê alguns minutos para me recompor. Disse e virou-se para outro lado para limpar os olhos lacrimosos. Seus cabelos lisos e aparados à altura dos ombros, tentava cobrir seu rosto, mas não o suficiente para esconder sua verdadeira expressão. Vi, mas procurei respeitar seus sentimentos. Calei por um tempo como ela pediu. Na minha opinião, respeitar os sentimentos das pessoas era um ensinamento que trazia desde a infância. Não quebraria agora por nada neste mundo.

A porta continuava aberta, apesar do risco de alterar a temperatura e a mistura ideal do ar respirável. Eu sabia que And estava atento, acompanhando tudo pelo circuito de vídeo. Eu mesmo costumava deixar a linha aberta para qualquer emergência. Afinal era uma visita não formal, nem secreta.

Quando ela deu-se por conta da situação, adentrou rápido ao laboratório e a porta travou em seguida.

_Vamos iniciar nossa visita comandante?

_Vamos sim. Você se encontra restabelecida senhorita?

_Sim estou bem agora. Espero não causar mais nenhum mal entendido.

_Ora querida, não se culpe por nada. Chamei-a de querida sem perceber. O fiz como um gesto de carinho. Porém, a verdade é que ela estava se tornando uma pessoa cada vez mais querida por mim. Não apenas por ser uma mulher, e estarmos apenas nós dois de humanos vivos e acordados, num universo de bilhões de quilômetros nos separando de outros como nós. Seria natural que eu me afeiçoasse por ela. Por outro lado, como ela era uma mulher simpática, atraente e elegante, e que tínhamos coisas em comum, era natural esse sentimento.

_Espero que o tempo em que a porta ficou aberta não tenha interferido acima do aceitável no laboratório.

_Não me preocupei, pois sei que você também é ciente deste procedimento. Olhei para o monitor e ele apontava níveis normais no interior do laboratório.

_Veja o monitor. Está tudo normal.

_Ainda bem. Assim me sinto mais confortável agora. Ela disse já com um semblante mais alegre.

Caminhou na minha direção com determinação e olhou-me com firmeza, por alguns segundos, depois abaixou a cabaça pensativa.

_Creio que podemos providenciar a transferência dos seus módulos para este laboratório, assim ficará mais fácil monitorar todos eles. Informei a ela.

_Seria ótimo. Se houver espaço suficiente. Ela respondeu verificando o espaço livre na sala do laboratório.

_Mesmo porque, este lugar é reservado para esse propósito, e não é bom mantê-los fora sabe-se lá por quanto tempo!

Indiquei uma área reservada e a convidei a uma ligeira verificação através do desenho da sala. Passei o aplicativo para 3d e fizemos as verificações com mais comodidade.

_É mais do que suficiente. Disse ela averiguando os dados. O difícil vai ser transportar todos eles para este lugar. Foi muito difícil para mim removê-los para o módulo de salvamento.

_Bem, se você sozinha conseguiu, agora somos três. Vamos conseguir. Além do mais temos um veículo empilhador adaptado para o interior da nave.

_Vamos marcar um dia, ou outros mais, para prepararmos o lugar. Afinal, temos que providenciar cabos e ductos, ampliar os mostradores dos sensores, reformular o programa de monitoramento e transmissão de dados. Integrar tudo ao sistema da nossa nave. Fiz os planos improvisados conversando com a nova integrante da tripulação a qual ia confirmando, e sugerindo outros detalhes.

_Não podemos esquecer que deverá ocorrer um corte de energia ao desligarmos e religarmos o novo conjunto. Afinal funcionará com mais sete câmaras. Serão 76 câmaras ao todo. Como as naves sempre estão equipadas para ampliações, tudo dará certo.

_É verdade. Disse ela.

_Os circuitos e sensores serão suficientes para todas elas? Perguntou em seguida, enquanto caminhava em volta do espaço livre.

_Estas naves são muito bem projetadas, com possibilidades incríveis de adaptação e expansão. Ela apesar de tão jovem, já conhecia muito bem essas maravilhas tecnológicas.

_Tenho um bom conhecimento nesse processo de transferência. Fiz isto na teoria e na prática. Disse ela.

_Muito bem senhorita. Confesso que estou muito animado, e devo isso a você. Trouxe-me novas esperanças. Sou-lhe grato por isso.

Desta vez foi eu que olhei fixamente nos seus olhos. Apesar de ser um olhar um tanto comprometedor, ela não se assustou, mas correspondeu, creio, com a mesma intensidade. Senti meu coração palpitar forte e novamente aquela forte emoção surgiu no meu peito. _Não vou conter essa emoção, nem vou me envergonhar dela. Sem mais perda de tempo fui franco com ela.

_Tenho que confessar a você o que está ocorrendo comigo. Sinto que não posso deixar para depois.

_Bem. Eu também sinto algo diferente quando olho para você. Sinto-me bem quando estou com você. Mais ainda, quando você me toca sinto algo estranho. Não me conhecia o suficiente.

_Então sendo assim posso ter esperanças de que você permitirá que o amor nasça e se desenvolva entre nós?

_Estou certa disso. Somente peço que tenhas um pouco de paciência comigo. Tenho que me restabelecer pelo menos em parte dos traumas por que passei. Ainda sofro as consequências de tudo aquilo.

_Claro. Você tem razão. Tem o tempo que precisar. Só espero que eu consiga te ajudar a minimizar seu sofrimento. E que esse tempo passe logo.

_Você já tem me ajudado. Claro que tem. Acordou com um aceno de cabeça, enxugou as lágrimas, ficou pensativa e me olhou com carinho.

Abracei-a com força, demoradamente e ela correspondeu a tudo. A minha vontade agora era de beijar-lhe eroticamente, freneticamente, mas garanti a ela que só o faria no momento em que ela se sentisse pronta. Enquanto isso meu sangue fervia todas as vezes que nos encontrávamos para nossas tarefas rotineiras. Eu dizia sempre a ela que a minha vontade era sentir o seu sangue correr nas minhas veias e que o meu sangue também penetrasse o seu corpo até sentirmos uma só pessoa. Por enquanto eu me limitava apenas a um contato físico superficial, e a sonhar com seu corpo feminino recostado ao meu, e seu calor macio me envolvendo a noite toda.



_Quero lhe apresentar informalmente a Dra. Ana Borges, na primeira câmara perto da porta de acesso. Ela é a médica e esposa do Sr. Johnes, que é o sargento do grupo de apoio militar. Ele está um pouco à frente.

_Existe um critério de prioridade na localização de cada tripulante em sua câmara? Perguntou abaixando-se para examinar melhor. A mulher estava dormindo, praticamente sem respirar, alheia a tudo que estava acontecendo. Tinha um semblante alegre e saudável, apesar da cobertura com o seu exoesqueleto, como eram criogenados.

_Na verdade, não há entre nós hierarquia alguma. Muito menos na colocação de cada pessoa em sua respectiva câmara. Apenas cada uma programada para o seu ocupante, de acordo com o seu biótipo.

_Para o caso de emergência médica. Não seria oportuno?

_Creio que não. Mesmo porque para o despertamento, você sabe, isto pode ser feito a partir da sala de controle. É claro, diretamente do próprio painel individual, também.

_Desculpe a minha ignorância em relação à necessidade de despertar algum membro da tripulação. Vi meus pais fazerem isto, porém sempre foi em momento de pressa absoluta por causa do acidente ocorrido. Eu dormia até quase os últimos meses do fim da nossa nave. Fui despertada, por um membro da tripulação, pois restou a minha pessoa com mais idade e capacidade para fazer o salvamento dos demais da tripulação. Na verdade, eu havia entrado na câmara por apenas cinco anos. Sendo que a mim, caberia gerenciar o que sobrasse da nave. Não tive tempo de aprender muitas e importantes etapas do nosso projeto. Fiquei apenas quatro anos em hibernação, desde que concluí meus aprendizados sobre a nave.

_Entendo. E cada vez mais você me surpreende.

_Para me despertaram, alguns meses antes, foi feita uma reunião entre eles, para uma decisão tão importante, segundo me contaram dois dos tripulantes sobreviventes até o momento. Eu não tive contato com mais ninguém, apesar dos trajes, para não ser contaminada pela radiação. Eles me ensinaram tudo por videoconferência. Tudo que eles me ajudaram a levar para o módulo, foi praticamente de forma indireta. Ou seja, através dos robôs ainda operantes.

_Com certeza tomaram a atitude correta. Disse a ela.

_Na verdade não tinham alternativa.

_Operação vital com certeza. Cada detalhe que ela me contava eu apenas ouvia e procurava dar-lhe mais ânimo.

_As vezes penso em como consegui esta façanha com tão pouca experiência.

_Ao que parece, quando você foi despertada, seus pais já haviam deixado esta vida.

_É verdade. Eles faleceram pouco antes, de acordo com o que fui informada. Para diminuir os riscos de contaminação indireta, eles foram cremados de imediato e suas cinzas depositadas em uma câmara de chumbo, junto a as outras vítimas.

_Você não quis, ou não conseguiu trazer as cinzas deles com você?

_Eu as trouxe, por recomendação dos tripulantes e dos manuais de sobrevivência da nave. Eles mesmos me mostraram que é uma das recomendações da nave-mãe, preservar as cinzas dos mortos, em honra, para quando chegarem ao destino dar-lhes lugar de descanso com os sobreviventes no novo planeta.

_Isto é verdade. Já li sobre isto. Para o caso de haver condições. Onde estão agora?

_Ainda estão no módulo de salvamento. Confesso que não consegui ainda olhar para elas. No momento certo gostaria de fazer uma pequena despedida. Enquanto estava providenciando a transferência para esta nave, confesso que não tive tempo e nem disposição para tal. Depois que chegamos, ainda não tive nervos.

_Se estão dentro da nossa nave, estão seguras. Não precisa pressa para fazer o que o seu coração deseja. Quando quiser estarei com você para o ofício.

_Podemos prosseguir? Quero conhecer a todos.

_Claro. Estes são Oswald, Manuca, Justine, integrantes da equipe de apoio militar. Estão na sequência, também, creio, sem motivo aparente. O próximo é o Dr. Saulo Fidenco, engenheiro e marido de Justine. Os próximos são, um físico nuclear, um astronauta, e os demais veremos a seguir. A maioria deles foram enviados para, creio desafogar um pouco a nave-mãe. Com certeza serão de grade valia no momento oportuno. São pessoas saudáveis, e dotados de grade saber em várias áreas do conhecimento humano. Uma delas está vazia, é claro é a minha.

_Não pensa em voltar para sua câmara para descansar por uns anos?

_Na verdade fui voluntário para permanecer acordado. Uma vez que os testes psicológicos revelaram minha capacidade de permanecer sozinho e saudável praticamente por tempo indeterminado.

_Eu não suportaria muito tempo. Disse ela. Tenho aversão à solidão. Convivo com ela, assim como aconteceu, creio, por conta do intenso ritmo de trabalho a que estive submetida.

_Bem. Agora que você está aqui, confesso que somente iria para o descanso por estrita, e grande necessidade. Disse a ela com todas as letras, pausadamente para que minhas palavras tivessem a maior ênfase possível.

_Você pode se cansar da minha companhia. Tenho temperamento explosivo.

_Veremos isto. Por enquanto quero viver e aproveitar ao máximo sua companhia, mesmo que em explosão.

_Ao máximo? Não está se esquecendo de alguma coisa?

_Não. Não estou esquecendo que prometi esperar por você, mesmo estando ao meu lado. Vou cumprir minha promessa, custe o que custar. Muito embora, minha vontade seja outra. Enquanto isto não for possível, vou me contentar com o modo que estamos vivendo. Está de acordo?

_De acordo. Quero fazer o possível para que não se canse de minha companhia nem da minha pessoa. Nem mesmo da espera por minha decisão.

_Prometo que não me cansarei. Disse com muita alegria.

Risos.

Saímos da sala, depois de esta ser aberta pelo androide que a cerrou, assim que passamos pelo seu limiar. Andamos de mãos dadas como se faziam na terra em tempos remotos até chegarmos ao refeitório, onde sobre a mesa havia fatias de torta recheadas de esfarelado de frango natural. Por cima umas finas fatias verdes, café, chá e leite processado. Melaço de açúcar, sal, azeite e alguns condimentos.

_Tomei a liberdade de abater um dos frangos do seu galinheiro, comandante. Queira fazer uma bela surpresa para vocês.

_Fez muito bem And. Só espero que Mayrilen aprecie frango natural. Creio que ela nunca experimentou.

_E verdade. Nunca experimentei, mas sei que vou gostar. Afinal aprendi e acho mesmo que é verdade. Sabor se aprende ou se acostuma. Precisamos nos alimentar bem. O que são mesmo essas finas fatias verdes por cima da torta? Disse a moça com os olhos arregalados.

And sorriu e explicou. Isto é desfilado de limão congelado. Aproveita-se todo o limão desta maneira, o que é riquíssimo em vitamina C, poderoso antioxidante, e outros componentes supersaudáveis. Para os humanos, é claro.

_Assado ou ao molho? Frito? Perguntei antes que ele abrisse o cloche de aço inoxidável, o qual brilhava como nunca, de tão limpo. Era o segundo prato, o frango caipira, como se dizia em algumas regiões da terra em tempos remotos.

O Espaço celeste não tinha fim, mas eles nasceram lá, em qualquer ponto do infinito. Lá se encontraram. Acaso? A terra também fica no espaço sem fim, como sem fim é o amor do criador de todas as coisas, por sua criação.

_Senhor, agradecemos pela presença de Mayrilen e por esta refeição. Amém.




Pulso de Alta Energia


Há muitos anos, a terra vinha sofrendo com a superpopulação, e seu crescimento incontido, ia além das novas tendências políticas da época. Tudo caminhava de certa forma influenciado pelas novas ideologias que conseguiram implantar, uma espécie de governo mundial, de onde saíam todas as decisões importantes. Eram ideias totalitárias, globalistas e extremistas, onde os países federados seguiam fielmente as ordens do governos central. A maioria dos países da terra. A briga pelo poder acontecia em todos os níveis, com todas as possibilidades para uns, menoscabendo o direito dos demais, e sempre que havia derrota de uma facção, a pena de morte era executada contra ela, mesmo assim, havia sempre um grupo tentando aplicar um golpe para tomar o poder. Mesmo sabendo que os perdedores seriam sacrificados para exemplificar os demais ambiciosos. Havia, cada vez mais, poucas pessoas riquíssimos, e a maioria paupérrimas. Como sempre, estes, trabalhando para enriquecer cada vez mais os poderosos. Antes as três camadas sociais constituíam os ricos, a classe média e os pobres. Nos velhos tempos, talvez a dominante era a chamada de classe média. Hoje, existem os ricos empresários e comerciantes, os dirigentes do partido e consequentemente do governo. No extremo oposto, os pobres. Os miseráveis. Sem voz e nem vez. E sem o necessário. Esses, que sempre existiram, agora passaram a pobreza extrema, vivendo com uma mísera mesada, a qual o governo denominava o grande salário global. Este, era insuficiente para uma pessoa, mas era destinada a uma família toda. Tudo, em nome, segundo o partido, da igualdade social.

Essas famílias, não podiam ter mais que um filho. Também pudera, não tinham como sustentá-los. Assim, era a intenção do governo, reduzir drasticamente a população. Ninguém se arriscava a ter mais de um filho, pois a vigilância do governo era implacável. Se algum casal se arriscasse ou descuidasse e ultrapassasse essa cota, era punido com as mais severas táticas de tortura, e por fim a eliminação do rebento. Por fim o casal era enviado para o extermínio ou para os campos de trabalhos forçados. Sem direito a uma corte para julgar o caso, qualquer que fosse o motivo.

Os serviços de saúde, eram mantidos pelo estado, que também era denominado o pai dos pobres. Era precário, parecia que sua finalidade era deixar morrer cada cidadão que precisasse dele. Como a maioria precisava, esta era uma população sempre doente, e que morria nas filas de atendimento. A anemia prevalecia em praticamente todas as famílias. Com este sistema de saúde, funcionavam as clínicas abortivas que era praticado na maioria dos casos nas primeiras semanas da gestação indesejada. Com elas a esterilização, tanto de homens como de mulheres. Com isto a população da maioria dos países diminuía a cada ano.

As escolas, na maioria dos casos, não era para os filhos dos pobres. Era para os abastados, e alguns, de certa forma, privilegiados. Assim que a criança completava cinco anos de idade, era retirada dos pais e internada sob a proteção do estado. Assim eram instruídos de acordo com as ideologias do partido dominante. Recebia o mínimo de instrução curricular e o máximo de instrução ideológica. O dia todo, todas as horas, inclusive enquanto dormiam, ouviam as músicas que falavam maravilhas do governo e denegriam as religiões, em especial o cristianismo, que a esse ponto praticamente não existia.

As práticas religiosas eram proibidas, e quando alguns se reuniam era as escondidas e em locais incertos. Em algumas comarcas, ou países, era controlada, censurada, e seus dirigentes tinham autorização expressa do estado. Neste caso a sua prédica tinha que passar pela censura para ser levada ao rebanho. Qualquer deslise nas palavras, seja falada ou cantada, o líder religioso, e quem proferisse ou cantasse, era considerado traidor do estado e sofria as consequências impostas. Como todos eram cadastrados, uma das penas era o bloqueio do soldo mensal. Como os demais cidadãos, somente recebiam o seu salário depois que atualizavam esse cadastro mensalmente.

Poucas pessoas se arriscavam montando pequenos negócios os quais dificilmente prosperavam, pois eram intensamente fiscalizados pelos agentes do governo. Não tinham como prosperar, nesta economia que tinha como meta manter o povo pobre para exercer controle absoluto sobre ele.

Mesmo assim as pessoas mais abastadas andavam pelas calçadas, pelas ruas, pelos shoppings. Faziam compras, é claro, daquilo que o governo oferecia. Nada mais. Alguns tinham carros vendidos pelas lojas do governo, ou cadastradas por ele.

Assim caminhava a população da terra. Assim caminhavam os dirigentes, os empresários autorizados, e o restante da população. O partido dominante, formava o governo e não se sabe bem porque, nunca saiam do poder. Alguns arriscavam a afirmar para si mesmos, que havia uma força superior, oculta, que influenciava através dos ricos empresários, a manutenção do atual estado das coisas. Por mais que alguns lutassem contra a ideologia do partido, não conseguiam sequer assumir cargos de confiança, nem mesmo prosperar financeiramente nem politicamente. Para a maioria absoluta da população, que estava na linha da pobreza, somente passaria desta para a linha da miséria absoluta. A minoria dos que estavam de certa forma atrelados ao poder central, ou aos grandes empresários, vivia regaladamente, esbanjando o que queria, como queria, na hora que queriam. Para estes, suas atitudes, eram tão somente uma questão de direito, por favorecerem ao grande partido e ao regime ideológico. Os demais se contentavam com a minguada ajuda de custos.

Assim os anos foram passando, muitos avanços tecnológicos, muita diferença social e pouca apatia por parte da maioria absoluta dos seres humanos.



Um casal caminhava por uma rua larga e cheia de comércios de consumos variados, talvez analisando pelo lado de fora, os preços ou mesmo as tendências da moda daquele verão, que na verdade era a mesma de verões passados. Na porta de entrada, um leitor de expressões e de retina administrado pela inteligência artificial da maquete, analisava a identidade de cada pessoa que adentrava o local. Na saída o leitor de cartão, analisava a sua cor, o seu número e o código preferencial. Poucas pessoas possuíam este tipo de cartão. Esta era uma loja para clientes especiais, que tinham cartões preferenciais. No interior de cada loja, poucas pessoas olhavam os preços e a qualidade dos produtos e pouquíssimos levavam algum item. Não tinham vendedores, somente produtos nas prateleiras e vitrines, máquinas de preço e leitores de cartão. No interior, as câmaras aptas para fazerem o reconhecimento facial, registrava os produtos que eram retirados de cada gôndola, e cobravam o valor da compra no cartão de cada um. Nas sacolinhas para embalagens, os símbolos maiores, não eram do estabelecimento comercial, mas do partido e do governo da Nova Ordem Mundial. As pessoas pouco olhavam, uns para os outros, não pela pressa, mas pelo desinteresse e principalmente pelos cuidados que tinham em não falar ou fazer qualquer gesto que desagradasse ao sistema. Muitas vezes, apenas, um gesto podia comprometer a fidelidade dos filiados ao partido.

O casal dobrou uma esquina olhando para os atrativos, aos consumidores do século XXII. Outras pessoas caminhavam para um lado e para outro, sem muita agitação e sem muita troca de conversa. Quando falavam, a saudação era sempre em nome do líder do partido, e era muito rápido e desinteressado. Ou desconfiado. Assim não perceberam que se afastavam cada vez mais da praça onde haviam estacionado seu automóvel, já com cerca de cinco anos de uso, o que era mesmo quase um automóvel de verdade, pois já se guiava por meio de pré-programação ou de comandos pelo próprio aparelho celular. Este na verdade já era um equipamento indispensável, até mesmo por exigência do governo. As pistas das ruas eram limpas o que parecia mais uma sala de laboratório, porém o ar atmosférico não correspondia ao leito das ruas e as calçadas nas frentes dos estabelecimentos comerciais. Era uma área da cidade muito bem controlada, onde somente os nobres frequentavam. As fachadas dos prédios pareciam sumir de vista rumo ao céu e muitos deles, escondiam suas coberturas no meio das nuvens. Espelhados e aluminizados, refletiam com intenso calor, dos raios do sol, que muitas vezes se mostrava tímido no meio da poluição atmosférica. As nuvens do céu muitas vezes se misturavam com colunas de fumaça das chaminés das fábricas que insistiam em usar o sistema mais barato para transformar a matéria prima e manufaturar produtos cada vez mais sofisticados. Não sei se posso dizer que, felizmente os robôs não sentiam-se mal com a poluição, num mundo onde eles eram comuns. Pelo menos não tossiam, não transmitiam virose, a não ser quando o próprio homem lhe atribuía esta tarefa, e não precisavam usar máscaras. Quando os filtros dos seus circuitos ficavam muito impregnados, eles simplesmente eram substituídos por outros limpos e mais modernos. Sua carcaça era reciclada para produzir outro mais eficiente. Os operários humanos, pelo contrário, não eram, ainda reciclados, e adoeciam constantemente e iam para a sepultura ou crematório. A maioria dos seus membros, ainda não podiam ser trocados, e quando possível, era muito caro e, isto era para poucos nesse mundo voltado mais para as máquinas do que para os humanos. Por isso estavam sendo substituídos pouco a pouco pelos robôs. Creio que um filósofo da época, diria que, os humanos eram mantidos apenas para comprar os produtos manufaturados pelas máquinas, nas imensas fábricas do governo. Por isso, ainda não tinham sido eliminados da face da terra. Era trágico mas era a pura verdade. O mundo tinha se virado pelo avesso, e não havia nenhuma perspectiva de voltar-se para o ser humano. Este estava se tornando barro cheio de poluição. A ênfase no século 22 era, sem dúvida, a máquina e quem as fazia ou permitiam que se fizessem. Mecânica, eletrônica e biológica, fundidas em um só organismo. Para quem tinha acesso, pois dinheiro não mais existia, apenas créditos. Cartões para irem, para comprarem, para venderem, para entrarem e para saírem. Os homens da cúpula e administradores de bens duráveis, já podiam viver quase duzentos anos, usando os recursos tecnológicos disponíveis para eles. Os demais, tinham uma expectativa de vida compatível com os seus recursos. Como a maioria não possuía recurso algum, morriam no máximo aos sessenta anos. Ter acesso a uma máquina de biovida era coisa rara, muito embora inteiramente possível do ponto de vista tecnológico. Esses médicos máquinas, sugavam dos pacientes algumas gotas de sangue, e com elas podiam diagnosticar com antecedência a maioria das enfermidades do século. Medicavam a partir da pesquisa laboratorial que elas mesmas realizavam em poucos minutos. Assim fabricavam medicamentos específicos e exatos, retiravam e reimplantavam órgãos retirados dos doadores anônimos, é claro, depois de muito bem examinados. Órgãos fabricados a partir de células-tronco, que muitas vezes já se encontravam prontos para o momento da necessidade. A partir do diagnóstico, eram preparados e conservados para o momento da necessidade.

_Precisamos voltar para o nosso automóvel querida, pois o tempo não está muito bom.

_Nosso passeio está tão agradável que dá pena interrompê-lo agora. Disse a jovem mulher ainda envolvida com as vitrines externas das lojas.

_Sim, mas temos que ir, e depressa, ou corremos o risco de pegarmos uma chuva daquelas… Insistia o marido mais preocupado com a formação que se aproximava rápido.

_Eu não quero me molhar de jeito nenhum. Então vamos logo querido.

Uma nuvem muito espessa e escura, cobria boa parte da cidade, sede do governo mundial, e os topos da maioria dos arranha céus, já não podiam ser vistos. Era muito escura por baixo e uma grande faixa branca já se formava entre ela e a terra. O homem já podia ver as vidraças dos prédios que estavam mais longe, sendo lavadas pelas rajadas da água que desciam do céu.

_Essa nuvem não parece igual as demais que estamos acostumados a ver. Estou temerosa querido. Será outra chuva ácida?

_Vamos correr, pois o nosso veículo está um pouco longe.

Quando chegamos ao veículo estacionado, nossas roupas estavam encharcadas, mesmo tendo apressando o nosso passo. De dentro do veículo pudemos ver as rajadas de água caindo do céu, formando curvas parabólicas, impulsionadas pelas fortes correntes eólicas. Um tornado começou a aparecer no lado leste da cidade, e o céu foi escurecendo cada vez mais, e com a força dos ventos, os objetos começaram a se mover em direções opostas. Alguns deles elevando-se da terra. O céu foi escurecendo até ficar quase como a noite. As luzes da iluminação pública começaram, a piscar e em pouco segundos estavam todas acesas evidenciando ainda mais, as fortes rajadas de água. As gotículas refletiam a luz no para-brisas do automóvel. O tornado alterou alguns graus a sua rota e passou de lado, mas, de repente, o carro começou a tremer como se a pista do estacionamento fosse um enorme vibrador. A praça onde o carro estava estacionado era enorme, por isso ficamos dentro dele, protegidos, ou, supostamente protegidos. Pudemos ver alguns prédios e árvores se contorcendo pela força dos ventos e do tremor da terra. Veículos mais leves sendo arrastados com outros objetos. Um pouco mais adiante a vidraça de um grande ranha céus despencou do alto e esfarelou no piso do asfalto provocando um barulho ensurdecedor. Não deu para ver se havia pessoas nas proximidades, pois o temporal era muito forte, e a névoa que se formou com a queda e o estrondo nos ofuscava por completo a visão. Também o pavor impedia que certos detalhes fossem vistos.

_Santo Deus, tenha misericórdia.

_Não diga isto querido. Pessoas podem ouvir.

_É verdade. Força de expressão apenas.

Eram dias de grande medo, onde a palavra Deus, Jesus, ou mesmo qualquer referência religiosa, era tida como traição ao estado, e quem o dissesse poderia ser punido severamente. Porém numa hora desta, qualquer cético, ou duvidoso, clama pelas misericórdias do Alto. Porque sabe que nenhum chefe de estado, por mais poderoso que seja pode socorrer. Neste momento todo homem sabe a quem recorrer.

As luzes, de repente, se apagaram por completo em toda a cidade, e a escuridão reinou em todas as direções. Inclusive nos corações dos dois refugiados. O tremor de terra pareceria ter acabado, mais o pavor o desespero ainda tomava conta de todos. Apenas os corpos abraçados, tremiam de frio e de medo, sem o que fazer para contornar aquela situação.

_O que está acontecendo meu amor? Perguntou a mulher ao seu companheiro, com a voz meio cortada. Com a gritaria e o ensurdecedor barulho, ele mal podia ouvi-la.

_Não tenho ideia querida. Precisamos ficar calmos e permanecer no nosso lugar até ver se as coisas se acalmam. Não podemos sair pela cidade, pois não sabemos o que está acontecendo. O perigo aqui parece ser menor para nós.

_Pelo menos por enquanto. Só que estou morrendo de medo.

_Eu também estou apavorado. Me abraça forte. Por favor.

Por fim, a terra se acalmou, o vento foi diminuindo aos poucos, pois o tornado deixou a praça, e ao que parece, continuou o seu caminho de destruição rumo a periferia oeste da cidade. A tempestade continuou, mais aos poucos foi arrefecendo até que a calmaria voltou, permanecendo um minuano soprando na direção do tornado. Apenas a escuridão parecia não dar lugar a claridade do dia. Tentei dar partida no motor do carro, mas não apareceu no painel nenhum sinal luminoso dos LEDs indicadores. Os sensores não passavam sinais elétricos para o painel do veículo, e o motor não deu sinal de partida. Tentei novamente, mas nada. Bati com o punho sobre o painel mas foi em vão. Nenhum contato foi reestabelecido. Nada do motor pegar. Eu que não entendia nada de mecânica fiquei esperando e pensando. Apenas trocando palavras sem sentido como minha companheira, pois não sabíamos o que fazer.

_Não quer pegar querido? O que está acontecendo?

Uma pergunta apenas não era suficiente.

_Não tenho a mínima ideia sobre o que está acontecendo. Vou tentar novamente.

Tentativas e mais tentativas com o botão de acionamento do motor, mas nenhum sinal no painel digital.

_Terá desconfigurado com os raios e os trovões? Fiquei indagando a mim mesmo. Nada tinha nada a dizer a minha esposa que estava tão apavorada e duvidosa quanto eu. Apesar de tudo, até que em fim, uma pegunta com um pouco de lógica, porém sem resposta.

Várias outras tentativas para o mesmo resultado. O pavor que havia diminuído, começou a voltar, e os dois não sabiam o que fazer. Quando se lembraram de olhar para os lados ao saírem do carro, mesmo sob o que restou da chuva, perceberam que muitas pessoas estavam também do lado de fora dos seus veículos, e das lojas. Todos pareciam estar na mesma situação de dúvida. Braços cruzados de frio, cabelos molhados pela chuva e agitados pelo vento. Uns coçavam a cabeça, as mulheres passavam a mão pelos cabelas molhados, outros tentavam em vão enxugar o rosto e os braços. As lentes dos óculos ofuscadas pela camada de neblina. Todos questionavam sobre o mesmo problema. Todos tinham as mesmas dúvidas e estavam na mesma situação. Realmente não havia estado e nem governo para dar solução a eles. Só exigências, só destruição, só condenações.

_Para fazer esse tipo de configuração, somente nas oficinas autorizadas. Disse o homem após alguns minutos.

_Vou ligar para o socorro pois se todos os veículos tiveram o mesmo problema, não sairemos daqui hoje. Espero ser o primeiro a ligar.

_Meu telefone não tem sinal. Tente o seu, querida.

_O meu também está sem sinal. Respondeu com ar de indagação. Aliás, ele nem mesmo liga o monitor. Deve estar sem bateria.

_Não é possível. Como sairemos desse lugar.

Nenhum veículo trafegava pelas ruas. Estavam desertas. O transporte coletivo não rodava, as linhas de metrô não passavam. O mundo parou de repente no mesmo ponto, na mesma hora.

Cerca de três horas depois a chuva parou, e céu clareou evidenciando os remanescentes de nuvens e do vento que trouxeram tanto pavor. Restaram os resultados do que aconteceu, mas até agora tudo era uma incógnita pois ninguém sabia de nada a respeito. Nenhuma notícia nos celulares, nem na TV, pois nem mesmo as autoridades sabiam o que havia ou estava acontecendo. A situação era a mesma em todos os lugares.

Todos aflitos não tinham a quem recorrer.



O comandante da base militar que existia no entorno da metrópole percebeu algo estranho, mas quando tentou acionar as forças armadas aéreas, terrestres, a as forças espaciais, perceberam também que não tinham como entrar em contato uns com os outros, pois os seus equipamentos não funcionavam. O sistema de comunicação foi deletado e os aparelhos silenciaram as vozes de comando, por mais imponentes e arrogantes que fossem. Nenhum equipamento que possuía circuitos eletrônicos se ativou depois daquela tempestade. Partida de veículos, de aviões, tanques, aeronaves de combate, nada funcionou. Nem mesmo a iluminação pode clarear as enormes salas dos comandantes, nem mesmo os corredores dos subsolos tão isolados e seguros da base. Nada podia ser comunicado à distância enquanto seus circuitos não fosses restabelecidos. Velas e algumas lanternas de comando simples foram ligadas para dar um pouco de claridade às salas e corredores do prédio. Nem mesmo as luzes de emergência funcionaram, pois eram comandadas pela central de computação.

_Reiniciem todos os sistemas agora mesmo. Ordenou o comandante, aos berros pelos corredores, pois descobriu que seu sistema de comunicação interno também não funcionava. Este que possuía a síndrome do grito, bradou mais alto ainda, de sorte que, de onde estava, quase toda a base podia ouvi-lo.

_Reiniciar como senhor, se não temos energia. Respondeu um imediato.

_Liguem os sistemas de geração de energia de reserva seus imbecis. Vocês tem cinco minutos. Alguém faça alguma coisa, ou eu mesmo terei que fazer?

_Os motores não ligam coronel. Já tentamos de tudo mas não ignizam. Não podemos fazer nada. Estamos de pés e mãos atados. O subcomandante tentou acalmá-lo dizendo que havia quebrado os protocolos e haviam tentado ativar as fontes de reserva de energia, mas nada funcionava.

_Reiniciem manualmente. Reúnam homens para isto, mas façam esta base funcionar. Não podemos perder mais tempo. Bradou novamente o comandante.

_Estamos tentando senhor.

_Não tentem, infelizes, façam. Façam essa base funcionar. Será tão difícil assim? Seus imbecis!

_Não é difícil senhor, é impossível. Enquanto não identificarmos a fonte do problema para consertar, não podemos fazer nada.

_Gente imprestável. Imbecis. Quem projetou esse sistema dizendo que era a prova de falhas? Tragam esse verme aqui agora.

_Sim senhor vamos tomar as providências agora mesmo. Disse o imediato, consultando com uma lanterna os esquemas físicos, aderidos a uma enorme parede.

Uma vez conhecido o nome e o endereço do projetista que a esta altura estava afastado, nenhum veículo funcionou para buscá-lo em casa. Na verdade não tinham como mandar recado, pois havia sido exonerado por traição à pátria e ao governo e sem dúvida, não estava mais vivo.

Tudo que poderiam fazer na base ou fora dela, era gritar para fossem ouvidos.

_Não é possível que não consigam fazer essa coisa funcionar. Saiu bufando e esmurrando as paredes até chegar novamente à sua mesa. Tinha os olhos vermelhos e esbugalhados. O suor escorria pelo rosto e pelas axilas. Seu terno impecável se encontrava molhado em vários pontos. Num solavanco puxou a cadeira para sentar-se antes que seu auxiliar o fizesse. Este, estático, como estava, ficou aguardando novas ordens que certamente viriam aos berros.

_Senhor, com licença. Posso lhe dirigir a palavra? Disse um de seus imediatos.

_Fala seu imbecil. Fale agora, mas traga uma notícia de verdade.

_Um pulso eletromagnético de altíssima intensidade, queimou todos os circuitos eletrônicos em funcionamento. Pelo que já foi apurado, num raio de cerca de quase um mil quilômetros, nada funciona. Meios de comunicação, veículos, aviões. Luzes de emergência, nada. Disse um dos auxiliares do comandante depois de acurada investigação dos esquemas elétricos do sistema de segurança. A notícia chegou por meio de um pequeno receptor valvulado que se encontrava em uma pilha de sucata, várias horas depois.

_Mas de que diabos você está falando? De onde partiu esse pulso eletromagnético.

_Um pulso dessa magnitude, queima todas as placas de circuito integrado de todos os aparelhos eletrônicos…

_Eu sei o que é um pulso eletromagnético seu imbecil. Não perca tempo com explicações. Gaste o seu tempo em trocar essas malditas placas, para que, pelo menos, a comunicação reinicie. Assim podemos nos comunicar sem que eu tenha que perder tempo com relatos desnecessários. Enquanto isto prepare o helicóptero. Preciso voar.

_Desculpe, senhor os componentes eletrônicos das naves torraram todos. Terão que ser trocados. Sabes quantos circuitos precisam ser substituídos num helicóptero para que dê partida e navegue comandante?

O medo e o temor do poderoso chefe parecia ter desaparecido e os tons de vozes eram, cada vez mais ásperos e altos entre todos.

_Como isto foi possível. Essas naves não tem circuitos de reserva?

_Desculpe senhor. Peço permissão para me retirar.

_Sumam todos da minha presença, seus incompetentes.

A relação dos comandantes com os subalternos era sempre feita no sentido de fazer os graduados se sentirem melhores e os demais se sentirem inferiorizados. Nunca soube porque tem que ser assim, se para um sistema funcionar todos são úteis. Nunca entendi porque uns tem que ser melhores do que outros, quando pregam tanta igualdade. Na verdade, pelo menos uma coisa eu sei: Não se pode dizer isto ou aquilo, nem reclamar da sua posição.

O certo é que no meio do alto-comando, qualquer falha era sempre retribuída com perdas de posto e até prisões e fuzilamentos. E porque não dizer que entre os demais não era diferente. Todos queriam no mínimo manter os seus postos, ou os seus statos atuais. A qualquer custo. Não era uma questão de competência, mas de poder. Somente quem não se importava muito, eram aqueles que nada mais tinham a perder, ou ganhar, em qualquer situação. O que na verdade era a maioria absoluta.

A ordem somente começou a ser restabelecida no dia seguinte, ou seja, várias horas após a tempestade, a despeito de todas os esforços empreendidos por todos. Graduados e inferiorizados. Enquanto isto, aviões de altitudes atmosféricas caiam, pois os sistemas de partida e orientação falharam ao mesmo tempo. Uns se desligaram completamente, outros perderam a noção de direção e não conseguiram alcançar uma pista de pouso antes do final dos seus combustíveis. As que estavam em solo não conseguiram decolar, mas puderam ser consertadas a seu tempo. As que estavam voando, caíram ou tiveram uma aterrissagem muito difícil. Bases aéreas orbitais se perderam e começaram a distanciar-se da terra em viagens sem volta e sem rumo. Outras em poucos dias desintegraram-se ao reentrar na atmosfera. Muitos arquivos de computadores foram perdidos ou deletados, e os sistemas mais perfeitos e seguros não responderam aos comandos até que foram reparados. Praticamente os únicos arquivos que ficaram intactos, foram feitos em papel, em velhos Hds encostados, ou que estavam em áreas não afetadas pulso.

_O que terá acontecido General? Questionou uma repórter disposta a colocar no ar, qualquer explicação que lhe fosse dada. Mesmo que não fosse verdade. Ela havia chegado de outra localidade distante, e queria dar a notícia em primeira mão. Pelo menos a partir de sua terra.

_Certamente senhorita, que foi um ato de sabotagem dos cristãos inconformados. Esses rebeldes serão a seu tempo, identificados e servirão de exemplo a outros grupos semelhantes, que são contrários à nova ordem mundial.

_General, como pode ter ocorrido um ato dessa magnitude na maior base das forças militares de nossa querida ordem?

_Esse grupo foi muito bem orquestrado, mas eles já estavam sendo monitorados. Em breve, seus lideres serão localizados e detidos. Nossas forças já os estão caçando neste exato momento.

_O que a população pode esperar das forças armadas em termos de segurança?

_Sem dúvida, podem ter certeza de que a paz e a igualdade que a nova ordem mundial, prometeu será mantida, e esse pequeno grupo será responsabilizado e, com certeza, as nossas autoridades o julgará de acordo com as novas leis.

_O que aconteceu para que um fato como esse, tão significativo, viesse a acontecer? Ao que parece, os prejuízos são enormes.

A essa altura não houve mais resposta, e tudo indica que esta última pergunta não foi levada ao ar. As câmeras e os microfones foram fechadas, antes mesmo que a pergunta fosse concluída. O auditório não chegou a ouvi-la por completo.

Nos bastidores ou, nos gabinetes, a conclusão a que se chegou foi, de que houve um pulso eletromagnético de proporções incalculáveis. Com certeza, a base militar já havia identificado o seu ponto de origem. Fato que de maneira alguma poderia ser levada ao conhecimento da população. Tratava-se de um projeto ultrassecreto do próprio governo. Nem mesmo a imprensa do governo sabia do projeto e menos ainda do que havia acontecido.

_Para todos os efeitos tudo foi causado por uma explosão solar sem precedentes que atingiu uma grande região do globo terrestre. Será esta notícia que deve ser veiculada. Certamente os cristãos aproveitaram o fenômeno para aumentarem as consequências.

Somente o governo e alguns dos comandantes sabiam, do grande projeto secreto, mas no momento nada podiam dizer ou fazer a não ser esperar os novos acontecimentos.




Projeto Nave-mãe


Uma nova estação espacial estava sendo construída, pelo governo da nova ordem mundial, em sua maior parte, já, na termosfera da terra. Era tida pela população, como uma estação espacial de defesa do espaço aéreo e terrestre. Era uma necessidade premente, pois forças poderosas estavam se formando e era preciso antecipar para se defender. Assim pregava o governo.

Era formada por um consórcio global, em que as nações federadas participavam com recursos humanos e financeiros. Os melhores cientistas existentes, estavam envolvidos neste mirabolante projeto, porém, nem todos, fiéis ao novo regime, mas como eram muito discretos e tinham seus temores, eram tidos como amigos da nova ordem. Outros simplesmente eram sequestrados e colocados a serviço deste. Assim, eram levados para as fábricas camufladas em terra, ou mesmo para onde ela já se encontrava flutuando no espaço. Usavam e desenvolviam tecnologias de última geração, muitas delas, ainda não disponibilizadas para a população, mesmo porque elas sequer tinham aplicação na vida diária do povo. Apenas a cúpula do partido, e os grandes empresários, casualmente faziam uso de algumas delas. Outras tecnologias somente eram usadas para o desenvolvimento da referida estação espacial. Era algo tão avançado e exclusivo, que somente alguns poucos cientistas tinham ciência delas. A maioria absoluta dos trabalhadores, mesmo dos mais qualificados, não tinham sequer ideia do que se tratava. Isto em função da especificidade tecnológica de cada parte do engenho. Uns trabalhavam no desenvolvimento de partes específicas do projeto, outros na pesquisa e criação de novos componentes. Fábricas imensas foram montadas para cada seguimento. Era um projeto de tal magnitude, que o seu gerenciamento era feito pela própria Maquete, e a partir de certo ponto teria condições de reproduzir automaticamente seus próprios componentes, independentes da mão de obra humana. Ela quando ativada, por si só, construiria e quando necessário substituiria as partes danificadas ou envelhecidas. Uma imensurável fortuna estava sendo gasta e a maior parte do orçamento anual do novo governo era a ela destinado.

Um dos gênios da ciência na época Wil, como gostava de ser chamado, um arquiteto com vários títulos, e formação também nas ciências robóticas e inteligência artificial era o mentor do projeto. Ele concebeu a ideia a partir de um simples esquema básico passando para um pré-projeto original, e com auxílio da Maquete foi especificando alguns detalhes e distribuindo partes dele para uma infinidade de laboratórios e fábricas, para pesquisa, aperfeiçoamento e desenvolvimento de componentes e sistemas. Tudo depois de ser apresentado a um oficial, depois a um oficial superior e finalmente ao Coronel e ao primeiro Ministro do novo estado. Acharam interessante seu anteprojeto e o colocaram sob custódia para ampliá-lo.

Este homem apesar de sua inteligência superior, era pouco dado à situação política da nova ordem mundial, ou qualquer outra ideologia que surgisse. Ele tinha problemas físicos e tiques nervosos, por isto preferia trabalhar em regime de reclusão. Sua situação física debilitada, fazia com andasse sempre alheio ao mundo exterior. Voltou-se então, de corpo e alma para o seu projeto e assim concebeu algo muito além do seu próprio tempo. Surpreendia até mesmo os poderosos da nova ordem. Não se relacionava com ninguém a não ser com sua principal auxiliar de trabalho, uma mulher a quem muito amava, mas por conta de sua timidez, não conseguia se declarar. Ela era sua inspiração e motivo de vida. Dedicada porta-voz, e por ser também uma grade cientista, tanto ajudava com ideias, como interpretava e dava sugestões aos demais cientistas que trabalhavam no projeto. Mesmo sendo uma mulher um tanto controversa em suas atitudes em relação aos homens do comando, era dedicada ao gênio que fingia não ver as suas atitudes pouco ortodoxas.

Esta máquina foi idealizada e desenhada nos mínimos detalhes pelo arquiteto, sua endeusada mulher e equipes. Um conjunto de software, foi criado por uma imensidão de peritos para ser capaz de comandar uma série de robôs específicos na construção de todos os componentes da nave, e instalar cada um deles. Eram por sua vez, especializados em tarefas predefinidas. O conjunto de software era tão sofisticado, que foi chamado de o DNA da nave. Assim, para cada necessidade, havia um conjunto de robôs especializados, tanto na identificação de problemas, na produção de componentes, na instalação e na revisão de cada parte. Era o sistema construtor e imunológico da nave.

Um dos componentes mais intrincados, era capaz de decompor e recompor a matéria, transformando os elementos de acordo com as necessidades, para produziam cada substância útil ao projeto, mesmo que fosse a partir de pequenos bólidos ou meteoritos soltos no espaço.

Toda a central de diretrizes comandada pela Maquete, a princípio, fora instalada em uma caverna profunda, construída em local secreto. De lá partiam todas as decisões e ordens relacionadas ao projeto.

Todos os componentes fabricados possuíam sensores capazes de rastrear as outras partes da nave, em sequência de montagem. Quando terminado e ativado o projeto, os sensores poderiam identificar as necessidades da nave e de todos os seus ocupantes. Atuavam desde a construção e substituição de peças danificadas e seus acessórios, até o suprimento de comida, vestes e medicamentos, através de módulos específicos. Seus diversos módulos de saúde para atender os tripulantes e ocupantes, eram capazes de diagnosticar várias doenças, inclusive as predispostas ou preexistentes, curá-las ou interferir no DNA, no ponto exato, evitando muitas delas. Construíam através de células-tronco e modernos processos de engenharia genética e nanotecnologia, e substituíam vários órgãos humanos. Produziam medicamentos para todas as necessidades da tripulação.

Apenas alguns dos comandantes das forças de segurança, e o Primeiro-Ministro, líder supremo, sabiam da real finalidade daquela máquina tão moderna bem como de sua complexidade. Também eram os que conheciam na íntegra, todos os detalhes do projeto. É claro, seus criadores e poucos cientistas de confiança.

Na verdade tratava-se de um veículo espacial, destinado a procura e a exploração de outros mundos, com o propósito de levar os escolhidos para um outro planeta, em caso de mudança na política e liderança na terra. Ela poderia manter uma população de mais de quinhentos mil ocupantes, mais os cientistas e técnicos que a construíam. Era, depois de terminada, usada como laboratório para pesquisas especiais, e como arma de defesa, porém em caso de necessidades se deslocaria pelo universo, e poderia se manter funcionando, bem como manter os que nela estivessem por centenas de anos, usando toda sorte de materiais capturados, onde quer que estivesse. Para priorizar a defesa, o sistema neural da nave feito de cilício modificado, interligava cada sistema de disparo das armas.

Os componentes mais sensíveis foram construídos em ambientes rigidamente controlados, inclusive gravidade zero e antigravidade. Eram instalados pelo sistema robótico disponível. Muitos deles, aptos para se locomoverem soltos no espaço ou aderidos na carcaça externa da nave.

Já a vinte anos, ela estava sendo montada, por cientistas e técnicos que nela trabalhavam sendo mantidos prisoneiros nos seus infindos laboratórios e compartimentos. O próprio arquiteto, seu criador foi levado a bordo, para concluir e acompanhar o desenvolvimento do seu grandioso projeto. É claro, também por motivo de segurança. Ninguém na terra poderia ter notícias do real objetivo da nave, exceto a liderança da nova ordem.

Seus motores, muito poderosos, para dar partida, geraria grandes quantidades de empuxo, porém produziam um rastro de pulso eletromagnético de altíssima energia. Esse pulso era suficiente para torrar todos os circuitos eletrônicos em terra, por centenas de quilômetros ao redor de seu raio de projeção. Além de gerar e deslocar imensas massas de ar e nuvens por causa da diferença de pressão que geraria na atmosfera. Assim, provocaria terremotos e tornados sem precedentes. Foi esta a causa do fenômeno acontecido em terra, isolando todos equipamentos eletrônicos no entorno da cidade, sede do governo.

A maioria dos cientistas que trabalhavam neste projeto sabiam de sua real utilidade, mas para uns a causa era justa e as consequências não eram consideradas. Para outros, que eram prisioneiros, uma obrigação imposta pelo governo, e eles não tinham alternativa a não ser obedecer ordens. O governo e os comandantes, haviam tomado todas as precauções contra sabotagem ou uso indevido, e ela somente seria usada em caso de extrema necessidade. Assim ativariam os motores de acordo com protocolos de inicialização que somente eles conheciam. Sabiam os comandantes supremos, que alguns cientistas e técnicos especializados que trabalhavam na criação e montagem de seus componentes, tinham acesso aos protocolos e podiam ativá-los e desativá-los. Mas não havia outra maneira a não ser mantê-los sob vigilância o tempo todo. Eram cientistas importantes para a criação e manutenção da nave.

_Com certeza foi um teste não autorizado. Exclamou um dos comandantes e conhecedor do projeto, e que se encontrava em terra, no momento em que soube da ocorrência do distúrbio climático.

_Não terá ocorrido uma falha em um dos sistemas robóticos?

_Com certeza estou ignorante em relação a isto senhor. O que posso dizer. Respondeu um subalterno de alta patente.

_Se você não sabe, é porque não deveria saber. Este assunto morre entre nós, e aqui mesmo. Ouviu bem?

_Sim senhor. Não resta dúvida alguma. Quer que eu tome alguma providência a respeito?

_Creio que você é surdo mesmo camarada. Eu disse que o assunto morre aqui mesmo. Não foi o que eu disse?

_Com certeza senhor comandante. Com licença. Tenho coisas importantes para fazer em minha mesa. Saiu de cabeça baixa sem dizer mais palavras, por todo aquele dia. A noite, quando ele saiu para sua casa, percebeu que uma viatura o seguia até que se deteve em frente a entrada de sua moradia. Não conseguiu dormir toda aquela noite. Por certo não faria nenhuma ligação telefônica naquela noite. Seu aparelho estava com rastreador de chamada acionado.

_Preciso ter mais cuidado até com meus pensamentos. Balbuciou o comandante de cabeça baixa. Nem mesmo sua mulher soube do ocorrido.

Enquanto isto a nave se movia pelo espaço, acelerando com todas as forças dos seus motores de impulsão. Sua velocidade já estava perto de corresponder ao máximo da potência. A energia de impulso nestes primeiros momentos era muito grande e os geradores trabalhavam com todas suas forças. Por conta disso, um enorme feixe de energia estática em forma de pulso, continuava ativo em direção à terra, atingindo várias bases de onde partiam os principais comandos, inclusive a base espacial já existente. Com isso todos os comandos e todas as atividades dessas bases foram neutralizados. Os efeitos porém foram desastrosos em uma área muito extensa no entorno da base, e em torno da terra, o que durou por várias horas danificando ou invalidando muito equipamentos de comunicação da mesma.

_Como os capacitores de plasma ainda não foram totalmente protegidos por coberturas adequadas, o raio de interferência do pulso não foi maior. Afirmou um dos cientistas no interior da nave em conversa com outros companheiros de trabalho.

_Com certeza senhor. Os protetores presentes direcionariam o pulso, por isso atingiram uma área menor, e com maior intensidade, mas isto é providencial.

_É verdade, enquanto isto, podemos ganhar distância até descobrirem o que aconteceu e terem condições de fazer os devidos reparos em suas armas e retaliar a nossa fuga.

_Temo pela retaliação, quando ela acontecer. A base número 2 possui veículos que atingem grandes velocidades, e assim poderão nos alcançar.

_Creio que estamos seguros, pois mesmo nos alcançando, essas naves não conseguem trazer um número suficiente de soldados e ogivas, assim podemos nos defender.

_E os seus mísseis? Exclamou um dos técnicos.

_Não se esqueçam de que seus módulos de comando e de direção, são acionados por um grande número de circuitos e sensores que, certamente foram danificados pelo pulso gerado no acionamento da nave. Além do mais temos uma máquina de pulso e radares direcionais para vigiar o entorno da nossa nave.

_É verdade. Qualquer aproximação de míssil ou nave, um novo pulso direcionado, ainda que mais fraco é capaz de inutilizá-lo por completo, e no mesmo instante.

_Caso aconteça, ficarão à deriva até serem resgatado anos depois, ou serão desintegrados na volta à terra.

_Mas os capacitores têm reserva de energia suficiente para a nossa proteção em caso de ataques? Questiona um dos subcomandantes que assumiram a nave.

_Sim senhor de acordo com nossos técnicos apostos, usamos apenas 60% da carga máxima para o pulso principal. Como a aceleração inicial a nave, já, quase alcançou sua velocidade de cruzeiro, as reservas de energia voltarão a subir gradativamente. Com isto o consumo de energia cai exponencialmente. Por isto temos energia de reserva suficiente para o que for necessário. A voz de um dos engenheiros foi ouvida em silêncio por todos, deixando-os mais tranquilos a partir de então.

_A Base Espacial I está se preparando para se posicionar em linha de tiro contra a nossa nave senhor. Afirmou um dos engenheiros que também era integrante do comando de fuga da estação espacial, que de agora em diante, seria reconhecida como nave aeroespacial.

Houve pouco planejamento para esta fuga, pois o sucesso dependia de extremo sigilo. Teriam que tomar o comando sem grande alarde e de imediato, de posse dos códigos de acionamento, iniciar a fuga. Tudo levaria pouco mais de uma hora, pois algumas providências já haviam sido tomada as escondidas. Era intenção alterar o nome do veículo nos primeiros instantes depois da partida. Isto, ainda, durante a manobra espacial em torno da terra para ganhar velocidade.

_Foram bem rápidos em suas manobras.

_Com certeza. O que faremos comandante?

_Deixem os nossos canhões alinhados com a base. Caso tentem nos atacar enquanto estamos nesta manobra, estaremos prontos para o contra ataque. Nossos canhões de plasma possuem maior poder, e maior velocidade de ataque. Antes que seus mísseis nos atinjam, eles serão inutilizados. Não serão páreo para nossa nave. Além do mais não poderão destruir a nave toda, por conta do seu tamanho.

_Com certeza senhor.

_Estamos prontos para revidar a qualquer tentativa de ataque, ao seu comando.

_Podemos usar também os poderosos canhões lazeres capazes de fatiar imensos bólidos ou mísseis de longo alcance.

_Sim. Com certeza.

A estação espacial, estava equipada com o que havia de mais moderno em tecnologia de plasma, levando vários canhões modernos para produzirem pulsos eletromagnéticos elevadíssimos, capazes de neutralizar aparelhos eletrônicos a longas distâncias, além de outros tipos de armas. Até então, as armas mais poderosas e eficientes, segundo os cientistas, que as haviam construído. Por isto estava confiantes. A esta altura os operadores desses instrumentos bélicos já haviam se apossado dos postos de comando, e estavam aptos a operá-los. O que viria de agora em diante dependia de sorte e de maestria nos postos de comando e da capacidade de gerenciamento por parte de um comandante interino.



O projeto secreto do governo da nova ordem mundial, foi denominado de estação espacial II, destinada para ser além de base de defesa, maior e mais completa que a primeira estação, também um veículo espacial capaz de proezas ainda desconhecidas do mundo. Se tornaria autônoma dentro de poucos meses, inclusive, com uma central de arquivos e informações personalizados, de onde completaria a dominação dos restantes países rebeldes ao novo governo.

Sua automação depois de concluída, de tão complexa, era capaz até mesmo de autorreprodução, bem como da produção autônoma de outros veículos semelhantes. Sua matéria-prima seria retirada do lixo espacial formado ao longo dos séculos, bem como da captura de meteoritos e asteroides. A fragmentação plasmática e altíssima pressão material ao nível atômico, permitia a transformação em novos átomos e novas moléculas a partir da sopa atômica gerada nos seus sistemas e laboratórios. Poderia criar substâncias e a partir delas, novos produtos, e equipamentos, e desses, novos sistemas pré-programados em sua memória. Era um verdadeiro gigante autômato com possibilidades quase infinitas. Seria, para homens do poder, o seu novo deus? Para a população da terra, a ciência tradicional ainda não havia chegado a esse nível, mas para os cientistas do governo, e todos que estavam empenhados na construção da nova base, isto era, não apenas possível, mas realidade. Dessa forma, criar moléculas, de água, a alimentos, roupas, remédios e até mesmo alguns órgãos humanos, novas peças para a base, e bem assim os combustíveis para propulsão e a geração de energia para as novas construções.

_A ciência avançou de maneira exponencial em poucos anos. Não pensava ver algo tão espetacular em minha vida. Afirmou um dos engenheiros da nave.

_Ouvi algum comentário do comandante, chefe de segurança que o arquiteto criador possuía ligação espiritual com entidades ocultas, por isto possuía tanta capacidade criativa. Disse outro.

_Você disse possuía? Não possui mais?

_A mesma fonte dessa informação disse que ele nunca mais foi visto depois que concluiu seu projeto e a nave se encontrava em fase de acabamento e testes.

_Eu mesmo o vi numa reunião, em um acesso de criação. Ele ficou com a expressão transformada. Transfigurado. Inclinou-se para trás em sua poltrona, revirou os olhos e disse palavras estranhas. Por fim passou ordens e dicas para uma equipe na qual eu participava, tudo através de sua porta-voz. Ficamos todos como que inativos, e depois sua companheira nos ordenou que guardássemos estrito segredo. Nenhum de nós ousou sequer pedir explicações.

Quando a nave estava para se tornar aunoma, com a incorporação do último estágio fabricado nos laboratórios em terra, e a implantação do novo software personalístico, uma revolão no interior da nave, na área da administração e na engenharia, substituiu o comando, que era aliado do governo da Nova Ordem Mundial, introduzindo um novo comandante, o qual não só enganou os informantes do governo, como assumiu novos planos para a nave. Usando de estratégia da nova revolução científica, conseguiu esta façanha sem precedentes. A ideia era dar um salto em direção a um novo planeta que vinha sendo investigado, no sentido de confirmar se era capaz de suportar a vida humana, e nele iniciar uma nova sociedade. Para isto, a pretexto de uma comemoração, os familiares dos trabalhadores e outros cientistas capacitados foram levados ao interior da base, formando assim uma população de quase quinhentas mil pessoas. A intenção era iniciar a viagem assim que os canhões de pulsos estivessem prontos para funcionar.

Quando os motores da nave foram ligados e acelerados ao máximo, um pulso eletromagnético de altíssima energia, foi gerado. Assim deu-se partida para romper a inercia orbital da terra e iniciar a grande viagem. Houve grandes alterações no clima em uma enorme região da terra, em especial na grade cidade, sede do governo. Ventos fortes, chuvas violentas com queda de granizos, e até tremores de terra. A energia foi cortada e houve grandes danos nos equipamentos eletrônicos.

Horas depois quando as forças armadas e os lideres políticos em terra tomaram conhecimento da revolta, nada puderam fazer por causa dos danos causados pelo pulso eletromagnético. Com isto houve grande atraso nas iniciativas de decisão para impedir a partida da nave. Já era tarde, e ela já havia percorrido algumas voltas em torno do planeta, e ganhado velocidade, para tomar rumo ao espaço celeste. Enquanto isto os capacitores estavam se recarregando ao máximo, para ficarem prontos para repelir os possíveis contra-ataques das forças em terra. Ela abriu a sua rota e se direcionou para deixar a órbita da terra e tomar rumo ao mundo escuro do universo.

A fúria da cúpula do partido se ascendeu quando souberam que a nave estava se movimentando e ganhando velocidade. Se revoltaram pois viram que nada mais podiam fazer. No momento exato, comandantes foram depostos funcionários foram fuzilados, até que a razão voltou, mesmo que aparentemente. O líder e primeiro-ministro se voltou contra a população tida como infiel, em terra, e foram definitivamente classificadas como traidoras da pátria. As ações contra eles foi então, implacável, e bem assim contra os familiares deixados para trás. Era a ordem. Caso alguém escapasse seria levado para campos de trabalho forçado e a morte. Não importavam as patentes, os responsáveis pela segurança da nave deveriam ser mortos de imediato, mesmo que para isto a toda a cúpula do poder tivesse que ser refeita. _Esses traidores devem ser mortos para servir de exemplo para os demais. Gritou o primeiro-ministro. Falando a uma plateia de patenteados fiéis ao sistema filosófico e ideológico do partido, recém-empossados em substituição aos depostos.

_Vamos capturar a todos. Em poucos dias eles serão alcançados e detidos. Informou o subcomandante para a imprensa. Nossas forças especiais já estão a caminho da Estação Espacial, e no encalço dos renegados fugitivos. Esta estação é imprescindível para segurança da nação e de todos nós.

O porta-voz do governo já havia elaborado o texto da notícia que seria levada ao ar, assim que as comunicações fossem restauradas.

_É melhor o líder supremo revisar esse texto antes de ser distribuído as estações. Esbravejou novamente o novo comandante das forças de segurança.

_Será enviado a ele agora mesmo senhor.

_Faça isto com a minha aprovação.

A mensagem teve que ser enviada por um emissário, pois o sistema de comunicação privado ainda não tinha sido restabelecido. Sua criptografia foi muito afetada com o fenômeno do forte pulso eletromagnético.

A notícia da fuga foi dada pelas emissoras livres dos países não filiados a nova ordem mundial. Pouco a imprensa sabia, mas o mundo livre tomou conhecimento através de um canal aberto na própria nave e direcionado para esses países. O mundo livre do regime teve grande alívio ao ouvir a notícia.

Por esta ocasião houve em terra, tamanha perseguição aos cristãos, os quais foram praticamente dizimados. Eles foram perseguidos até mesmo nos países não alinhados com o grande regime mundial. Fieis a este governo, e financiados por ele, cruzavam as fronteiras clandestinamente e promoviam verdadeiros atos de terrorismos nos quais muitos Cristãos eram eliminados. Templos eram destruídos por bombas, casas metralhadas e fiéis sequestrados para serem maltratados.

Nos países fiéis ao regime, a população enfurecida pelas notícias veiculadas pelo governo, faziam verdadeiros arrastões. Os remanescentes cristãos eram torturados e mortos. Crianças e idosos eram partidas ao meio, moídas ainda com vida em grandes máquinas, queimados em fogueiras, pendurados em cruzes de fibras de carbono, empalados e mortos em meio a tantas outras atrocidades. Não fosse a interferência direta do Criador Celestial, com uma praga generalizada contra a população dominadora, e todos os cristãos teriam sido dizimados. Muita dor e sofrimento, pois se concretizou o número da besta, e assim os cristãos, ou os que não o receberam ficaram impedidos de receber auxílio do governo para a compra até produtos de primeira necessidade. Foram tratados como traidores e responsáveis pelo pulso eletromagnético que danificou todos os equipamentos eletrônicos. Remédios, roupas, transportes, escola e bem assim, todas as necessidades do ser humano, era-lhes negado em função de sua condição de traidores da pátria. Israel e outros poucos países que seguiam uma linha doutrinária tradicional, foram duramente castigados com sanções econômicas e de comércio, por sua posição contra o governo da nova ordem mundial. Uma guerra se inciaria em poucos anos, pois os poucos países livres começaram caçar e resgatar os cristãos em toda terra para livrá-los das garras impiedosas do novo regime da besta. Estava polarizada a situação política contra a ordem religiosa cristã e o judaísmo no mundo inteiro. Por esta época até mesmo os Muçulmanos foram perseguidos por professarem o nome de Jeová.

Abrigos e esconderijos subterrâneos estavam sendo construídos em tempo recorde, usando mão de obra voluntária dos fiéis capazes para a obra. A igreja nas catacumbas estavam ressurgindo. Máquinas e braços, eram usados para produzir esses abrigos, pois a retaliação da nova ordem mundial era cruel e caçava por todos os cantos da terra, tanto judeus como cristãos e simpatizantes. Opositores silenciosos da ordem, aderiam e ajudavam a salvar vidas. Verdadeiros laboratórios e pequenas fábricas eram alocadas nestes túneis para produzirem alimentos e remédios para os seus ocupantes.

Enquanto isto, as débeis forças militares dos países cristãos e tradicionais lutavam em terra e no ar, defendiam e atacavam com coragem e sagacidade. Partiam para a batalha sempre após orações e jejuns, e os que ficavam, intercediam para que o Deus dos Exércitos os defendessem e lutassem a sua guerra. Somente pela graça de Deus, tinham algumas poucas vitórias e assim também sobreviviam os fiéis. Ano após ano, o governo da ordem ia avançando em suas conquistas, pois tinham todo aparato tecnológico e armamentista para isto.

_Realmente estamos vivendo os últimos dias. Nada podemos fazer, a não ser orar e buscar proteção em nosso Deus. Era o que se ouvia nos encontros clandestinos dos poucos cristãos ainda com vida.

_Felizes, são os que morrem no Senhor.

_Sei que esta situação é pela permissão de nosso Deus pleno, pois somente assim os indecisos por Cristo sairão de suas posições de conforto, e decidirão por Jesus ou pelo mundo. Também esta situação de sofrimento extremo, serve como fogo para depurar e refinar o ouro, como diz Jesus Cristo em seu evangelho. Por isto, devemos manter a nossa posição ao lado de Cristo, pois somente Ele poderá vencer esta guerra. A qualquer momento os nossos olhos o verão descendo nas nuvens como Ele mesmo prometeu. Somente seus anjos procederão a captura da besta e de seus emissários, e farão o seu aprisionamento eterno. Também com isto, o povo de Deus terá descanso desse tormento. Por isto eu digo: Se tem aqui algum indeciso, em relação a Jesus, que peça perdão agora, a Ele, o aceite, e então é só descansar em sua mão poderosa. Não tenha dúvida de que será aceito por Ele. Era o tema principal nas pregações evangelísticas nestes dias.



A nave havia partido, e apesar de tão bem equipada, não tinha como, de maneira alguma, voltar para socorrer os sobreviventes, pois isto seria cair nas mãos do inimigo. Apenas assistiam com lágrimas o massacre em terra. Enquanto tinham as comunicações abertas, e ao seu alcance.

Dentro de alguns meses de viagem, as comunicações foram sendo prejudicadas pela grande distância que já se encontrava da terra, e, por fim, ficaram totalmente interrompidas. A partir de então ninguém mais tinha conhecimento do que acontecia la embaixo. Viajavam agora praticamente com o que tinham, e o que produziam no interior, da agora denominada, nave-mãe. Enquanto isto, seus engenheiros e cientistas trabalhavam no aperfeiçoamento do sistema de produção, em especial de alimentos e produtos de primeiríssima necessidade para a população dentro dela.

_Pouco eu conheci dessa triste história, pois na nossa nave exploradora, Colonial II, poucas pessoas tinham de realizar todas as tarefas, navegar, produzir e sociabilizar-se. Então todos tinham pouco tempo para ensinar as crianças. Também pela falta de recursos suficientes, preferiram manter a maioria em suas câmaras criogênicas, pois assim a manutenção deles era mais fácil. Disse Mayrilen ao comandante, após ouvir o seu longo relato sobre os últimos acontecimentos em terra, enquanto tomavam juntos uma refeição. Em dado momento ela escrafunchou o prato com o garfo, parecendo indecisa em levar o alimento à boca.

O comandante calou de repente, e permaneceu em silêncio, pensativo e após alguns segundos ele retomou.

_Me desculpe por falar deste assunto em horário que para mim é nobre. Não deveria ter feito isto. Vamos falar de outras coisas.

_Mais cedo ou mais tarde, em um ou outro horário eu teria que ouvir esse relato. Afirmou Mayrilen. Eu é que deveria me inteirar melhor através das mídias digitais da nave. Por outro lado, é um prazer poder ouvi-lo, mesmo que sejam relatos de tamanha tristeza. Pode ter certeza de que farei o possível para ouvi-lo sempre que quiser falar. Bem como ajudar no que estiver ao meu alcance. Quero aprender mais sobre nossas origens. Mesmo que seja trágicas.

_Com certeza contarei para você tudo que sei.

_Agradeço por ter você e o And para me ensinarem.

_Estamos sempre à sua disposição Mayrilen. Foi o And quem respondeu com deferência. O capitão também engasgou em um momento de grande emoção.

_Tenho notado o cuidado que vocês que tem por mim.

_Posso estar sendo cruel, mas me faz bem pesquisar e conversar sobre esse assunto. Tomar ciência de tudo isto, ajuda a me conformar sobre os motivos de estarmos nesta situação. As graves situações em que viviam, ou vivem na terra, só me ensinam a viver em paz neste nosso pequeno mundo, e em qualquer situação. Disse ele com a voz sendo interrompida pela emoção.

Foi ela que se levantou desta vez para abraçar e consolar o comandante emocionado. And não era muito bom nisto.

_Todos nós deixamos familiares na terra, o que é muito triste. Pelo que parece, não havia outro jeito de encarar o problema. Disse o comandante enquanto o androide servia suco processado para os dois.

_Agora posso entender que realmente não havia outro meio. Nossos pais fizeram o que puderam e o que deveriam, por obrigação.

_Eu também tive a sorte de nascer no interior da nave-mãe e assim não passei por essa crise tão cruel. Só de conhecer mais de perto essa triste história me corta o coração, e sinto vontade de voltar para ajudar nesta luta. Impossível agora.

A nova ocupante da nave já não conseguia comer nem beber, e mal falava palavras. Apenas murmurava. O comandante também perdeu o apetite apesar da insistência do androide em que se alimentassem.

Mayrilen apoiou a cabeça no ombro do comandante e ele sentiu suas lágrimas molharem sua camisa. Ela por sua vez sentiu o alto de sua cabeça sendo gotejado pelas lágrimas do comandante. O silêncio reinou no ambiente, e até mesmo o And, parecia triste com tudo, e embora já soubesse a história, ouviu sempre solícito, a narração do comandante e as inferências da moça. Enquanto isto a nave Colonial IV cortava o universo a uma velocidade espantosa, rumo ao seu destino, sabe-se lá qual. Na verdade, depois de viverem no espaço, viajando mesmo sem perceber seus deslocamentos, tanto a nave-mãe quanto as exploradoras, não sabiam ao certo, ainda, o seu destino. Apenas supunham e perseguiam o que os cientistas sabiam a respeito dos prováveis mundos abitáveis, que ate o momento eram tidos apenas como prováveis. Não era apenas um, mas vários, por isto criaram as naves exploradoras, que podiam se deslocar com mais rapidez em função de seus tamanhos e designes adequados. A nave-mãe possuía um formato um tanto prejudicial ao seu deslocamento, mas em função de suas necessidades, esse designe era o mais adequando para levar um maior número possível de pessoas. Desta maneira, as exploradoras podiam chegar a mundos diferentes, examiná-los e sondar se as possibilidades previstas se concretizariam. E caso isto se confirmasse, iniciariam o processo de ocupação ou de adequação.

-Esse é o nosso plano. Esse é o nosso caminho. Chegar o mais próximo possível, do nosso novo lar. Rompeu o silêncio o comandante Ariano, tentando reanimar sua companheira e a ele próprio. Enquanto falava, ele apontava repetidamente para baixo, indicando o piso da nave.

_De que mesmo você está falando comandante? Perdi alguma coisa no meio do silêncio?

_Me desculpe novamente senhorita. Estou, agora, falando sobre a nossa missão. O assunto era outro.

_Creio que estamos muito estressados, e não nos demos conta de nossas conversas. Me perdi completamente pois estávamos em silêncio por vários minutos, meu nobre comandante.

_Meu Deus. Devo estar mesmo à beira da agonia. Me desculpe. Preciso descansar um pouco e me concentrar para voltar ao normal.

Desta vez foi o androide que interferiu. _Me desculpem, mas o sono de vocês está muito atrasado. Já se passaram várias horas do momento de descanso. Se me permitem, acho melhor se recolherem para descansar por pelo menos 8 horas seguidas. Vou induzi-los a um sono reparador, através de gases suavizantes nos aposentos de vocês.

_Tem razão And. Não é verdade senhorita? Completou o comandante.

_Com toda certeza. Só não sei se terei sono para esse repouso. Ressaltou Mayrilen, já de pé e pronta para se dirigir ao seu alojamento. O mesmo fez Ariano, mas antes de sair, abraçou afetuosamente a moça enquanto ela se aconchegou sobre o seu peito demoradamente.

_Sou mesmo muito sensível. Disse a moça.

_Esta é uma característica sua, que muito admiro. Quero que saiba senhorita. Eu também tenho sentimentos.

_Boa noite Ariano. Boa note And.

Saíram ambos do local.




Evento com a nave Colonial V


_Poderia haver alguma coisa além de um horizonte de eventos?

_O que há dentro de um buraco negro?

_Dizem que um buraco negro é uma região no espaço, extremamente densa, e assim sendo, o que acontece com a matéria no seu interior?

_Por outro lado, no horizonte de eventos, existe apenas luz, forças eletromagnéticas ou algum tipo de matéria revolvendo-se a velocidades extremamente altas.

_As forças de um buraco negro no centro da galáxia influenciaria toda ela? Como se calcularia esta força?

_Uma nave espacial poderia navegar através das forças de influência das galáxias?

_É possível criar um buraco de minhoca e deslocar no tempo e para lugares extremamente distantes? Para um universo paralelo.

Seria esta uma discussão sobre viagens espaciais entre alunos adolescentes, ávidos de saber, e que não se contentavam apenas com as maçantes aulas teóricas de seus mestres.

O homem desde sempre viveu em busca do saber, do conhecer cada vez mais, de descobrir mais e mais. De provar de maneira científica todos os fenômenos sensíveis. Neste afã, ele não respeita os limites existentes entre a e os postulados científicos. _A fé que nossos pais nos ensinaram é capaz de se sustentar neste tempo de ciência e de comprovação? _O homem sempre investigou os fenômenos corriqueiros, desde a queda dos frutos de uma macieira, ou desde quando a roda quadrada se tronou redonda. Passando destes aos mais complexos e intrincados fenômenos celestes, o interior dos átomos ea forças interativas do cosmo. Formulou hipóteses e tentou respondê-las a qualquer preço. Montou postulados, teorias e leis. Idealizou e construiu imensas e caríssimas máquinas para provar suas teorias através de experimentos. Desde os mais esdrúxulos, aos mais extraordinários. Quando encontrou respostas satisfatórias para seus questionamentos ele ficou entusiasmado e quis mais respostas, pois a ciência, quando encontra uma resposta, encontra também várias dúvidas. A história tem mostrado que, quando a resposta não correspondeu as expectativas, muitas vezes o cientista forçou argumentos, torceu conclusões, e inventou verdades. Complicou ao extremo para que os leigos não descobrissem as dúvidas ou as mentiras por trás de suas respostas. Outros, incautos, preferiram acreditar numa teoria, não provada, do que em verdades estabelecidas por serem tradicionais. Não quero dizer que a verdade não deva ser buscada, mas encobrir uma verdade com longos e labirintosos argumentos inverídicos, é a pior mentira que existe. Os incautos que preferem crer nestes argumentos, são os piores néscios das ciências, porque possuem parte do conhecimento, mas preferem considerar uma interrogação como verdade.

_É o que penso. Posso afirmar em sã consciência. Diria alguém.

_Sou pelo que diz a ciência, mesmo sem as provas. Diria outro.

Creio eu, a falta de um conhecimento profundo de geografia, astronomia e filosofia de Abrão deu-lhe lugar a fé, e assim ele partiu, pela fé, para uma terra que não conhecia. Viajou mais de dois mil quilômetros levando consigo, sua família, seu gado, seus bens e seus escravos, numa jornada onde não havia carros, estradas e nem pontes. Creio que, muitas vezes, ele teve que traçar seu próprio caminho para chegar ao lugar onde a fé lhe ordenara que fosse. Abraão não tinha uma fé totalmente cega, pois cria num Deus que lhe ordenava que fosse. Sabia que encontraria uma terra fértil e cheia de pastagens verdes para suas ovelhas, sua gente e seu sonho. Era só ele ir buscá-la, traçando seu caminho através de desertos áridos, de rios profundos e montes íngremes. Era a ciência de cerca de dois mil anos antes da era cristã. Era como uma hipótese a ser comprovada. Ele foi, e encontrou a verdade.

_É. Hoje, talvez, pela fé e pela ciência atual, podemos traçar nosso caminho pelo espaço celeste, ainda inexplorado, e encontrar uma terra que mana leite e mel. Alguém dentro da nave poderia filosofar.

_Poderíamos dizer que, pela fé, vamos encontrar um novo planeta no qual podemos construir uma nova sociedade?

_Claro que sim. O universo tem milhares de possibilidades mesmo em nossa galáxia. Podemos gastar várias gerações, mas Deus há de nos levar a esta terra.

Uma parte da raça humana, cética continuava na busca de conhecimento, esquecendo porém, a fé que, para ele, seria um caminho mais curto. Que a fé pode ser o caminho para ele chegar às suas respostas. Outros, porém, foram descobrindo explicações para os fenômenos no seu caminho, e no seu entorno sem esquecer a fé. Por fim, o homem voltou os olhos para o céu, vislumbrou o seu futuro lar, nas estrelas, e se lançou nele em busca dela. Para uns uma terra para se esconderem de seus inimigos, para outros uma terra prometida, que seria alcançada, como Abraão, mais pela fé do que pela ciência. Porque pela ciência, ainda hoje, o homem não sabe ao certo onde vai parar. Pela fé, ele sabe que poderá alcançar, um dia, um planeta habitável. O homem queria alcançar essa terra, através dos seus conhecimentos, suas descobertas. Assim, ele conseguiu criar as máquinas que o levariam a esta terra. Uns dirão, que pela providência Divina, chegará ao planeta prometido. Hoje ele está no espaço sideral com suas máquinas que fazem tudo por ele, em busca de um novo mundo onde mana leite e mel. Onde ele poderá novamente fazer o que tem que ser feito. Acredita que encontrará esse mundo. Será que ele tem fé, ou simplesmente acredita nas possibilidades e nas probabilidades da tecnologia. Nos seus próprios conhecimentos.



A nave Colonial V, estava navegando a décadas desde que desacoplou da nave-mãe, e agora se encontrava sob a influência de um aglomerado de asteroides e estendeu seu campo eletromagnético em tono de sua região frontal, visando maior proteção do casco e possivelmente do seu interior, pois eles aproximavam com grandes velocidades, e vindo pela parte anterior, muitas vezes, somavam com a velocidade da nave e tudo acontecia muito rápido, não restando tempo hábil para manobras. Não havia como aproveitar todos os bólidos que se aproximavam, pois seus depósitos estavam cheios, e os trituradores não conseguiam processar todos para maximizar os espaços disponíveis. Desta maneira os geradores trabalhavam com a máxima potência, pois os reatores de plasma exigiam uma carga extrema de energia passando pelos sensores e controladores. Por isto, ocorreu uma inversão no campo eletromagnético da nave, confundindo os radares direcionais, fazendo com que ela se aproximasse rapidamente de um horizonte de eventos, ultrapassando a barreira do espaço-tempo. A nave se viu, de repente, em uma espécie de universo paralelo, desconhecido, e impossível de ser navegado como eles haviam feito até agora. Ela já não possuía velocidade suficiente para escapar do campo gravitacional do poderoso universo de eventos. Tudo aconteceu muito rápido e não tiveram tempo de recuar ou desviar. Não podiam mais voltar, nem tangenciar. Diante da realização das manobras, o insucesso lhes roubou a cena. Os computadores ultrarrápidos não foram capazes de romper a barreira do espaço-tempo, e foram sugados pelo fenômeno celeste mais temido pelos pesquisadores. As leis do universo ainda não tinham sido totalmente compreendidas pelos cientistas, que na verdade, iniciavam os primeiros passos nesse tipo de conhecimento e domínio de tecnologias relacionadas, para lidar com tais fenômenos. A relatividade demonstrou que os viajantes da nave Colonial V não estavam preparados para o que não conheciam totalmente, e consequentemente não tinham tecnologia para dominar forças tão poderosas, dentro da ergosfera de um buraco negro. Os ocupantes da nave, na verdade, não sabiam o que estava acontecendo, é só perceberam que algo estava errado porque os computadores perderam totalmente a lógica de seus aplicativos.

Para quem estava fora da nave, se é que alguém poderia vê-los, eles estavam no limbo. Nem iam para a frente nem recuavam. O tempo para eles não passava mais. O espaço não mudava. Estavam realmente dentro de uma singularidade de onde não poderiam sair. Aliás, no ponto em que estavam, o único movimento que poderiam sofrer, era a ação exponencial do campo gravitacional do próprio buraco negro. Com a nave estática, para eles, e as desinformações dos computadores, o caos tomou conta de todos, e não sabendo contar o tempo, nem mesmo se o tempo estava passando, assim como também o espaço, todos pareciam estar em um transe coletivo. Não sabendo por quanto tempo. Talvez indefinidamente, em apenas uma fração de segundo. Tudo é relativo. Mas relativo a que, a quem?

Antes que fossem transformados em tiras de espaguete humano e metálico, feixes de energia luminosa invadiram o interior da nave e freneticamente saltitavam entre, e sobre eles, tentando estabelecer um diálogo com os tripulantes. Todos os que estavam acordados, estavam sem saber ao certo o que estava acontecendo. Um dos tripulantes reconheceu a situação como em um sonho, e tentou iniciar um diálogo com um que, com maior energia se movia entre os demais. Ao que parece, no interior da nave, o tempo começou a passar de forma muito lenta, e novos espaços começaram ser transpostos até que a vida voltou ao normal. Em milésimos de segundo, ou milhares de anos?

A confusão se instalou pois, como se comunicar com seres que não falam? Se é que eram seres vivos. Pareciam, ou eram apenas pontos e raios de luz saltitando freneticamente de um lado para outro, de forma aleatória e extremamente rápidos. Houve muita luta e muita resistência entre os próprios tripulantes, tentando de todas as maneiras, pois um dos pontos de luz juntou-se com outros e mais outros e de repente desapareceram no interior do corpo de um dos tripulantes. Este aos berros, horrorosos gritos, desenvolveu sua capacidade incrível de liderança, e na tentativa de dominar os demais tripulantes, houve tumulto e luta corporal entre todos eles. As armas no interior da nave eram inúteis, e usá-las, causaria danos ao seu casco e consequentemente perda das vidas, e da própria nave. Em função das deformações causadas pelo universo de eventos, eles estavam agora em um ambiente amplo, como em um sonho, porém nem sequer conseguiram usar arma alguma. Por fim perceberam sua incapacidade.

_São apenas feixes de luz, e luz é energia. Exclamou um dos tripulantes.

_Então vamos usar nossas armas de pulso, talvez possamos combatê-los, e até dominá-los.

Não passou de uma ideia infeliz, pois a rapidez com que aqueles pontos de luz se moviam era impossível atingi-los com um raio direcional. Luta corporal já haviam tentado em vão.

_Como dominar com nossas armas, esses pontos de luz?

_Creio ser impossível. Mas o que fazer?

_Vamos lutar até o fim. O que podemos fazer é lutar com o que temos. Eram os gritos que se ouviam no salão, que hora estava extremamente claro, oura totalmente escuro. Além do mais eles flutuavam no ambiente em que se encontravam.

Desta forma, aqueles pontos de luz que pareciam possuir inteligência, e previam as reações dos tripulantes, foram dominando um a um, os que estavam na nave. Aquelas pessoas, possessas, não tinham mais vontade própria, e passavam a obedecer ordens sem saber de onde vinham. O próprio comandante da nave foi assimilado, com a maioria dos companheiros de viagem. Com uma força descomunal voltou contra os tripulantes que ainda tentavam lutar. Por fim, assumiram em absoluto os controles da nave Colonial V. Os tripulantes que se encontravam ainda sob efeito da criogenia não possuíam ainda forças suficientes para se oporem, porém sem explicação os invasores tinham dificuldade de possuí-los. Uns tentavam caminhar e se defender, outros passavam mal com vômitos e dores intensas, vagavam sem rumo certo pelo hall de navegação. Esbarravam uns nos outros, nos equipamentos, e cambaleavam até caírem no piso do salão.

Depois de algum tempo os seres de luz conseguiram conter todos os tripulantes e com acesso as suas mentes, acessaram também os instrumentos e os planos de viagem. Isto porque parte dos instrumentos já estavam danificados, sob influência do ambiente ou quem sabe, dos próprios feixes de luz, que penetravam nos circuitos interagindo com eles e com o restante da nave. Seus objetivos foram cumpridos sem que a nave-mãe soubesse o que acontecia. Sob influência do horizonte de eventos, suas comunicações não ficaram inutilizadas em relação ao mundo exterior.

Antes que os novos ocupantes pudessem fazer alguma coisa a nave foi esticada e arrastada para o interior do buraco negro. Pouco a pouco, foram sendo torcidos e esmagados pela intensa força gravitacional do evento, até serem integrados a ele. Há quem diga que foram expelidos em outro universo, paralelo, ou em um ponto deste, desconhecido da ciência. Outros acreditam que as infinitas forças magnéticas dos átomos agitados no ambiente, transformaram tudo em energia passando a fazer parte das infinitas reações atômicas ainda no universo de eventos do buraco negro.

_Entraram em um buraco de minhoca. Com certeza. Afirmaria um dos alunos de astrofísica ao ler sobre o assunto. Os cientistas da nave-mãe, depois que soube da perda da nave Colonial V e das circunstâncias ocorridas, anos depois, quando seus receptores conseguiu processar as fagulhas de informações recebidas, indagavam sobre as possibilidades.

_Pouco sabemos a respeito desse evento. Portanto fica a grande dúvida.

_Quem sabe, um dia, teremos pelo menos respostas destes questionamentos.

_É verdade. A ciência continua na busca por respostas.

_Quem sabe. Exclamou um senhor de idade avançada, mobilizado por uma espécie de cadeira de rodas, comandada por sua própria mente.

Certo é que, nunca mais tiveram notícias dessa nave. Também os vestígios da existência do buraco negro desapareceram das telas dos equipamentos da Nave-mãe.

_Ela, com certeza mergulhou profundamente no buraco negro sendo totalmente desintegrada com a tripulação.

Foi registrado pela voz de comando da nave-mãe, no ano 175 depois de sua partida do entorno da terra.

Que destino terá as demais integrantes da frota estelar? É o que veremos com o passar dos anos. Conta o comandante Ariano.




No interior da Nave Mãe


A nave-mãe estava navegando a mais de um século, e se encontrava a uma distância muito grande da terra. Para os ocupantes da nave, o sistema solar inteiro não passava de um ponto brilhante no braço de Orion da via látea. Sua velocidade poderia passar dos 20 quilômetros por segundo, e mesmo assim seus instrumentos não davam ainda sinais seguros de nenhum planeta capaz de suportar a vida humana como ela é. As distâncias no universo, entre uma e outra estrela, são muitas vezes, difíceis até de serem imaginadas. Neste mundo vazio de matéria e de luz, o tempo parece não existir. O espaço parece sempre o mesmo. A estrutura um tanto irregular da nave, em função do seu constante crescimento, para atender as necessidades da população, e as peculiaridades da viagem, não lhe permitia velocidades maiores do que as usadas normalmente. Ela tinha possibilidades maiores, mas os engenheiros e técnicos temiam. Então preferiam velocidades seguras. Já que ela não orbitava nenhuma força de atração, sua velocidade poderia variar. Era, então, calculada em função de todos os parâmetros conhecidos com uma margem de erro grande. Em função disto não tinham sequer previsão de quando alcançariam os limites de outra estrela vizinha ao nosso sol.

_Esta nave poderá durar cerca de quinze mil anos, o suficiente para alcançar uma das constelações alvos. No entanto, quando estivermos mais perto saberemos se algum de seus planetas pode comportar vida, assim como está, ou se tem potencial para serem adaptados. Era o comentário entre os tripulantes, em especial na área de comando.

_Antes disso, poderemos descobrir novas tecnologias para os motores de propulsão, capazes de nos permitir maiores velocidades. Uma cópia da maquete sugeria novas criações e novas rotas a serem seguidas.

_Eu creio que isto acontecerá nos próximos cem anos.

A população da nave era rigorosamente controlada, apenas com a conscientização dos seus tripulantes. Na sua maioria estes eram cientistas, técnicos altamente especializados em diversas formações, com níveis superiores, pós-graduação, e outros títulos.

Para manter a população controlada, um número considerável dos seus ocupantes se encontravam em animação suspensa, outros tantos, por vontade própria aguardavam a produção de câmaras criogênicas, e suas configurações com o sistema.

_Não podemos exceder à capacidade de nossa nave, mas também não podemos deixar a população diminuir muito. Não sabemos o que acontecerá daqui a duzentos anos. Ou dez mil anos. Afirmou o comandante em rede social, que era o meio de comunicação usado na nave. Normalmente ele fazia uma transmissão para todos, a cada semana explicando e conscientizando-os de direitos e deveres, bem como de possíveis novidades. Questões como mortes, nascimentos, enfermidades e outras notícias corriqueiras ficavam por conta dos jornalistas independentes.

_Nossas estatísticas sugerem dois nascimentos por casal, o que deve manter a população nos mesmos moldes de quando iniciamos a viagem. Possivelmente aumente, alguns pontos percentuais em função da baixíssima taxa de mortalidade infantil e elevação substancial da expectativa de vida do nosso povo. Em especial dos que se encontram em câmaras criogênicas. Confirmou em uma live depois de tomar ciência por meio dos técnicos na área.

_Mesmo assim, é preciso acompanhar com atenção o comportamento dos seres humanos no espaço por mais algumas décadas para definirmos com mais precisão esses dados. Confirmou outro técnico.

_É verdade. São tantas variáveis, a maioria delas ainda desconhecidas. Nestes anos todos, ainda não conseguimos definir todos esses parâmetros. Por mais que nos esforcemos.

_Com nossas pesquisas e a evolução da tecnologia plasmática e quântica, muita coisa pode ser mudado com o passar dos anos. Estamos esperançosos, pois a nave aprende com o desenrolar dos fatos. Novas pesquisas. Ela mesma tem sugerido hipóteses para serem pesquisados. Algumas respostas ela mesma pode nos dar.

_Bem. De qualquer forma, estamos trabalhando com dados e possibilidades atuais. Mesmo o cérebro da nave tem consciência de tudo que estamos discutindo, e concorda com nossas conclusões, que por sua vez, estão de acordo com as intenções de nosso comandante, chefe de estado, e seus assessores.

_Desde que saímos dos limites do sistema solar, muitas inovações foram acrescidas a esta maravilhosa casa em que vivemos e nos movemos. Querendo persistir no assunto, um dos chefes de equipe voltou ao assunto anterior.

_Sim. Claro.

_Precisamos implementar novidades, principalmente no sistema de propulsão, que basicamente continua o mesmo neste quase duzentos anos de viagem.

_Verdade Dr. Mendel. Para vencermos esses mais 40 trilhões de quilômetros, precisamos de novos sistemas de propulsão, ou então de um milagre.

_Mesmo assim passaremos várias gerações vagando pelo espaço. Talvez milênios. Isto é, se a nossa nave sobreviver a esse tempo.

_Não se esqueça que ela é capaz de se refazer, consertar e até construir outra e mais outra.

_Poderemos viver por milênios e mais milênios, geração após geração? O que seremos depois dessa epopeia? Questiona um leigo presente.

_Por mais que o ambiente interno da nave seja semelhante ao da terra, certamente alguns fatores não correspondem exatamente a ela.

_Toda esta especulação me deixa, as vezes, tonto. Foi a vez da senhora Maura, uma médica que assistia ao grupo de técnicos que discutia.

_É verdade. Veja bem, já estamos na segunda geração dos que saíram da terra, entrando na terceira. E estamos ainda neste limbo. Foi a conclusão de outra mulher. Uma engenheira que pesquisava sobre novas formas de propulsão. Todos olharam para ela, que não levantou a cabeça quando se pronunciou. Estava compenetrada em suas pesquisas.

_Fico pensando por quantas transformações passarão nossos corpos no final de tudo isto. Dona Maura que se preocupava com os aspectos físicos continuou.

_Ainda seremos humanos? Outra interrogação surgiu.

_Certamente o seremos. Mesmo que tenhamos nossos corpos transformados de alguma forma. Ainda seremos corpo e espírito.

_Por outro lado, se num extenso espaço não encontrarmos matéria prima para usarmos? Asteroides, cometas...

_Então… Será o nosso fim. Silenciaram todos por alguns minutos. Mas temos pesquisas a respeito, e com certeza, encontraremos matéria-prima em nossa trajetória.

Os técnicos tinham que levar em conta que estavam à deriva neste universo infinito, e não sabiam o que, e nem quando iam encontrar pela frente. Apenas pesquisas que apontavam para o que precisavam. A nave tinha um grau de sofisticação extremamente alto, mas precisava de matéria-prima para ser processada e transformada em peças de reposição, energia, combustível, suprimentos, e em espaços para todos, caso nascessem mais crianças do que o aceitável.

_É claro, que se encontrarmos fragmentos de matéria no universo, podemos recolher para transformar no que precisamos. A questão é que no momento estamos atravessando uma região de vácuo extremo, e desprovido de fragmentos de matéria. Afirmou um dos presentes sempre de olho em seus monitores. Era seu ofício procurar esses bólidos perdidos.

_Temos que ter esperanças. Fé. Cada um argumentava de acordo com suas crenças. Ou descrença.

_E se não encontrarmos nada em, digamos cinquenta anos. O que vai acontecer. Perguntou um curioso, disposto a colocar nas redes sociais alguma novidade interessante.

_É sem dúvida uma boa e inteligente pergunta, meu amigo. Creio que todos dentro desta nave que é literalmente nossa mãe, precisa saber de tudo que está acontecendo. Na verdade seria uma situação complicada, que temos estudado e buscado respostas. Assim que as tivermos, saberão imediatamente.

_Sendo assim, todos precisam saber das dificuldades que temos encontrado, e que provavelmente ainda encontraremos. Foi a justificativa do curioso, que gravava com seu pequeno equipamento tudo que via, ouvia e que acontecia.

Mais alguém do grupo argumentou. _Estamos esperando sugestões plausíveis, para os problemas que nos desafiam. Então, antes de alarmarmos a população, a melhor saída é a sugestão útil. Trabalhamos, todos, em prol de todos. A administração desta nave tem conclamado a todos para participarem ativamente das buscas por estas e outras soluções. Afinal a nossa subsistência, ou a nossa vida, depende do nosso trabalho. Até agora todos tem respondido de forma positiva a essas buscas. Porém, se existe ainda alguém com boas intenções, e que quer participar com boas ideias, a administração estará atenta para ouvir e dar prosseguimento com pesquisas e testes. Serão bem-vindos. Ressalvou o senhor Mendel que se encontrava calado, porém atento à conversa.

_Ressaltamos, no entanto, que a nave tem um depósito de matéria-prima para ser usada no momento certo. Além de tudo a reciclagem atinge quase cem por cento dos nossos resíduos. Ainda sabemos que nossos radares detectaram fragmentos de asteroides na nossa trajetória, os quais devemos alcançar em pouco mais de dois anos. Acrescentou Mendel.

É claro que estas respostas foram dadas porque perceberam que o curioso repórter já havia feito comentários maldosos algumas vezes, talvez por estar inconformado com alguém do comando, ou com a política adotada por eles. Era um indivíduo um tanto polêmico e que gastava seu precioso tempo tentando colocar uns contra os outros. Política rejeitada pela maioria dentro da nave, e em especial pelo corpo de comando e os representantes do povo.

Após esta notícia cerca de cinquenta pessoas apenas responderam ao site do indivíduo. O que era tido como normal, pois a maioria das pessoas rejeitavam os seus comentários maldosos e conflitantes. Em relação às decisões tomadas, todos ou, pelo menos a maioria concordava. Poucas vezes, durante todos os anos de viagem, registrou-se algum motim, e esses pequenos movimentos foram levantados por alguns cujos familiares em terra, eram fiéis ao governo mundial, e suas políticas. Uma vez no interior da nave, seus descontentes não esqueciam de suas vocações esquerdistas. Desta maneira, sempre que havia necessidade de uma tomada de decisão mais relevante, os representantes realizavam consulta popular. Sempre havia algum simpatizante da nova ordem mundial, nas câmaras de decisões, e estavam sempre dispostos a pleitearem algum cargo de comando, mas com certeza, sempre eram minoria e não representavam perigo iminente. A história dos últimos anos, ainda na terra, deixou a maioria da população traumatizada e algo que não queriam, agora, de forma alguma, era seguir qualquer ideologia fascista ou anarquistas.

Na verdade, com todo este tempo no espaço e cuidando da manutenção da nave, e da sobrevivência da sua população, as escolas superiores, passaram a ser consideradas de pouca relevância. E sim, o aprendizado em termos de especialização girava em torno de funções prioritárias para a prática nas áreas de atuação de cada um. Os títulos universitárias perderam o valor em função das novas necessidades de todos. Os filhos que nasciam no espaço, passavam por um aprendizado básico nas escolas públicas, que também davam pouca importância ao tema ideologia. Depois continuavam com os pais, vendo-os trabalhar na sua área de atuação, aprendendo com eles. Em função da falta ou desinteresse na área de trabalho dos pais, tinham certa liberdade para escolher outra. De qualquer forma tinham que aprender desde cedo com uma família que os acolhia, ou mesmo com os companheiros que já militavam na área pretendida. Podiam ainda procurar as diversas oficinas especializadas, orientadas pela escola do governo. Os cursos ministrados no interior da nave, eram relacionados, mais aos fundamentos básicos da mesma, e meios de subsistência. Mecânica, eletrônica, informática aplicada e programação, nanotecnologia, engenharia genética, física quântica e matemática. Outras áreas do conhecimento se encontravam relacionados ao cultivo e criação de animais em ambientes volantes. A saúde humana em todos os seus aspectos era uma prioridade num ambiente muitas vezes estressante, por ser diferente do modo de viver na terra.

A Nave automatizada, era capaz de concertar-se com peças sobressalentes, e até construir outras naves semelhantes. Produzia até mesmo os alimentos, as indumentárias e os medicamentos necessários, de maneiras que os ocupantes tinham que se preocupar mesmo era com as tecnologias da própria máquina. Não sabiam por quanto tempo teriam que ficar no seu interior, soltos no espaço.

O plantio de vegetais e a criação de animais, peixes e aves, era mais para a preservação da fauna e da flora, para quando encontrassem um novo mundo, e tivessem que colonizá-lo, os exemplares estariam preservados. Poucos apreciavam a comida natural. Tudo podia ser resgatado nos terminais de alimentação e bebidas, espalhados nos diversos restaurantes em pontos estratégicos da nave. Não precisavam de moeda de troca, mesmo porque ela não mais existia, apenas o nome ou número da pessoa era suficiente para resgatar o que precisavam. Estes dados pessoais serviam apenas para controle de regiões específicas da nave.

As pessoas se preocupavam em se manterem ocupadas de uma ou de outra forma, tanto para serem úteis, como para evitar o estresse. Além disso precisavam se sociabilizar dentro de uma população de quase meio milhão de pessoas, vivendo num ambiente fechado, com oxigênio, clima, pressão, e gravidade, controlados automaticamente. Por isto, além do trabalho havia sempre encontros para conversas amigáveis, troca de informações filosóficas, religiosas, culturais e até mesmo para contarem e ouvirem algumas piadas. Muitos resgatavam o velho hábito de conversarem pessoalmente nas praças, onde passavam boa parte do seu tempo de folga. Eram tranquilas e seguras, pois a criminalidade praticamente não existia. Vandalismos, provocações e interferência no sossego de outros, era algo praticamente inexistente. Praças de esporte e academias, piscinas e salas de jogos podiam ser frequentadas por todos em suas horas reservadas, individuais ou coletivas. Assim viviam os moradores da maior nave espacial de que se tem conhecimento.

Os encontros para bate papo eram para muitos o prazer de todas as tardes.



Em uma mesinha de material sintético reciclado, no centro de uma praça, com árvores de verdade, grama, e até chuva artificial, algumas pessoas encontravam-se bastante ocupadas com suas conversas, nem sempre costumeiras, mas também nem sempre casuais. Um robô aproximou com uma bandeja na mão e uma toalha no braço, oferecendo alguma coisa para beber, enquanto outro com um carrinho de bandejas repletas de quadradinhos de uma espécie de queijo assado, com fatias de carne, ao que parece, fritas. Tudo havia saído de uma máquina de alimento, situada em um empório publico nas proximidades. Eles paravam em cada grupo de pessoas e ofereciam seu lanche. Perguntava se queriam que deixasse a bandeja, ou não. Não era apenas uma dupla, mas várias que, percorriam este, assim como outros locais públicos.

_Ha quantos anos estamos viajando por este espaço sem fim. Quem sabe me dizer? Foi a pergunta de um senhor de meia idade que se aproximou do grupo com um copo de suco na mão esquerda. Oferecia a direita para cumprimentar efusivo, cada um dos que la estavam. Talvez quisesse apenas iniciar uma conversa com os demais.

Todos olharam para ele com ar indagativo, ficaram pensativos, mas alguém falou pausadamente. _Nunca me preocupei com isto, mas é uma pergunta importante. Precisamos saber.

_Estamos no ano 179 de nossa vida no espaço. Foi a resposta que se ouviu. Era um jovem que estava sentado em um banco da praça, bem próximo do grupo, e que tinha um kindle na mão. Mesmo com o olhar fixo no seu texto, ele estava ouvindo tudo que o grupo conversava. Aguardou um pouco e como não ouviu nenhuma resposta ele se adiantou na conversa, e continuou sua leitura.

_Tudo isto? A vida aqui é tão boa e pacífica que nem presto atenção no tempo. Só o fato de estarmos livres da política e dos políticos da terra, para mim não importa nada mais. Trabalhando ou jogando conversa fora, estou vivendo, e feliz. Posso dizer o que penso, quando quero. Não tem censura, a não ser a minha própria.

_Livres da política nem tanto, mas dos políticos corruptos sim.

Quase todos riram em gargalhadas. Outros permaneceram de cabeça baixa, pois eram simpatizantes dos regimes totalitários da terra. Por incrível que pareça o ser humano parece gostar de gente corrupta e totalitária. Alguns conheciam, porque eram pesquisadores, outros por serem de famílias simpatizantes, não muito bem informados. Apesar de tantos anos fora da terra, seus ancestrais que embarcaram, trouxeram esta herança ideológica nas suas mentes.

_Você já nasceu nesta nave meu jovem? Pergunta um senhor de cabelos brancos, já um tanto senil, ao que fez a pergunta inicial.

Não deram muita importância a sua pergunta, pois o conheciam, bem com sua falta de memória. Apesar de sua condição de saúde, não deixava de frequentar a praça e tentar conversar como os demais. Era o Senhor Jonas. Apesar de suas condições, todos cuidavam dele.

_Pensam que esqueci da minha idade? Nasci vinte e dois anos após a nossa partida. Responde de pronto o Senhor Jonas.

_Quer dizer que o senhor tem 157 anos senhor? Puxa, estamos vivendo tantos anos assim? Questionou o jovem leitor.

_Nunca havia pensado nisto. Respondeu outro senhor. Ele coçou a cabeça pensativo, olhou para um lado e para o outro e acenou para o rapaz dando entender que Jonas tinha sintomas do mal de Alzheimer. Apesar deste mal ter praticamente sido extinto nesta nave.

_Mas...na verdade, estamos vivendo o em média quase o dobro da expectativa de vida na terra quando a deixamos para trás. Outro presente interferiu.

_Alguém tem mais alguma coisa para beliscar? Um Robô que estava por perto, ouviu e apressou com seu carrinho cheio de bebidas e tira gostos. Todos rodearam novamente o carrinho e se serviram em pequenos pratos descartáveis. Comeram e beberam à vontade sem parar a conversa e algazarra.

_O que será que o robô pensa de tudo isto? Pensou o rapaz do livro sem se levantar para pegar sua porção. O garçom lhe ofereceu, mas ele agradeceu.

_Graças a Deus! Pelo que me contaram meus pais, sobre a expectativa de vida na terra, quando nossos ancestrais partiram, a qual tinha dois parâmetros, entre os privilegiados e os esquecidos. A faixa privilegiada da população, a elite do poder, que gozava de todos recursos sanitários e tecnológicos relacionados à saúde, viviam mais de cento e cinquenta anos. Os demais não passavam de setenta anos. Morriam de anemia, fome ou câncer. O índice de natimortos e abortos era assustador. Me lembro, que eu tinha já cerca de trinta anos, e reclamava de falta de oportunidades e perspectivas no interior da nave. Então meu pai, já bem velhinho, me alertava para as condições de vida da maioria das pessoas na terra, e acrescentava. De acordo com minhas pesquisas, é muito melhor aqui, do que lá. Este passou a ser um lema para mim, e até escrevi um pequeno cartaz e afixei na entrada de nosso apartamento.

_Às vezes, fico horas pensando na maneira em que estamos vivendo aqui, e como estão vivendo nossos parentes em terra. Mesmo havendo a possibilidade de não haver mais ninguém lá. Uma terceira guerra mundial era iminente, e com o arsenal destrutivo que alguns países possuía, bem pode não haver mais gente viva por lá. O jovem do livro interferiu novamente na conversa.

_Ouvi dizer que esta nave serviria para a cúpula do partido dominante, fugir em caso de derrota, ou mesmo de destruição da vida pelas armas atômicas e outras, até mais poderosas quanto elas.

_A maioria da população já deve ter morrido. Pela mão do estado, por doenças e falta de atendimento médico, ou mesmo de inanição.

_Mas outras pessoas nasceram e devem ter enfrentado o mesmo problema. Podem até mesmo ter virado o jogo.

_O jogo político é implacável. É como uma teia de aranha. Muito difícil de ser desfeita. Não faltava interlocutor nesta conversa.

Interferiu um outro calmamente. _Quem sabe, Cristo já voltou e pôs fim ao reinado sei lá de quem. Da nova ordem mundial, dos socialistas, comunistas ou mesmo, esquerdistas ou direitistas, o ainda qualquer enviado da Besta. Ou mesmo os cristãos “capitalistas”.

Todos pararam assustados quando ele disse isto. Uns coçavam a cabeça, outros passavam a mão na barba, no nariz, ou coçavam aquela parte que os homens sempre coçam descontraidamente. Alguém levantou a cabeça e aos gritos começou a proclamar aos quatro cantos da praça.

_Vocês estão loucos? O governo da nova ordem mundial é muito justo para com todos. Vocês estão delirando. Saiu do grupo pisando forte pela praça. Balbuciava palavras de protesto e acenava desvairado com as mãos. Foi a reação de um senhor com cerca de sessenta anos de idade que até então permanecia calado. Ele era um dos simpatizantes do comunismo e não escondia isto de ninguém. Falava abertamente contra os administradores da nave. Ele sumiu por entre as árvores, monumentos e bancos da praça.

_Como é que ainda tem gente com este pensamento? Ele conhece muito bem a situação e os problemas que passavam em terra os seus habitantes. Vive agora, tranquilamente nesta nave, sem que alguém se importe com a sua ideologia. Um só falou, mas todos, com certeza aprovaram em silêncio.

_Este amigo, é socialista nato, apesar de não ter nascido na terra. Talvez um comunista convicto. Eu o conheço a muitos anos e ele sempre exalta o socialismo, escarnecendo do cristianismo. Disse um jovem que prestava serviço ao lado do homem controverso. E acrescentou: Ele deve ser chinês.

_… ou norte-coreano. Acrescentou um dos mais jovens presente.

_Mas isto não é uma questão polícia ou mesmo filosófica. É uma questão espiritual. Não é ideológica, não é filosófica, muito menos político-social. É espiritual mesmo. O mundo todo polarizou entre cristãos ou não cristãos, e inventaram as ideologias para se justificar.

_Você está coberto de razão amigo. Eu também crio assim.

_Este lanche está mesmo uma delícia. Chamou a atenção um homem de meia idade que fazia parte do grupo.

Todos arregalaram os olhos e fitaram nele. Este levantou os braços em sinal de rendição, deu uma boa gargalhada, que foi seguido pelos demais. O som de suas rizadas ecoava na praça, e outros grupos das proximidades levantaram de seus assentos e olharam todos na direção do grupo. Sem saber do que se tratava, começaram a gargalhar também. O jovem do livro desta vez interrompeu sua leitura, talvez porque o barulho tenha quebrado sua concentração.

_Apesar de tudo, gosto de estar por perto. Balbuciou o rapaz.

_Desculpem amigos. Eu só queria descontrair um pouco. Aquele sujeito deixou a todos nós, muito tensos. Olhou para o grupo vizinho e pediu desculpas em voz bem alta.

_Que desculpa que nada amigo, você fez a coisa mais certa até o momento. Gritou alguém do grupo vizinho.

Quando os risos cessaram, eles voltaram ao jogo de damas que estavam concentrados como anteriormente. Mas alguns deles queriam mesmo era conversar.

_Me desculpem amigos mas gostaria de fazer uma pergunta a vocês. Se alguém quiser continuar jogando, que o façam. Não precisam responder. Indagou um cinquentão bem-vestido, cheirando a perfume de boa qualidade.

_Por falar em viver no espaço celeste, muito embora eu esteja ciente do que pode acontecer, estando nós vivendo de maneira normal, gostaria de manifestar minha preocupação. Cortou o assunto, um homem de cerca de quarenta anos, e que neste dia estava de folga de seu turno de trabalho.

_Olha meu jovem, se é que posso chamá-lo assim, aqui entre nós, você tem liberdade para se manifestar, desde que esteja disposto a correr o risco de sair de cabeça baixa. Respondeu um outro senhor que até então se mantinha calado, somente observando o grupo.

Todos olharam curiosos para um, depois para o outro, esperando a colocação que viria em seguida.

_Estamos surpresos, pois estamos aqui a horas, e não ouvi alguns de vocês se manifestarem. Acudiu o observador do grupo, que também não havia se manifestado.

Todos mantinham a atenção dividida entre as partidas de dama e os interlocutores. Os garçons passaram novamente servindo outros petiscos e água, ou sucos de diversos sabores. Eles agora traziam seus carrinhos térmicos, carregados de belos e deliciosos petiscos. Todos se esqueceram por enquanto da conversa e dos jogos.

Era costume dos viajantes e tripulantes da nave, se divertirem nestas praças, onde podiam esquecer do tempo, e os traumas, se é que tinham, com jogos e boas conversas. Dificilmente havia entre eles alguma discussão mais calorosa, pois o ambiente era favorável. Praticamente todos eram muito bem cuidados e possuíam boa saúde física e mental. Era um dos objetivos dos comandantes, fazerem com que a tripulação vivesse bem e em paz. Sabiam o quanto era importante o bem-estar de todos, pois qualquer doença de um poderia agravar o problema de outros. _O bem-estar de uma pessoa tem a ver com a sua saúde física e mental, e dos demais do grupo. O coletivo geralmente é influenciado pelo individual, quando se trata de enfermidade. Tanto da alma como do corpo.

Alguns pratos com variados tipos de petiscos, frios, salgados e doces, sucos e refrigerantes foram deixados sobre uma mesa que foi desocupada em tempo. Os guardanapos foram logo usados, e com a alegria de sempre, foram subtraindo um a um, o que havia na bandeja. Ao lado, vários contêineres eram destinados ao lixo, cada um disposto e organizado para voltarem para reciclagem. Nada era perdido.

_O que mesmo você estava falando? Indagou ainda com um resto de queijo na boca, o observador se dirigindo ao que fizera o questionamento.

_Eu mesmo estava dizendo nada. Quem estava fazendo uma observação era o nosso amigo… Qual é mesmo o seu nome amigo?

_Josias senhor. Às suas ordens.

_Muito prazer Josias. Pode me chamar de Antenor, ou XS1230b. Como queira.

Era comum referir-se ao número do documento de identidade, pois era mais fácil de identificar. O último dígito se referia ao número de pessoas com o mesmo nome.

_Bem. Eu estava me referindo, sem qualquer forma de protesto, à questão de estarmos no espaço.

_Mas qual é mesmo a sua dúvida filho? Indagou o mais idoso.

_Não é bem uma dúvida, senhor, acho mesmo que estou querendo saber a opinião de vocês. Se é que, aqui ninguém pisou em solo terrestre. Estou enganado? Mas tem pessoas que estudaram mais do que eu sobre o assunto.

Dois ou três manifestaram, mesmo sem saber exatamente a dúvida de Josias. Aguardaram a continuação da conversa.

_Gostamos de falar sobre a terra, mas eu mesmo não estou preocupado com isto, pois as coisas passadas não retornam nunca mais. Por outro lado, sei que, aqui temos menos problemas do que .

_Aliás, se é que ainda tem pessoas vivendo na terra. Se as coisas continuaram como no tempo em que os nossos avós sairam dos limites do planeta azul, eles estão muito mal. Creio.

_Sem liberdade, sem alimento, sem saúde e sem poder sequer falar a palavra Deus, Jesus… Relembrou outro senhor de cabelos e barbas brancas. Aliás, usava também o exoesqueleto branco, como o da maioria dos presentes.

Exoesqueleto, era um traje especial exigido para compensar a diferença de gravidade, as possíveis radiações indesejáveis e outras intempéries do espaço. O certo é que ele ajudava também a manter o peso, ajudava a combater os radicais livres, pressão sanguínea, e muitos outros males provenientes de uma vida prolongada no espaço. Era mais do que um traje espacial.

_Por falar em exoesqueleto, lembrei-me agora de que aquele indivíduo metido a socialista não usava o seu.

_É verdade. Não tinha notado. Agora que você falou, me lembrei. É que ele altera tão pouco a nossa aparência que pouco se nota quando usado ou não.

_O problema é dele. Afirmou o observador. Eu tinha notado, mas como dizia Salomão, “calado, até o tolo se passa por sábio”. Como sei que sou nada sábio, quero pelo menos fazer com as pessoas pensem que sou. Risos novamente. Aliás, quem pensa como ele não consegue perceber certas diferenças, mesmo que evidentes.

Caíram todos na gargalhada, ao ponto de, na movimentação, derrubarem duas bandejas de petiscos pelo piso da praça. Ninguém se preocupou em limpar, apenas em não pisar para não sujar os calçados, que também faziam parte do exoesqueleto. Tudo era muito limpo e ninguém queria sair por aí com os calçados ou a roupa suja. Isto não pareceu ser um problema, pois logo apareceu um robô gari para recolher tudo e levar para a reciclagem.

_Estamos esquecendo dos questionamentos do senhor Josias. Vamos então, ouvi-lo agora.

_Bem, amigos, será que agora o senhor Josias pode falar?

_Não o chame de senhor, pois ele é bastante jovem para esse pronome. Foi a vez do jogador de cartas, campeão dos últimos dias, senhor Mateus.

_Pronome ou adjetivo? Questionou outro presente.

_Não é possível amigos. Todos aqui sabem que é um adjetivo. O senhor Mateus meio irritado retrucou.

_Se acalme senhor Mateus. Senhor, é pronome, mas pode ser considerado, em algumas circunstâncias, substantivo. Acudiu Josias com toda paciência. Sei que, mais hora menos hora poderei falar. Não se preocupem com isto. Temos tempo. Sorriu com a mão na boca. Ela estava cheia de qualquer coisa.

_Ainda posso crer que, senhor, também pode ser adjetivo, pois qualifica o nosso amigo Josias como uma pessoa jovem, mas merecedora de respeito. Pelo que vejo. Levantou a questão alguém que não fez questão de se identificar.

_Deixe isso para lá. Fale Josias, pois há um complô nesta velharia aqui. Não querem mesmo é que você fale.

_Temos todo tempo do mundo para resolver esta questão rapazes. Afirmou Josias cheio de ironia.

_Agora você se enganou amigo Josias, pois cedo ou tarde morreremos. Por isto, enquanto vivermos, temos que resolver esta questão. Havia parado de jogar para estender o assunto um pouco mais o senhor Mateus.

-Na verdade, podemos até morrer, e é certo que vamos, mas que Deus não tenha pressa em nos chamar e nos tirar desta nave e seu conforto.

_Creio. E espero também que assim seja.

_O garçom está vindo de novo.

_Só que agora ele não traz nada.

_Dar-se-á o caso de vir nos avisar que está na hora de nos recolhermos?

_Se ele tem esta intenção, nós vamos desmontá-lo aqui mesmo. Concordam?

_Claro. Agora que o assunto ficou caloroso Não vamos tolerar abuso de poder.

_Nem de força.

Todos fixaram os olhos de protesto no androide, aguardando qualquer palavra sua.

_Não precisam me desmontar senhores, só vim avisar as horas, o que já é tarde da noite. Caso cheguem em casa muito tarde, não me responsabilizo pelo que acontecerá. Se as esposas dos senhores os desmontarem. _Precisam de mais alguma coisa senhores? Perguntou, curvou-se para a frente em sinal de respeito e esperou.

_Senhores uma ova. Somos muito jovens para irmos para a cama com as galinhas.

Todos caíram em gargalhadas, inclusive o androide, que simulava muito bem algumas emoções. Inclusive com sorrisos e gargalhadas prolongadas. Nem todos sabiam o que significava esta expressão terráquea.

_Você nos conserta, ou nos leva para a enfermaria. Foi a vez de Josias.

_Ou nos traga os cobertores para passarmos a noite por aqui mesmo.

_Cobertores, travesseiros, banho ou controle de temperatura? Foi a vez de Antenor falar quase que não conseguindo, pelos arrufos de alegria de todos.

_Cobertores, ou Petiscos?

_Água ou suco?

_Bem, creio que amanhã ouviremos o amigo Josias. Realmente havia esquecido da hora. Não quero levantar pela manhã, com mau estar ou sonolento. Não quero perder a concentração, pois pretendo continuar campeão por algum tempo ainda. Boa noite a todos. Disse Antenor, um dos mais idosos do grupo, e saiu cantarolando uma velha canção do grupo Aba, dos anos setenta, mas que fazia sucesso até os anos de conflito na terra. “Move on”, meio desafinado e imitando a língua inglesa.

_Até amanha amigos. Ainda ouviremos o Senhor Josias.

_Com certeza.

_Descansem senhores. Amanhã será um novo dia de acordo com o nosso siclo circadiano.



Essa não era uma preocupação apenas do amigo Josias, mas em todos os cantos da nave, sempre havia os que se preocupavam com o problema de nunca encontrarem um planeta habitável, ou que, pelo menos, pudesse ser adaptado para tal. Certo é, que a maioria dos habitantes da nave desconheciam quando não por completo, mas, pelo menos, em parte, o problema das grandes distâncias que teriam que percorrer. Se soubessem toda a verdade, poderia haver surtos coletivos, pandemias e frustrações.

_E esta nave pode durar centenas de anos até que nossos descendentes vejam o resultado dessa loucura? Era a segunda pergunta que se ouvia.

_Temos tecnologia tanto para continuarmos por milhares de anos nesta nave, contribuindo com o seu crescimento e sua adaptação às nossas necessidades. Afirmava um dos chefes de tecnologia em botânica da nave-mãe, o agrônomo Lúcio Reis.

_Bem sei que sim, mas não podemos esquecer que mesmo a terra com todas as suas possibilidades naturais, pode ter chegado ao caos, em função da ambição desmedida do homem. Acomodar toda raça humana, hoje, levou o homem stress em função das mudanças ocorridas, necessárias ou não. Os cientistas com seus estudos e pesquisas, sempre afirmaram que tudo se esgotaria um dia. Até mesmo o sol com sua enorme fonte de luz e calor, como todas as estrelas, um dia teriam suas fontes esgotadas. Essas e outras dúvidas pairavam sobre muitos dos cidadãos nave-mãe e com certeza, sobre os habitantes da terra.

_É verdade. Por isso mesmo temos que estar preparados para encararmos um fim de vida, seja de um ou de outro modo. Não era comum as mulheres participarem dessas conversas, mas foi uma delas que acabava de chegar, quem falou.

_Quando o homem atinge um afinado grau de tecnologia, ele consegue driblar muitos dos seus problemas criando novas soluções. Aqui na nossa nave, o nosso planeta tecnológico, provisório, podemos avançar em todas as áreas do conhecimento, em relação as nossas necessidades, sempre contando com o auxílio da nave e sua inteligência artificial. Assim podemos depender cada vez menos, das fontes naturais de matéria-prima da terra para manufaturar os nossos produtos, e assim satisfazer as nossas necessidades. Tenho certeza de que podemos fazer desta nave, o nosso planeta por milhares de anos, até encontrarmos uma nova terra, ou ficar nela indefinidamente.

_Conversa fiada. Essa velharia já conta de quase duzentos anos. O homem nunca criou uma máquina para durar tanto. Havia mais um cético no grupo.

_Viveremos até onde e quando Deus quiser. Encontraremos os meios para isto. Disto eu tenho certeza. Havia mais crentes no grupo. _De qualquer maneira, temos potencial para sobreviver. Foi a vez de um cientista menos crédulo nas questões espirituais.

Ele não se convencia de que houvesse um ser superior, pleno, e que pudesse criar tudo que existe, e que dessa forma, era também, o mantenedor do universo, com suas constelações, galáxias, o vácuo, e até mesmo os buracos negros existentes. Ele era um homem de uma grande inteligência, estudioso das ciências, e muito dedicado em tudo que fazia. Mas era cético em relação às questões espirituais. Ele entrou no assunto depois de um longo tempo de silêncio. _Acredito que esta nave pode se manter indefinidamente, se expandindo e proporcionando a nossa subsistência, com o nosso trabalho e nossa inteligência. Se há um Deus, ele não quer saber de sua criação. Tudo começou por acaso, e por acaso tudo terminará, para recomeçar, em um ciclo infinito. Mesmo que seja redundante.

_Você sempre deixa de lado as questões espirituais, senhor Jéferson. Afirmou um de seus auxiliares que participava da conversa.

_Creio que o homem corre um grande risco quando abandona a fé no seu criador, para seguir ideias revolucionarias, e anti cristãs. Ou anti religiosas. Ele perde também a esperança. Afinal, o homem é matéria mortal, mas tem um espírito que é imortal. Inteirou um outro. Eram assuntos frequentes em todos os lugares, pois uma grande parte da população vinha de uma apostasia sem precedentes.

_Para mim, o importante é o trabalho em prol da sobrevivência, o que vale é o experimento e a prova do que vemos ou fazemos. Estas questões espirituais, não podem ser provadas pela metodologia científica, portanto, não merecem crédito. Mas cada um tem o direito de acreditar naquilo que pensa ser o melhor para si. Afirmou Jéferson.

_Com todo respeito senhor Jéferson, mas não é uma questão de ser melhor para mim ou para quem acredita. A questão espiritual é real, e queira o senhor acredite ou não, ela tem a ver com sua pessoa também. Mas é livre para pensar e agir como acha melhor.

_Não é um conteúdo ideológico. É uma questão de crer ou não crer. O mais é respeito mútuo.

_Deus, Jesus, Espírito Santo, e as questões relacionadas, independem da crença ou da descrença do ser humano. São reais e se relacionam com o homem. Várias pessoas quiseram opinar, uns em favor das ideias de Jéferson outros contra.

_Creio nisto também, pois o comportamento humano é algo inerente de cada pessoa.

_Sim. Toda esta discussão que ocorre entre nós, há o respeito pelo que os companheiros acreditam, ou deixa de acreditar. Ninguém leva para o lado pessoal. Assim vivemos em paz.

_Verdade. Todos de mãos dadas, respeitosamente, vamos chegar ao fim de nossa existência sem grandes traumas. Disse Jéferson olhando amigavelmente para seus companheiros.

_Intercederemos pelo senhor, que tem se mostrado grande amigo e companheiro. Jesus o ama assim mesmo. Ele demonstrou isto dando a sua vida pelo ser humano.

_Obrigado.

Apesar de cético, era um indivíduo respeitoso e que considerava a todos da mesma maneira. Inclusive, sua família professava a fé e frequentava um grupo de louvor, oração e adoração, no núcleo onde morava.

_Realmente, todos temos a chance de crer ou não crer. Eu prefiro crer, pois o homem que não crê, pelo menos em algo, não o realiza. Eu creio no trabalho, mas creio também no espiritual, pois essa parte do homem equilibra-o como um todo.

_Se Deus é por nós, quem será contra nós?

Foram estas as últimas palavras do grupo que ainda permanecia na praça, inclusive do outro que se reuniu com o primeiro em determinado momento da conversa, deixando-a mais animada. Jéferson saiu para sua casa enquanto os demais cada um tomou o seu destino.

A nave continuou deslisando pelo escuro e infinito cosmo, alheia ao que seus ocupantes falavam ou professavam. Ela apenas cumpria seu papel de manter a vida e o bem-estar de todos os seus tripulantes e moradores. A Maquete, agora chamada de DNA da nave, com seus próprios meios, era a configuração de seu código genético original, que buscava meios para se ampliar, e melhorar os seus recursos para acomodar e preservar a vida de todos. Tinha também que se manter, se tratar e se refazer a cada dia, pois sabia que a sua jornada no tempo e no espaço, era longa. Muito longa. O que viria a seguir para uns era o acaso, para outros era a providência do criador de todas as coisas, inclusive da inteligência que o homem tem de criar sua subsistência enquanto Deus for servido.




No Interior da Colonial IV –


Encontravam-se à mesa no grande salão de reuniões, da nave Colonial IV, o comandante Ariano, Mayrilen e o androide. End, mantinha-se ocupado observando o seu comunicador implantado no braço esquerdo. Acompanhava o funcionamento da nave, quando detectou uma anomalia no laboratório de criogenia. Ele conferiu os dados, olhou de novo para uma nova conferência, e correu os olhos para os painéis de avisos, situados em uma das divisórias do salão. Ariano e Mayrilen, distraídos, não notaram, a princípio, as reações do androide. O assunto deles era muito importante, pois dizia respeito ao andamento de algumas mudas que fizeram, seguindo o método da estaquia, para algumas espécies. A intenção não era tanto a ampliação do pomar, mas deixá-las desenvolver até certo ponto para transformá-las em bonsais, futuramente, quando atingissem a idade ideal para isto. Mayrilen ficou muito interessada nas técnicas, tanto de estaquia, quanto da produção de bonsais. Até agora ela havia conhecido plantas de tamanhos quase iguais aos da terra, mesmo porque já haviam desenvolvido uma técnica para reduzir o tamanho de algumas espécies, em função do espaço disponível no interior da nave.

_Bem se conseguirmos bons resultados com os bonsais, podemos aproveitar melhor os espaços disponíveis, com outras espécies. Disse o comandante, olhando intensamente nos olhos de sua companheira, da qual estava enamorado. Seus olhos brilhavam sempre que se olhavam.

_Você pensa em extinguir as árvores maiores?

_Creio que não será necessário exterminar de imediato, mas elas têm um período de vida, e assim que morrerem, seu espaço ficará disponível.

_Bom. Não há mal nenhum em cortar algumas delas, pois já são tantas… Elas serão de qualquer forma transformadas em outros produtos. Até mesmo em matéria orgânica.

_Você tem razão… Nisto ouviram o aviso sonoro chamando a atenção para o comunicado do painel.

Olharam primeiramente para And, e depois para o painel de oled.

Ele já havia percebido, mas preferi conferir os dados, pelo menos três vezes, para depois alertar os companheiros, mesmo porque, poderia ser apenas a falência de um circuito de controle externo o que serria reparado pelo próprio sistema, em questão de minutos. Não quis incomodá-los sem necessidades.

_Vamos aguardar o comunicado, com tranquilidade. Disse o comandante.

_Não. Não pode ser. Outro problema com os reatores. Isto não pode acontecer novamente. Ela começou a tremer e esfregar as mãos, impaciente, e empalideceu de repente. Temendo que ela passasse mal, Ariano permaneceu ao seu lado, amparando-a pelo seu braço esquerdo, enquanto End providenciou um calmante.

_Acalme-se querida. Já passamos por isto antes. Com certeza é algo corriqueiro, e simples, que será corrigido rapidamente. Ela voltou-se totalmente para a proteção do companheiro. O pavor a estava perturbando. Ele a abraçou e procurou acalmá-la enquanto observava atentamente o comunicado.

_Com certeza não nada de errado com os reatores senhorita. Eu mesmo os observo constantemente. Os conferi a poucos minutos e estavam todos em ótimo estado. Seus sensores indicaram normalidade absoluta. A senhorita não tem com que se preocupar.

Os painéis inicializaram com claridade e estática a princípio, depois a confirmação de abertura dos software. Por fim o aviso, quando os nervos de todos estavam à flor da pele. O cérebro da nave comunicava com a fisionomia e voz de uma garota de cerca de dez anos, chamada carinhosamente pelos habitantes da nave, de Rainha. A nave por uma questão de economia de energia não comunicava através de hologramas, mas de monitores comuns.

_Aconteceu uma falha na câmara de criogenia número 3 b.

_É a câmera de minha irmã. Gritou Mayrilen e saiu correndo em direção ao laboratório. Foi preciso que Ariano a alcançasse e a segurasse para ouvir o restante da mensagem, enquanto a acalmava. And não desgrudava sua atenção ao complemento do aviso.

Rompimento circuito proteção sistema alimentação”.

“Causa: Sobreuso mudança frequência”.

“Conclusão: Sistema restabelecido com sucesso”.

“Usuário reavaliado. Segue curso normal criogenia”.

“Avaliação médica: Usuário perfeito estado. Encerrada transmissão”.

_Bem. Tudo resolvido em tempo. Mesmo assim podemos conferir pessoalmente caso queira senhorita Mayrilen. Confirmou o comandante.

_Foi apenas um dos circuitos de proteção do sistema que se rompeu, certamente em função de seu uso prolongado, o que é normal, somado ao fato de que na sua transferência para a nossa nave, a pequena diferencia de impedância gerou uma frequência paralela, causando stress de algum circuito integrado. Foi o diagnóstico do androide, confirmando a explicação da Rainha.

_Se não se importam, quero ir agora mesmo verificar se minha irmã está realmente bem. Afirmou Mayrilen, já mais calma, porém decidida.

_É normal que queira. Eu também estou interessado em ir.

Saíram os três em direção ao laboratório de criogenia, que ficava a cerca de 200 metros da sala de conferência. Para maior rapidez eles recorreram ao transporte robotizado, o qual obedecia comandos de voz, ou por bluetooth direto com o androide.

_Está mais calma agora minha querida? Perguntou Ariano depois que Mayrilen checou todo o protocolo, item por item, através do monitor da câmara criogênica de sua irmã.

_Está tudo bem. Olhem como ela é linda. Seus cílios e sobrancelhas grandes e negros contrastando com com sua pele rosada e lisa. Vocês teriam que ver os seus olhos, o seu sorriso. Ela é encantadora. Minha irmanzinha querida. Fique em paz. _Sentou-se ao lado, recostada sobre a câmara e contemplou longamente a garota adormecida, enquanto Ariano e And, de pé, ao seu lado, aguardavam sem reclamar.

A porta do laboratório se encontrava fechada, por isto tinham o tempo que precisassem.

_Vocês não acham melhor trocar todos circuitos das demais câmaras recebidas da outra nave, antes que também falhem? Perguntou Ariano ao androide, mesmo sabendo que era um procedimento desnecessário, pois o cérebro da nave era muito eficientes em detectar e contornar quaisquer problemas que surgissem em qualquer setor.

Antes de voltaram ao salão mais de uma hora depois, pois a moça aproveitou para visitar toda a sua família em suas câmaras, conferindo o estado de cada um deles, através dos seus monitores.

_Vocês não vão conferir o estado dos demais membros da tripulação? Perguntou a moça, se mostrando um pouco constrangida. Afinal ela sabia do nível de automação da nave. Completou: Desculpem pela pergunta, creio um tanto imbecil.

_Não tem que se desculpar. Acho normal você se preocupar com sua família. Você tem todos os motivos para isto. Estamos aqui para dar a você o apoio que precisar. Respondeu o comandante. E completou: O And já realizou a conferência de todos. Ele é muito rápido e eficiente. Estão todos bem. Graças a Deus.

_Estou envergonhada. Não precisava ter me alarmado tanto.

_Não se preocupe com isto senhorita. Não há nada de mal em se preocupar e questionar.

_Notaram o quanto a nossa nave aumentou o seu tamanho? Argumentou And, como que para descontrair e quebrar o siso da moça.

_É verdade meu amigo. As distâncias estão ficando cada vez maiores aqui dentro. No início íamos a qualquer ponto dela a pé. Agora precisamos de veículo.

Felizmente o cérebro da nave-mãe tinha esta previsão e aparelhou-a com estes transportes internos. Felizmente colocou nela, vários módulos de crescimento, e isto é feito sempre que há excedente de material solto no espaço, capaz de ser capturado.

_Como assim? A nave está aumentando de tamanho? Perguntou curiosa a moça, olhando nas lentes do androide, depois para o comandante. Agora mais calma ela procurou descontrair com outros assuntos.

_Sim ela tem aumentado substancialmente de tamanho nos últimos anos. Talvez não tenhamos notado, mas ela capturou um asteroide há cerca de um ano, e com sua matéria-prima, está incorporando novos estágios aos módulos.

_Não sabia que ela era capaz de se construir.

_Se construir por completo, ela não é capaz, mas de usar pequenos fragmentos colhidos no espaço para reconstruir peças e sistemas, até mesmo de acrescentar novos módulos é capaz. Essa nave é uma obra-prima da nave-mãe. Explicava Ariano com toda calma para a moça.

_Alias, a nave de vocês também tinha esse potencial. Talvez você não tenha notado, ou ela não tenha encontrado matéria-prima em sua trajetória para colocar em prática essa possibilidade. Acudiu o androide.

_Realmente, não me lembro de nenhum comentário a esse respeito, ou qualquer menção nos bancos de dados, em relação a possíveis trajetórias de materiais soltos no espaço.

_O espaço é realmente uma caixa de surpresa, apesar de ser intensamente estudado pelos nossos cientistas.

Uma perda de potência repentina nos motores fez com que a nave balançasse fazendo com que todos perdessem o equilíbrio. O susto foi enorme, pois foram pegos de surpresa. Objetos que não estavam devidamente presos foram deslocados de um lado para o outro, até que a nave estabilizou novamente seguindo o seu curso.

_A inercia já foi restabelecida comandante. Disse o androide sem mostrar qualquer reação emocional.

_Pode me dizer o que aconteceu And?

_A Rainha nos desviou de um pequeno bólido comandante.

Como a nave tem matéria-prima suficiente para digerir, ela preferiu desviar do fragmento. Mas não se assustem. Já está tudo sob controle. Já voltamos ao curso anterior.

_Preciso de um suco bem doce para me recompor. Disse Mayrilen, ainda se segurando em uma barra na divisória do hall onde estavam.

_Eu também preciso urgentemente de uma dose de glicose.

O comandante correu para junto da jovem, na tentativa de ajudá-la. Ela apesar de recostada à divisória já estava recomposta.

_Vamos aguardar o diagnostico da Rainha, para sabermos o que realmente aconteceu, e se houve algum dano estrutural. Foi a vez e a voz do androide que certamente não precisava de glicose para estabilizar suas simuladas emoções.

_Parece que desta vez não deu tempo para entrar em pânico. Foi muito rápido. Senti apenas um balançar rápido. Disse a moça ao comandante.

_Você está realmente bem, senhorita? Indagou em seguida.

_Sim. Eu estou bem. Foi apenas um susto passageiro. Como você está? Foi a vez dela perguntar, preocupada como seu marido.

Relatório. “Não houve, como previsto, nenhum dano estrutural. Apenas alguns sensores e circuitos terciários foram danificados, os quais já estão sendo substituídos. Não há com que se preocuparem. Como previsto, foi a melhor opção. O Bólido surgiu pela lateral justamente em um dos pontos cegos da nave. Encerrando relatório.”

Ouviram atentamente o relatório da rainha, depois sorriram uns para os outros e se abraçaram. Inclusive o androide.

_Creio que agora podemos retornar à sala de reuniões e retomar nossa conversa sobre o pomar de bonsais. Disse a moça.

_Não antes de tomar o suco e comer alguma coisa leve.

Antes de terminar a dita conversa, o comandante começou a olhar maliciosamente para sua companheira. Ela correspondia com sua discreta sensualidade que lhe era próprio, nos seus momentos menos informais. O androide percebeu o clima e se retirou discretamente do local, enquanto os dois ainda tomaram mais um gole do suco avermelhado que estava nos copos, e saíram para sua câmara. Na lateral do copo onde havia uma maior porção de suco, o reflexo do casal se retirando da sala, ia aos poucos perdendo a nitidez. Ele colocou a princípio, o braço direito sobre o ombro dela, o qual foi descendo pela cintura, depois, até suas nádegas, enquanto ela se virava para beijá-lo. A imagem sumiu da lateral do copo, bem como das câmaras espalhadas nos corredores. Alguém teria desligado, ou não havia mais ninguém que se importasse com elas.

A escuridão do imenso universo cercava a nave, mas dentro dela havia luz suficiente para que a tripulação tivesse atividade normal. As milhares de estrelas brilhavam, cada uma com uma intensidade e cor diferente, parecendo contar as suas características físicas. Cada uma mais distante do que a outra, cada uma mais bela, viva e convidativa do que a outra. Uma delas, tinha um brilho peculiar e parecia vislumbrar uma esperança de um planeta prometido. Deus estaria lá esperando a tripulação? É certo que sim. Responderia o comandante Ariano. Com certeza as estrelas brilhavam centenas de vezes mais do que quando vistas da terra, não por que estariam mais perto delas, mas porque não sofriam a interferência das luzes das grandes cidades. Neste momento, porém, não importava, pois não havia ali, ninguém para apreciar o esplendor delas. As portas da câmara se fecharam lentamente, não sei porque, pois, também, não havia mais ninguém para observar a volúpia dos dois únicos humanos acordados dentro daquela nave.

O futuro estava garantido através da aproximação de hormônios dos dois amantes.




Da Segunda Guerra Mundial ao Woodstock


Não era apenas no interior das naves coloniais que ocorriam conversas animadas, discussões intensas, pequenos e diversos problemas. Para a maioria deles a solução era encontrada na hora, e no local em que iniciavam. Na nave-mãe também. As pessoas se reuniam em seus locais favoritos para conversar, desabafar seus conflitos, reclamar de seus lideres e de membros da tripulação. Até mesmo de vizinhos, havia quem tecesse seus comentários. As vezes maldosos, as vezes elogiosos. Xingamentos, aconselhamentos, cantorias e jogos de xadrez e de cartas. Jogos de impacto, por que não, para os mais enérgicos. Por haver uma população grande, em um local relativamente pequeno, os problemas de diversas ordens eram frequentes.

Havia um estádio polivalente onde se disputavam partidas de futebol e outros jogos de impacto, um ginásio com várias atividades e práticas de esportes artísticos. Afinal, para uma população de mais de meio milhão de pessoas confinadas, todos esses fenômenos estavam infalivelmente presentes. Para os problemas mais sérios, a polícia, e um sistema judiciário estavam sempre prontos para colocar um fim. Afinal, quais eram esses litígios? Por incrível que seja, eram problemas pessoais. Como ninguém era dono de coisa alguma, questões cíveis quase não existiam. Até mesmo os módulos onde moravam e os móveis pertenciam ao estado politicamente implantado no interior da nave. Os veículos eram todos de natureza coletiva. Poucos veículos motorizados e muitos patinetes e bicicletas. Assim os problemas eram mínimos.

Escolas, lojas de departamentos, produtos manufaturados, nada tinha custos. Nada era personalizado com o propósito de não dar realce a uma ou outra pessoa. Para todos, tudo era igual. Vestes, calçados, medicamentos, acessórios, e tudo mais, de uso pessoal. Apenas os exoesqueletos eram produzidos sob medida, e individualizados, pois se ajustavam perfeitamente ao corpo de seu dono. Possuía características como compressão, isolamento térmico e radiativo, câmaras de oxigênio e sistema de ajustes automáticos. Tudo de acordo com o biótipo de cada um. Dificilmente o exoesqueleto de uma pessoa servia para outra. Fora isto, todos tinham tudo em comum.

_Assim, contava eu, e também que vi os registros de um documentário de um palestrante, feito alguns anos antes da unificação. (dizia-se unificação, ao processo governamental global, implantado a partir da nova ordem mundial). Ele falava para uma grande plateia. Era um entusiasta pelos costumes conservadores da terra. Enquanto falava ele percebia um grande número de pessoas que se mantinha de cabeça baixa, sinal de que tempos difíceis estava chegando para o ser humano.

Depois que vi este documentário, fiquei pensando, em como os costumes da humanidade mudaram em função dos últimos acontecimentos lá em baixo. Depois que a nave deixou sua inercia próximo da terra, já se foram tantos anos que nós aqui corremos o risco de ter perdido as tradições e os bons costumes dos nossos irmãos. Lá em baixo, como tem sido a vida, depois que foram obrigados por imposição de um governo autoritário, a deixar os costumes e as tradições familiares e religiosas? Afirmo, no entanto que, ainda hoje e aqui tão distante, sofremos a influência desse regime diabólico. Sou ciente de que ouvi apenas o que as autoridades permitiram que eu ouvisse. Mesmo em um discurso feito antes da unificação, bem poderia ser censurado. Por isto, posso até fazer uma avaliação equivocada. É claro que sempre fui dado a observar e investigar um pouco além óbvio. Mesmo assim, sei que falo por mim mesmo. Não quero, então, tirar a honra de quem foi além das minhas observações sobre o assunto. Creio que outras pessoas um tanto mais perspicazes do eu, tenham avançado nestas observações. Apesar de admirar os conceitos e os postulados filosóficos, sei, tenho minhas limitações. Mesmo sabendo que busquei com sistematização, fazer o melhor, sem jamais pretender ser o melhor naquilo que pretendi fazer. Por isto, quero afirmar que outras ideias precisam ser buscadas, outras análises, outras colocações, pois com certeza, elas existem. Hoje neste auditório, apenas repasso as ideias daquele homem de coragem.

Nunca, na história da humanidade, dizia o documentário, o homem experimentou tanta e tamanha transformação comportamental. E a rapidez com que estas transformações aconteceram, me assustam e me fizeram evocar de minha mente inquieta, e expressar este pequeno e simples discurso, na esperança de que ele alcance pessoas e as ajudem a também refletir sobre este fenômeno chamado transformação. A segunda guerra mundial em terra, durou de 1939 a 1945, é claro com os acontecimentos e as ênfases anteriores, as ideologias que levaram os homens do início do século XX ao que culminou na metade de século, com milhões de mortes e o empobrecimento de povos e nações. Poucas delas souberam superar a pobreza consequente desses últimos acontecimentos. Por outro lado o desenvolvimento de novas tecnologias se tornaram o gatilho de outros acontecimentos importantes para a humanidade. Infelizmente muitos deles para o mal, e a inquietação de muitos. Para outros tantos, os que souberam tirar proveito positivo desse desenvolvimento, benefícios, para eles e para toda a humanidade, o que aconteceu nos anos que se seguiram. Não podemos esquecer que tudo isto nasceu com o desejo do homem de se desenvolver e se transformar pessoal e tecnologicamente. Não quero aqui filosofar ou mesmo sacralizar sobre as motivações. Nem mesmo tecer críticas sobre eles.

Desde que o homem aprendeu a manipular o fogo, fundir e moldar os metais, a invenção da roda, das ferramentas, das grandes construções da antiguidade. Desde a invenção da escrita, da matemática, veio o piscar dos demais caminhos do conhecimento. Sempre, uma coisa levou à outra. Um conhecimento, ainda que incipiente levou a outro. Uma tecnologia, ainda que rudimentar, abriu as portas para o seu aperfeiçoamento e os caminhos para novas realizações. Cada dia mais aperfeiçoadas. O impossível, cada dia mais possível.

Há quem diga que estas transformações aceleraram com a revolução industrial ocorrida ainda no século XVIII, mas tenho minhas convicções tiradas a partir das minhas observações.

Certo é que, a partir da segunda guerra mundial, o mundo nunca mais foi o mesmo. Muros foram levantados para dividir um mesmo povo, passaportes foram criados para limitar e controlar as idas e as vindas de um país para outro. Documentos foram forjados para identificar vidas, e os costumes impostos para separar nações e povos. Ideologias para polarizar, e colocar inimizade entre pessoas da mesma família. A partir de então a guerra passou a ser travada nos bastidores e as armas foram, cada vez mais, inventadas e aperfeiçoadas com as novas tecnologias. Até que os muros começaram a ruir para novamente, integrar as pessoas e abrindo caminhos para a chamada globalização. Bom ou ruim? Perguntaria um filósofo. Não sei a resposta certa. Diz o outro. Se sei, e sei que sei, só posso concluir que sou racional. Vamos viver para contar? O certo é que quando o transistor foi inventado, com poucos anos de vida da válvula eletrônica, esta foi abandonada na prateleira do museu. Quando o circuito integrado foi inventado o transistor foi de certa forma esquecido, mesmo que no interior do conjunto integrado. A guitarra elétrica tentou sufocar o som do violão, e pelo menos, no coração do roqueiro ela conseguiu. Ele ficou em exposição nos fundos do palco. O motor de combustão interna sufocou o gasogênio e o locomóvel. O transistor, com o capacitor e resistor, selecionaram as frequências, e obrigaram-na a carregar impulsos que por sua vez foram obrigados a carregar informações, levando-as aos mais distantes rincões do planeta terra. Assim, carregando essas informações, rodearam o mundo levando e buscando conhecimentos, para mais transformações. Ainda que codificadas. O alto-falantes, com suas ondas sonoras, decodificou tudo novamente e ensurdeceu os frequentadores dos clubes com shows com seus megawatts.

Não creio que foi a música que transformou o homem, mas o homem com sua música transformou os comportamentos. Creio eu, que nem mesmo os Beatles com seus roques e baladas, tão admirados e venerados pelo mundo inteiro, influenciou tanto o homem quanto Festival de Woodstock. A partir dele, os homens passaram a usar roupas de mulheres, as mulheres usar as roupas dos homens. Aliás, ambos as diminuiriam tanto, e por fim, deixaram de as usar. Tudo parece que foi invertido. Cabelos longos para os homens e curtos para as mulheres. O pudor ficou enterrado sob o gramado e a lama de uma fazenda no município de Bethel, NY, enquanto o sexo foi banalizado e praticado sem preconceitos. Ao vivo, e já, em cores. A música viu a eletrônica alterar o som da guitarra, do órgão a pedal, dos violinos e dos contrabaixos. As baterias passaram à função de ensurdecer e não de marcar ritmos. Os amplificadores passaram dos Watts aos megawatts. O limite para tudo, eram as drogas naturais e sintéticas. A loucura ainda não tinha ido ao limite, por isto o homem continuou sua epopeia de transformação e chegou à lua. Enviou sondas para marte, alcançando plutão e os limites do sistema solar. Foram transformações muito profundas no comportamento humano tudo em menos de um século.

Mas não é só isto. Em pouco mais de cinquenta anos, o telefone preso se tornou celular, e trouxe a expansão e compactação do computador. Este saiu das universidades e chegou às casas, às mesas dos empresários, aos escritores e colunistas, compositores musicais, e aparelhou os departamentos do grande estado. Foi encontrado nas mochilas dos estudantes, nas bancadas das donas de casa, e escrivaninhas das delegacias de polícia. Poucos depois do rádio falar e cantar ao mundo inteiro, a televisão já estava colorida, exibindo filmes, novelas e noticiários nem sempre verdadeiros. Das histórias de ficção científica, a internete e os aplicativos cada vez mais complexos, que facilitaram e complicaram tudo ao mesmo tempo. Dos arquivos comprimidos gravados em minúsculos dispositivos rodantes, aos chips fixos, e aos arquivos universais. Das palavras e dos sons, aos impulsos. As literais dos alfabetos e algarismos se resumiram a zero e um. Aliás, um impulso e uma pausa. Ligado e desligado. Mesmo assim conseguiram expressar longos textos, figuras e as complicadíssimas fórmulas matemáticas, para resolverem as complexas fórmulas da física, da astronomia e das expressões químicas dos compostos mais ousados. A grande transformação chegou enfim à física quântica, que segundo ela, possibilitava estar em dois lugares ao mesmo tempo. Estamos hoje, no limiar da nanotecnologia, da clonagem, e da restauração do genoma através de técnicas de manipulação genética. Estamos no portal da criação de robôs e androides, cada vez mais parecidos com o ser humano, e dos ciborgues, que estão a caminho para modificar corpo do próprio homem com peças mecânicas projetadas e fabricadas a partir da nanotecnologia e da engenharia genética. Manipulação de células-tronco. Em breve, os complexos aplicativos passarão da inteligência artificial ao papel do DNA humano como temos em uso cotidianamente.

Toda esta tecnologia trouxe, sem dúvida, incríveis benefícios para o homem. Seria inútil citar estes benefícios, uma vez que são tantos, e seria impossível não esquecer alguns. Por outro lado temos a afirmar que o problema, o mal, não está na tecnologia, mas no uso que o homem faz dela. Não estaríamos vivendo no espaço celeste a tantos anos, e tanto quanto hoje, não fosse a capacidade que a ciência sempre teve de levar à população da infraestrutura em saneamento básico aos aplicativos para prolongamento da vida. A criação de medicamentos eficientes, de alimentos em abundância, medicina cada vez mais avançada e tantas outras facilidades em todas as áreas do viver humano. Transportes, meios de comunicação, produção de alimentos e produtos manufaturados, vestes, calçados, materiais e utilitários diversos. Não podemos esquecer que, em todos esses citados, o homem sempre encontrou e encontra meios de agir como meros criadores de intrigas e de mortes. Inventores que lutaram por suas patentes, até a morte, do seu concorrente, ou mesmo de seus colaboradores. Empresários que enriqueceram extremamente às custas de míseros salários pagos aos seus funcionários. Medicamentos placebo, criados unicamente para enriquecer um grupo de empresários, sem contar os que foram usados sem nenhum teste, levando à morte ou, a enfermidades crônicas, milhares de sere humanos. Por ai fora, há uma lista enorme de atitudes boas, e uma infinita, de atitudes covardes e diabólicas de tantos outros que buscaram unicamente o seu bem-estar e sua fama.

Com estes acontecimentos citados, o mundo virou do avesso. O que era para ser benção na vida do homem na terra, virou motivo de disputas, guerras, e de distanciamento de povos e pessoas. Motivo de enriquecimento de uns poucos e o empobrecimento da maioria. Em todos os países, em todas as culturas e em todos os povos. Por trás de tudo isto, a ideologia, a sede das transformações. Em qualquer ideologia, o princípio do mal é o mesmo: Eu e eu, e depois você, se sobrar alguma coisa. É a síndrome da self. Em primeiro plano, eu. Atrás de mim, pode estar, mesmo que seja, a pessoa que mais amo. Até mesmo o criador de todas coisas.

Podemos tirar lições de tudo isto? Perguntaria um filósofo com as pernas cruzadas e a mão direita segurando o queixo. Não encontrará a resposta, muito embora a tenha pronta, pois a procura, com uma das mãos descansando na perna, e a outra segurando o seu queixo. Pensando. Somente pensando. Deveria buscar a resposta onde ela existe. Mas este caminho já não é usado no final do século XXI. A ideologia deste milênio, sufocou até mesmo a filosofia de milênios. E quem diria? Até a.

Para entendermos o que está acontecendo, precisamos retomar o capítulo 24 de Mateus, na Bíblia sagrada. No livro sagrado dos cristãos. Para os cristãos, e os estudiosos do mundo atual, Mateus é o primeiro livro do Novo Testamento da Bíblia Sagrada. Nele Jesus Cristo clama ao mundo, a saga do final dos tempos. Enquanto a ciência diz que o nosso sol ainda tem alguns milhões de anos de vida, queimando seu combustível para nos dar subsistência, Jesus disse que devemos ficar alertas para o final, pois ele está próximo. Na Bíblia, final dos tempos, diz respeito à volta de Jesus Cristo para completar sua obra redentora. Para os cientistas o sol deve se tornar uma anã vermelha e queimar toda a água e a vida na terra. Para Jesus Cristo será em breve. Para os cientistas, em milhões de anos.

Quer o homem creia ou não, eu, prefiro crer no que disse o Mestre dos Mestres. O livro sagrado fala dos sinais que antecederiam a sua vinda, e estes sinais estão se cumprindo um a um. Falta muito pouco e não teremos mais sinais deste acontecimento único. Pelo menos no que diz respeito aos meios e modos como vivemos hoje em nosso planeta maravilhoso, único e cheio de vida.

Não pretendo fazer uma exegese do texto citado, nem tentar explicar o seu conteúdo, pois foge ao propósito de meus argumentos. O homem tem que entender uma coisa. Deus é, e sempre será Deus. O homem foi, e sempre será homem. Não adiante este se alinhar às força do mal para um enfrentamento. O Diabo tentou e se deu mal. O homem jamais poderá enfrentar seu criador. Jamais pode, nem poderá desafiá-lo, nem mesmo depois de viver com suas transformações e tecnologias, até que o oxigênio do sol se torne hélio e se queime por completo, mesmo que a sua tecnologia tremendamente desenvolvida, lhe dê meios para isto. Quem ousou desafiá-Lo, se tornou aquele que tem levado o homem à ruína, às custas de mentiras. Desde tempos remotos, tem mentido e tem enganado os incautos no sentido de que podem se tornar como Deus, conhecedor do bem e do mal. O homem não sabe ainda, sequer, discernir o bem do mal, muito menos se tronar igual a Deus, como aconteceu no Éden. Foi enganado no passado, é enganado no presente, e será sempre enganado por ele, o Diabo, pois ele se tronou o pai da mentira. O enganador.

Desde aquele início, muitos homens, tem tentado ser iguais a Deus, outros tem tentado chegar até Deus. Nem uma coisa nem outra, está em suas mãos. Jamais será Deus e jamais chegará até Deus pelos seus próprios meios. Pelos seus próprios caminhos. Pelas suas próprias ideologias ou doutrinas.

Seu primeiro erro de avaliação, foi ainda no Éden. Depois ele tentou construir uma torre para chegar até o céu. Não deu certo. Inventou imagens de escultura para estarem próximas a ele em forma de adoração. Eram deuses para todos os gostos e todos os caprichos. Para todas necessidades. Não deu certo. Construiu templos e imagens de mármore branco, queimou seus filhos em braços de ferro, em fornalhas ardentes, e os deu às feras do campo e do mar. Bebeu sangue de animais, de mulheres virgens e até de crianças. Empreendeu guerras e grandes conquistas para agradar os seus deuses. Não deu certo. Ainda nos nossos dias, inventou uma pequena luneta, chamado-a de telescópio e disse que vasculhou os céus e não viu Deus. Outro imbecil entrou em uma minúscula bolha, foi arremessado até os limites da nossa atmosfera, a uma distância de apenas 315 km da terra, permanecendo pouco mais de uma hora. Quando voltou, afirmou que rodou os céus e não viu Deus. Não era mesmo possível ver Deus, nestas circunstâncias.

muitos anos, alguns homens de ciência tem tentado encontrar provas da existência de Deus, quer dizer, tem buscado por Deus, e, é claro, não tem conseguido, mesmo porque sua intenção é dizer que Deus não existe. Se não encontra provas de sua existência, como querem, afirmam que Ele não existe. Diz que o universo foi formado a partir da explosão de uma partícula infinitamente concentrada, da qual deu origem ao universo e tudo que nele existe, dentro de um processo explicado pelos teoremas da singularidade. Eles tem, por meios matemáticos, tentado explicar os fenômenos celestes, medir o espaço onde existe algum vestígio das partículas remanescentes da explosão. Tem buscado respostas e dado explicações, sempre na intenção de colocar Deus de fora do processo da criação. Com suposições, chamadas de teorias, tem afirmado uma coisa, depois outra e mais outra, sem contudo comprovar nenhuma delas. Querem na verdade, alguns, eliminar o Deus criador, do intelecto humano. Assim estará livre para criar deuses que lhes satisfaçam, ou que exerçam a sua vontade. Não tem dado e nem dará certo, em momento algum. Por mais que suas teorias sejam complexas e bem elaboradas. Serão sempre teorias. Nunca poderão ser comprovadas. _Onde estava a partícula extremamente densa quando foi formada. De onde surgiram seus elementos? Ha muita coisa, sem explicação. A partir do limite do universo, o que existe? Dizem eles que existe o vácuo, mas se esquecem de que o vácuo, ainda que absoluto, ainda é um lugar. Ou alguma coisa. Um lugar onde nada existe. Um lugar que não existe. Onde não existe matéria, mas existe ausência de matéria. Então é um lugar que existe. A questão é a mente humana. Ela não foi projetada, desenhada, e construída para entender certos fenômenos. Não poderá entender e nem explicar Deus, a seu modo. Não consegue ainda entender, nem mesmo o espaço e o tempo em que está inserido. Como entender quem os criou.

Ultimamente, o homem na tentativa de ser religioso, tem criado e anunciado por meio da televisão, da internet e demais meios de comunicação, um deus, bonzinho. Um deus que é todo bondade, todo amor, e que perdoa toda maldade, porque a maldade é consequência dos desaventos humanos. Ele vai dar um jeito em tudo isto, porque somos todos, como ele, bons. Esse deus não julga, não castiga e nem condena ninguém. Ele agrada a todos e faz a vontade de todos. Um deus complacente. _Não vai dar certo, porque o Deus verdadeiro, criou todas as coisas e determinou padrões, princípios de conduta para tudo e para todos. O universo tem um padrão de funcionamento que é imutável. Incompreensível. Os planetas e tudo que neles estão, tem um princípio, uma lei para seu funcionamento. O homem está incluído, pois é parte dele. O mal e a sua possibilidade já existia antes da criação do homem, e este escolheu, num determinado tempo, segui-lo, obedecê-lo, porque isto sempre foi mais fácil e mais atraente. _Os planos do homem não vão dar certo. Posso afirmar com propriedade.

Hoje eu fico pensando, com temor e tremor. Desde que as informações chegaram nos lares, o quanto mudamos. O quanto nos transformamos. Seja por meio dos livros, dos jornais, por meio do cinema, da televisão e da internet. Todos eles mal selecionados. Aos poucos esses meios de comunicação tanto trouxeram informações positivas, boas e edificantes para a vida espiritual, como introduziram de maneira sutil, subliminar, as mentiras, ou meias verdades, das ideologias do anticristo. Eu pergunto entristecido: Como nossos antepassados deixaram que essas coisas perniciosas, essas falsas verdades entrassem em suas casas, para serem ingeridas por eles e seus filhos? Como puderam permitir que o mal adentrasse de maneira subliminar e tão atrativa em seus lares, especialmente através da televisão, do cinema e da internet. Hoje, com certeza, os que querem voltar atrás já não poderão mais. Estão totalmente doutrinados pelo mal, por meio destes veículos.

Desde a criação, o verdadeiro Deus, o criador de todas as coisas, escolheu para o homem, um caminho até Ele. Avisou através da lei, dos profetas, dos apóstolos, das Escrituras Sagradas, qual era o caminho a ser seguido. Este caminho se chama Jesus. Este é o único caminho para o homem chegar a Deus. O homem não tem a capacidade de ir, mas Deus veio ao seu encontro, através da vida e da obra de Jesus Cristo. O que Ele requer do homem, é unicamente arrependimento e crença. Crer neste Jesus e sua obra em seu favor. Ter fé. Simples assim. O que passar disto é idolatria, é desobediência. Ir pelos caminhos de Deus, isto sim, dará certo.

Portanto, cuide-se o homem porque o mal, é na Bíblia Sagrada também chamado de Anticristo, e como ele não pode lutar contra o próprio Cristo, porque já foi derrotado, ele tem lutado contra o homem. Desde o Éden. Agora mais do que nunca ele está nesta luta através de seus emissários. Portanto a nossa luta hoje, não é contra as forças ideológicas, políticas ou religiosas. Nossa luta é contra um inimigo maior, contra as forças dos emissários enviados pelo próprio Satanás. “Nossa luta é contra as potestades do mal.” Não se enganem, pensando que o mal está neste ou naquele político, nesta ou naquela ideologia, mas contra os principados e potestades deste mundo tenebroso. Desde que o homem descumpriu a primeira ordem ainda no éden, Satanás o tem enganado com mentiras e meias verdades, suas armas prediletas. Ele tem abraçado o homem com o braço esquerdo e o apunhalado com a mão direita. Mesmo assim o homem não tem percebido isto.

Deus não aguardará a fornalha de hidrogênio do sol se queimar, para que o homem seja incinerado por uma gigante vermelha. Muito embora o segundo livro de Pedro 3:10 diga que Virá, entretanto, como ladrão, o Dia do Senhor, no qual os céus passarão com estrepitoso estrondo, e os elementos se desfarão abrasados; também a terra e as obras que nela existem serão atingidas”. A ciência afirma que isto se dará em aproximadamente 5 bilhões de anos, mas, os sinais bíblicos apontam para outra situação. Ela leva em conta a situação de pecado do homem, desde o Éden.

Homem, não se engane e nem se deixe enganar. Não caia nas mentiras do mal. A ciência é bela e já trouxe incontáveis benefícios para a humanidade, mas uma coisa é criar benefícios, outra é lutar contra o criador da ciência. Posso garantir que trabalhei minha vida ativa com a ciência e até escrevi sobre metodologia científica. Mas aprendi que a metologia científica segue por uma caminho, a fé segue por outro. São paralelos e jamais se encontrarão, pois enquanto a ciência busca respostas, a fé espera milagres. E milagres só podem ser produzidos através da fé, pelo Ser Supremo, pleno, criador da ciência e da fé. O que passar disto vem do maligno. Vem do Diabo.

Digo mais uma vez: Homem, não se deixe enganar. Use a ciência para sua sobrevivência e facilitação da sua jornada aqui na terra, ou mesmo no espaço, onde estamos, mas tenha fé, e fé somente, de que ao modo Dele, tudo dará certo. Nos encontraremos com Ele, como Ele mesmo afirmou. Esta é a maior transformação que esperamos.

Tudo isto foi dito e argumentado a milhares de quilômetros de distância da terra. Será que o Deus criador de todas as coisas se restringe a terra ou ao universo infinito?




Caso de Depressão no Interior da Nave Mãe


Enquanto uns se preocupavam com recordações, outros se ocupavam com filosofias. Outros ainda preferiam conversar animados nos bancos de uma praça qualquer na área central da cidade. Um dos pontos mais frequentados ficava no piso intermediário do grande espaço habitacional da nave. Era o maior complexo habitacional. Lá, também as conversas eram, não só animadas e variadas, como tinham assuntos para todos os gostos e níveis culturais. É claro que havia pessoas de vários países e culturas diferentes, falando ou tentando falar a mesma língua. Ao mesmo tempo tentando preservar sua cultura. Muitos dos ocupantes da grande nave, vinham de civilizações muito tradicionais e extremamente fiéis aos seus costumes antigos. Não queriam por nada, trocar os seus, por uma nova vida, com uma nova língua. Mesmo que houvesse uma tendência muito incisiva em que todos falassem o mesmo idioma, isso parecia ser impossível. Ao ponto de os comandantes e governantes haverem chegado a conclusão de que era saudável que esses costumes antigos sobrevivessem, mesmo que fossem para serem contados ou lembrados pelas gerações futuras, quando estivessem em sua nova terra.

_Quem sabe não vamos para uma nova terra, mas quem sabe um novo planeta chamado Toa, ou outro nome qualquer, situado na estrela, Sírius, ou Vegas, ou Alpha Centauri, quem sabe, em fim, um novo planeta. Não importa a direção, ou o quadrante que se encontram, nem se estão a 4, 8 ou 25 anos-luz de distância.

_Podemos chamar esse novo planeta de nova terra. Nada ha que nos impeça.

_É verdade. De repente chegaremos em um planeta ainda não batizado. Assim podemos chamá-lo terra. Não é mesmo?

_Terra II. Que tal?

_É mais plausível dizer quantas gerações se passarão até esta nave alcançar o local ideal.

_Espero que os cientistas da nave-mãe desenvolva impulsores mais rápidos do os nossos. Caso contrário...

_Para mim tanto faz. Com certeza a nossa geração e tantas outras morrerão no espaço antes disso. Disse um senhor de meia idade, um tanto desiludido. Ele amanheceu nesse novo dia, em uma penumbra de romantismo, e um princípio de depressão se abateu em seu coração. Por isto procurou a praça para tentar aliviar suas desilusões conversando com seus velhos amigos. Era o seu dia de folga no trabalho e por não ter o que fazer, saiu para conversar com amigos ou quem sabe, fazer novas amizades. Tomou esta decisão ainda em estado depressivo, e mesmo assim conseguiu sair de casa. Sua atividade no interior da nave era nada entusiasmante, então andava meio descontente. Estava mesmo a ponto de pedir uma transferência, mas a direção ainda não havia encontrado ninguém que o substituísse nas suas atividades.

_Acho mesmo que devo dar cabo de minha vida, pois isto aqui é um tédio ao quadrado. Pelo menos para mim. Retrucou.

Todos pararam de falar e estatizaram no lugar onde estavam. Arregalaram os olhos em assombro e olharam todos ao mesmo tempo para o homem que desconfiado abaixou a cabeça e levou a mão até os cabelos e também parou de movimentar-se. Por alguns segundos todos ficaram parados, até que, por fim, alguém conseguiu reagir.

_Estou a ponto de gargalhar, tendo em vista que todos pararam no tempo e no espaço, como num filme de ficção científica. Só me contive porque a situação não cabe outra atitude a não ser investigar e tentar ajudar nosso amigo Valdivino das Neves.

Valdivino era um velho conhecido nestes encontros, porém como um indivíduo alegre, conversador e solícito. Somente depois deste encontro é que revelou seu lado um tanto sombrio. Ele sabia muito bem como disfarçar seus momentos de desilusão. Nem mesmo sua família sabia de tudo que lhe ocorria.

_Meu amigo, o que está acontecendo com você? Sempre o vimos esbanjando alegria, e pronto para dar um abraço em quem precisasse.

_Me desculpem todos vocês. Creio que hoje não é o dia em que se deve sair de casa. Pelo menos para quem está na minha situação.

_Para. Para. Pelo contrário. É num dia como este que devemos sair de casa e procurar os amigos. Você fez muito bem em vir hoje a esta roda de amigos.

_Verdade. Não havemos de contar certos problemas para o psicólogo, que tem regras prontas para as situações do dia a dia. Os amigos, sim. Estes devem estar prontos para ouvir e se possível aconselhar.

O assunto era envolvente, pois todos os reunidos eram amigos de muitos anos na mesma situação. Viviam no espaço desde crianças. Nasceram no interior de uma nave espacial, e não tinham a esperança de sair dela com vida. E todos tinham consciência situação.

_Tenho ouvido e sei que para muitas situações, um abraço vale mais do que mil palavras. Somos seus amigos e estamos aqui, com você, para o que der e vier.

_Isto mesmo. Além do mais, todos nós temos nossos problemas, e somos testemunhas de que nos reunimos aqui para compartilhar alegrias e tristezas. Falar de problemas e buscar possíveis soluções.

_Nossas longas conversas valem mais do que uma cartela de comprimidos. Afirma outro companheiro de jornada e de conversas. As vezes conversa mole, as vezes conversas sérias.

_Quer nos contar o que está acontecendo amigo? Disse um senhor que sempre tomava as inciativas quanto o assunto era ajudar.

_Se quiser desabafar, garanto que ninguém interferirá enquanto você não solicitar. Todos calados não é amigos? Foi um musculoso e desgordurado, que além de conversar na praça, não fazia outra coisa a não ser malhar e incentivar os outros a fazerem o mesmo. Até tentou trazer alguns aparelhos para a praça, mas não deu certo. A maioria dos frequentadores desse local queriam mesmo conversar. De preferência, literalmente jogar conversa fora. Apesar de seu jeito extrovertido e autêntico, sabia muito bem a hora de calar para ouvir, e a hora de falar. Era um sujeito bem resolvido, e que aprendera a duras penas a dominar seus impulsos narcisistas. Além da leitura da Bíblia Sagrada, a academia e as artes marciais o ajudaram a se colocar no lugar dos necessitados. A mostrar sua empatia.

_Não sei o que está acontecendo. Disse Valdivino. Não sei como posso ter tanta saudade de um tempo e um lugar que nunca me pertenceu. De um lugar que nunca conheci. De uma família que nunca vi. Tudo isto me parece vivo demais para ser esquecido e não permitir que me torture tanto. Quero deixar de pensar, mas não consigo. Sonho sempre com essas pessoas, e tudo me parece muito real. Sempre que acontece fico um tanto deprimido. Nos meus sonhos, nunca os vejo, mas sinto a presença de cada um deles. Falam comigo, andam comigo, me abraçam me visitam, mas no fim, sempre acordo antes do final da história. Muitas vezes estou caminhando por uma estrada cheia de curvas e de empecilhos, subidas íngremes e decidas escorregadias, que nunca me levam a lugar algum. Estou sempre tentando viajar para um lugar que não conheço, e jamais consigo alcançar o transporte, ou então ele não consegue chegar ao seu destino. Muitas vezes estou em um lugar estranho, desconhecido, e me perco entre construções antigas e em deformadas. São labirintos de paredes meio destruídas, tetos que não conseguem proteger ninguém. Pátios áridos com cercas intransponíveis. Por fim não consigo voltar para casa, pois acordo antes que isto acontece. Minha vida tem sido assim, como nos meus sonhos, pois tudo que inicio não consigo terminar. Quando termino não funciona. Não consigo acertar em nada. Até hoje tenho vivido sem um propósito definido, pois tenho medo de começar mais algum projeto e não dar certo.

O silêncio pairou no ar ao redor dos amigos, e por alguns minutos ninguém ousou falar um apalavra sequer. Valdivino pegou a todos de surpresa, pois a maioria absoluta dos ocupantes da nave, recorriam ao Divã com um profissional em aconselhamentos. Sempre que alguém tinha algum problema de ordem emocional, ou precisavam de aconselhamento espiritual, recorriam a esses profissionais, pois eles estavam em vários consultórios e igrejas, disponíveis para quem precisasse. Foi a conclusão que chegou a liderança da nave, logo nos primeiros anos no espaço. Era recorrente esse tipo de problema, assim como era, procurar ajuda. Era por assim dizer, o mal do espaço. Também não era para menos, pois todos tinham notícias de que na terra a vida era agitada, com infinitas opções, mesmo com toda restrição ideológica e política. Agora estavam de certa forma limitados ao interior de uma nave, que embora muito grande, era uma nave e não possuíam como na terra, um dia claro e uma noite escura, se repetindo naturalmente por milhares de anos. As quatro estações, assim como o dia e anoite, eram apenas simulações. Sem contar com todas as possibilidades de um planeta maravilhoso como a terra. Inclusive, apesar das limitações, para algumas pessoas ainda era possível fazer viagens de turismos, compras e diversas possibilidades de aventuras. A maioria das pessoas sugeriam que sentiam ter um forte vínculo com a terra, mesmo tendo nascido no espaço. Sonhavam com situações e ocorrências da vida na terra.

O ser humano é extremamente adaptável, mas em muitas situações, isto pode levar anos e até séculos. Não é coisa fácil para muitos, e as consequências disto são diversas. Mesmo porque somos fruto do meio, creio, pelos menos em certos aspectos. Há pessoas que resistem às mudanças por mais rotineiras e simples que pareçam. E sentem os efeitos disto em curto ou longo período. Para o Senhor Valdivino a situação não era mero capricho. Ele não se dava ao luxo dos caprichos. Era um individuo ativo, inteligente, além de extremamente solícito e amigável. No trabalho era muito eficiente e produtivo. Mas tinha suas recaídas e sofria calado com tudo isto. Se mantinha calado e resignado diante de certos problemas, por dias ou meses, mas, de repente, o mundo caía sobre si e então entrava em estado depressivo. Procurou ajuda inúmeras vezes, com profissionais diferentes, mas o resultado era sempre o mesmo. Por alguns dias vivia os efeitos do aconselhamento e dos medicamentos antidepressivos. Desta vez resolveu não procurar ajuda, a não ser dos velhos amigos. E creia, foi assim que encontrou a ajuda que precisava, pois amigos, como diz a máxima, são para estas coisas. Amigos são realmente para os amigos, a solução de muitos problemas.

_Os médicos me aconselharam a procurar uma clínica de criogenia, mas isto me pareceu covardia, pois a nave-mãe precisa de minha mão de obra, para ajudar a manter a vida de centenas de pessoas.

As câmaras de criogenia na nave-mãe eram insuficientes para tanta gente, e ainda havia o caso de operadores de certas atividades que somente os humanos podiam fazer. Por isto tinham que se manter ativos.

_Fique conosco todas as vezes que precisar de uma boa conversa para se distrair.

_Ou de bons ouvintes quando precisar desabafar.

_Contar seus sonhos… acudiu outro amigo.

Alheias a discussão e ao que se passava na praça, um grupo de crianças brincava e corria por entre os bancos e árvores. Um deles escondia um objeto enquanto os demais permaneciam com os olhos tapados pelas próprias mãos. No momento em que o comandante gritava, procurem agora, todos abriam os olhos e saiam em busca do objeto escondido. Quando alguém encontrava era a sua vez de esconder o objeto, que por sua vez, teria que ser outra coisa. Assim a brincadeira ficava mais empolgante e todos gritavam, riam e davam saltos de alegria. Às vezes se alteravam, brigavam, discutiam, se apelidavam, mas no final todos eram amigos novamente e não guardavam rancor nem ficavam depressivos.

Ao terminar sua confissão, Valdivino silenciou e abaixou a cabeça. De pé, ele colocou as mãos nos bolsos do sobretudo de cor beje que trazia sobre a camisa branca. Era assim que muitos homens gostavam de usar sobre o exoesqueleto, que tinha uma aparência não muito elegante, apesar de marcar muito pouco o corpo de seu usuário. Algumas vestes um pouco fora do padrão no interior da nave, eram confeccionadas em casa pelos mais habilidosos. Assim podiam se exibir e também, a título de cortesia o faziam para os amigos mais chegados. Sem custos, é claro, uma vez que naquele ambiente não existia moeda de troca, com valor fixado e controlado pelo mercado ou pelo governo.

_Bem, amigos. Eu tenho um sonho que me acompanha desde minha adolescência. Disse o musculoso e desgordurado, agora, meio desajeitado. Parecia confuso, mas animou-se a narrar os seus sonhos. _Não é desses sonhos de quem está acordado não. A noite quando durmo pesado, sempre me vejo subindo uma montanha muito íngreme, cujo pico se encontra coberto de uma camada muito branca. Creio que é neve, ou nuvens esparsas que passam pela mesma, formando figuras, às vezes humanas, às vezes de animais diversos. Tento escalar a montanha mas o frio e a baixa gravidade sempre me impedem de continuar. Tenho que voltar ao ponto de partida. Muitas vezes estive quase no topo da montanha, mas era obrigado a voltar, pois estava ficando noite escura e não tinha levado abrigo para passar a noite num local tão difícil. Sempre que sonho acordo assustado. Não sei o que pode ser se nunca estive na terra para conhecer e escalar uma montanha, com neve. Nossa gravidade é controlada e nunca experimentei coisa diferente. Acho muito estranho mesmo.

_O meu sonho também é muito estranho. Disse um senhor que até então se mantivera ouvindo e observando atentamente seus companheiros. Nesta altura ele entrou na conversa e antes que outro pudesse começar a falar, ele não perdeu tempo.

_Estou sempre sendo perseguido por uma espécie de aeronave desconhecida, que sobrevoa minha casa e parte da cidade. Ela é sempre ameaçadora e parece que a qualquer momento vai despejar bombas ou seres vivos agressivos sobre mim e a população. Tento esconder, mas onde quer que vá, a nave está me sobrevoando, observando e ameaçando. É sempre uma agonia, pois ela é muito estranha e ameaçadora em si mesma. Certo dia enquanto uma delas sobrevoava minha casa, ela deixou cair uma tropa de seres indestrutíveis e pareciam prontos para me atacar. Corri o mais que pude. Passei dentro de nossa casa, saltei para um quintal vizinho, caminhei rápido por entre postes de concreto e árvores. Eram estacas altas que sustentavam um grande número de fios. Sempre vejo em filmes com esta espécie de postes e fios, mas nunca entendi a sua finalidade. Sei que alguém da família me acompanhava e parecia disposto a me defender, mas as criaturas não davam trégua e avançavam. Nada podia detê-los. Me escondi dentro de uma construção antiga, sem teto, com paredes enfumaçadas e sujas, quando um deles apareceu na porta já destruída. De um salto pulei da cama, sendo atendido por minha mulher, que queria saber o que estava acontecendo.

_É aquele sonho novamente meu velho?

_Sim. Disse a ela meio sem fôlego. Ela saiu em busca de um comprimido calmante e um copo com água.
Sem poder falar mais uma palavra, outro atalhou a conversa e iniciou a sua saga noturna.

_Pesadelos, por pesadelos, eu também tenho os meus. Minha vida noturna é nada pacata. Tenho pesadelos quase que todas as noites. Creio que já me acostumei com eles, a ponto de não ligar. O certo é que me acompanham desde que tenho lembranças.

_O senhor nasceu nesta nave. Como pode sonhos assim?

Acrescentou um outro amigo, creio, querendo interrompê-lo. Também tinha seus problemas para contar. Na verdade não eram sonhos, mas projetos inacabados. Desde que teve sua iniciação como poeta, ou como cientista ou inventor, como sempre quer a maioria dos adolescentes, ainda não tivera a chance de realizar nenhum dos sonhos.

_Na verdade, eu queria ser músico. Mas queria inventar meu próprio instrumento. Como não tinha ferramentas nem materiais adequados, não sabia o que fazer. Cheguei a fazer alguns projetos interessantes, os quais foram reprovados por meus pais e meus professores. _O problema é que não temos materiais para isto aqui na nossa comunidade. Não podemos requisitar do cérebro, pois ele é sobrecarregado na produção de alimentos e objetos de primeira necessidade. Diziam. _O tempo passou, me tornei adulto e fiz faculdade de astronomia, com especialização em estrelas de nêutrons, por serem estas as maiores preocupações para quem viaja pelo espaço celeste como nós. Desde então tenho ficado todo o meu tempo útil, à procura desses objetos que podem estar escondidos por trás de uma estrela gigante ou de uma nebulosa. É claro que depois de mapeadas adequadamente podemos levar ainda dezenas de anos para sermos atingidos por seus raios mortais, mas a ordem, e a necessidade é estar sempre alerta. Por isto, me dedico tanto e procuro fazer o melhor que posso estudando incansavelmente sobre elas com todos os recursos disponíveis.

_Muito nobre de sua parte, esta preocupação amigo.

_Achei. Gritou a criança que estava procurando o objeto escondido. Ele estava bem perto do grupo de adultos. Quando gritou todos assustaram e começaram a indagá-lo.

_Achou o que menino? Uma supernova, ou uma estrela de nêutrons?

O menino estatelou os olhos enquanto olhava firmemente para o homem que fez a pergunta.

O que o senhor disse? Perguntou o menino meio confuso. Tentando se esconder por trás de uma árvore da praça.

_Nada não meu filho. Nós também temos o direito de brincar. Não acha? Volte para sua brincadeira.

Todas as crianças correram para onde o achador se encontrava, e rodearam o grupo de idosos, com curiosidade própria das crianças. Toda a atenção voltou-se para os garotos curiosos que perguntavam a respeito do assunto dos mais velhos.

_Também queremos conversar com vocês. Podemos? Sobre o que estão falando? Ouvi alguém falar sobre estrelas de nêutrons, e queremos saber sobre elas.

_Prefiro ouvir sobre a nebulosa que teremos de atravessar e seu limite está a menos de trinta anos. É o que disse o nosso professor de astronomia.

Outro garoto entrou na conversa. _É a disciplina que mais gosto. Disse ele limpando o suor que escorria pela sua face, e já havia molhado boa parte de sua camisa.

_Como é boa a vida de criança. Afirmou o sem gordura na intenção de tirar as crianças de cena. Não funcionou.

_A vida de adulto não me parece nada ruim. Vocês ficam sentados nesta praça, jogando, conversando por horas e ainda dizem que vida de criança é que é boa Ora esta.

_Brincamos, mas temos nossas tarefas escolares, e ainda ajudamos nossos pais nas tarefas de casa. Isto é que é vida dura. Disse um terceiro.

_É verdade. Enquanto meu pai está em outra praça fazendo o mesmo que vocês, fico em casa cuidando de tudo e ainda fazendo tarefas. Sobra pouco tempo para as brincadeiras.

_Por falar nisto, porque não estão na academia treinado luta livre ou se exercitando. Acudiu o desgordurado.

A conversa foi longe, agora entre os adultos e as crianças, até que um novo assunto foi levantado, desta vez, por uma garota de uns dez anos.

_Vocês acreditam mesmo que encontraremos um planeta adequado para a vida humana?

Os adultos calaram diante da pergunta. Aquilo que o senhor Josias queria saber a poucos dias atrás, agora uma criança desperta o problema.


_É. Parece que ninguém aventou esta hipótese. Disse o próprio Valdivino, já um tanto mais descontraído, não sei se pela presença das crianças ou pelos traumas dos demais colegas.

_Faço esta pergunta para vocês, crianças, porque nós com certeza, não chegaremos a planeta algum. Mas vocês, crianças o que acham?

_O mais animado da turma apressou-se a responder quase que por enigma. _Bem, estamos nesta jornada e quem sabe se chegaremos ou não, só a história vai revelar. Se não chegarmos, vagaremos pelo espaço assim como a velha terra também vaga em torno do sol e o próprio sol, vaga pela da galáxia a milhares de anos. Todos viajando pelo cosmo sem fim. Que diferença faz?

_Todos emudeceram por instantes.

_Tudo fica parecendo filosofia espacial. Sussurrou alguém.

_É verdade. Se até a nossa galáxia vaga sem destino pelo cosmo, porque não poderíamos nós também? Sabias palavras garoto. Está de parabéns. Uma salva de palmas para ele. Gritou o próprio Valdivino.

_Esta nave pode crescer e criar uma atmosfera própria e até podemos passar para a periferia dela. Outro garoto afirmou entusiasmado.

_Semelhantemente a terra? Porque não vivermos no interior mesmo, onde a nossa tecnologia pode nos manter e fazer crescer por dentro como uma cidade da terra cresce por fora?

_Esse assunto está muito filosófico, ou pura ficção. Prefiro vier na realidade, seja ela qual for. O que tiver de ser, será.

_Com a tecnologia desta nave, qualquer planeta pode ser adaptado para vivermos. Foi a vez da garota interferir novamente.

_É verdade. Se vivemos aqui, podemos viver em qualquer planeta. Ele será apenas o palco para nossos pés. Um adulto, enfim restaurou os ânimos de todos.

_Muito bem, gostei das sugestões de vocês, e confesso que as às vezes fico intrigado com a hipótese de nunca encontrarmos esse planeta. Vocês aparecem com as possibilidades mais reais do que as nossas.

_Confesso que isto me assusta, mesmo sabendo que eu mesmo jamais chegarei a planeta algum. Tendo em vista minha idade. É claro.

_É. Mas enquanto vivermos, daremos a nossa contribuição para que as gerações futuras cheguem a algum lugar. Não é mesmo, companheiros?

Adultos e crianças? Pergunta o garoto mais desinibido.

_Certamente. Adultos e crianças.

_Com isto, quem sabe a terceira ou a quara geração que virá, pode muito bem encontrar um lugar para dar continuidade a nossa espécie de homo sapiens. Mesmo que tenhamos de viver nas cavernas novamente. Só que em outro estilo de vida.

Quem sabe se conseguiremos produzir o motor quântico para dar o instantâneo salto para outro mundo? Os garotos têm sonhos ousados. Alguém sussurrou.

_Terceira, quarta ou a décima geração. Quem sabe! O importante para nós não é o resultado final, mas o impulso que podemos dar a nossa espécie.

_Filosofou bonito garotão. Foi a vez de Valdivino já bastante alegre.

_É verdade. Não sei de quem, mas herdamos o instinto de sobrevivência ou de preservação da espécie. Por isto a nossa espécie já dura tanto.

_As crianças de hoje tem isto no seu DNA e estão mais atentas a tudo, e cada dia mais espertas. Estão de parabéns crianças.

_Eu mesmo quero viver muitos anos e chegar a algum lugar, mesmo que seja quando estiver bem velho. Disse um dos garotos que até então se mantivera calado.

_Quero viver para contar a nossa saga, e espero que quando eu morrer, outros continuem contado a partir de onde eu parar. Disse uma garota de olhos espertos e sorriso largo. Ela era uma espécie de mulher guerreira, e onde havia alguém conversando, brincando ou trabalhando ela estava tentando ajudar. Saiu saltitando entre um pé e o outro, dando votas em torno do grupo.

_Sábias palavras. Mas você já começou a contar esta história? Nossa epopeia? Perguntou Valdivino à garota elevando a voz para ser ouvido por ela.

_Não creio que faça uma epopeia, mas prefiro algo mais realista. Meu gosto por ficção é penas para leitura. Gosto de escrever coisas reais. A propósito, gostaria de ouvir dos senhores sobre as relações pessoais no interior da nave, e o que sabem sobre a vida humana na terra.

Foi a argumentação da garota, e isto fez com que o assunto sobre traumas tivesse um fim. Passaram a refletir sobre o interesse e a sabedoria dos garotos, que apesar de estarem em uma brincadeira no momento, tinham na alma, um sentimento sábio e visionário.

_Quero o depoimento de vocês. Gritou a garota apelidada de Gute, que já se encontrava longe do grupo de idosos. Saiu saltitando em um dos pés, depois no outro. Talvez, tentando imitar os garotos na terra quando saíam para uma aventura.

Crianças, a esperança da continuidade da vida e da cultura. O amanhã das nossas vidas. A elas pertence a vida e a história.




Colonial III - O feixe de Elétrons


A nave Colonial III deslizava pelo espaço escuro ainda no Braço de Orion de nossa galáxia. Seu movimento era inercial, pois seus reatores geravam energia para completar a carga das baterias, assim a nave operava com carga mínima. Dessa forma, o excedente ao consumo interno da nave era totalmente direcionada à recarga completa das baterias. Com esta configuração a nave vagava praticamente à deriva. Dentro dela, os dois tripulantes acordados e o androide estavam praticamente alheios ao que ocorria la fora. Tudo transcorria normalmente por dias ou talvez meses.

A esta altura as distâncias entre as naves exploradoras eram enormes e as comunicações eram feitas apenas em caso de extrema necessidade, pois dissipavam uma quantidade enorme de energia, e sempre que isto era feito, todos os reatores entravam em funcionamento pleno, deixando o banco de baterias sem reposição de carga durante a transmissão. Elas mantinham a nave em funcionamento consueto por tempo determinado, em caso de necessidade imprevista. O fato de estarem as baterias, com carga mínima, se deveu a uma necessidade de comunicação com a nave-mãe o que foi mantido por alguns minutos apenas, o suficiente para drenar a energia das baterias e dos reatores. Agora tinham que ser recarregadas.

A maior parte da tripulação se encontrava em estado criogênico, mantendo despertado, apenas um dos engenheiro de vou sua esposa senhora Carol e seu assistente, um androide. Tudo isto para gastar o mínimo de energia gerada e ainda, diminuir a possibilidade de estresse no sistema gerador de energia elétrica. Esta era a base do bom funcionamento da nave, assim como de suas irmãs. Mantinham no máximo cinco pessoas acordadas.

Por alguns segundos o universo se tornou tão claro que nada podia ser visto, a não ser por meio de câmaras especiais. O casco externo da nave brilhou como uma chama de fogo, e no seu interior expeliam faíscas por todos os lados. Em especial onde havia partes metálicas. Ela não perdeu velocidade, e continuou mergulhando na escuridão do espaço cósmico. Aliás, escuridão que novamente foi ficando cada vez mais claro como o dia pleno no verão da terra. Houve um momento em que a nave chegou a perder a inercia, sendo jogada de um lado para outro, por forças até então não detectadas pelos equipamentos de bordo.

Na nave-mãe, bem como nas coloniais restantes, nada se sabia até então do que estava acontecendo, com esta componente da frota. No seu interior, apenas o engenheiro de vou, sua esposa e o androide percebiam o estranho comportamento do universo e de sua nave. Apavorados, buscavam nos instrumentos, repostas para o que estava ocorrendo. A luz que entrava pelas poucas janelas era muito forte e não permitia que vissem nitidamente nada além de luz e vultos imprecisos. Nem mesmo o androide conseguia olhar fixo para fora, pois seus mecanismos de defesa o impediam, para que seus instrumentos não sofressem perda de funcionalidade.

_Mas o que está acontecendo? Indagou o engenheiro meio sem palavras, colocando as mãos sobre os olhos para protegê-los da claridade excessiva. Não houve resposta a princípio. Ele gritou novamente e não ouve resposta. Então, com certa dificuldade, clicou no botão de emergência de seu comunicador de braço, e aguardou alguns segundos. Sua esposa procurava um canto escuro para se proteger. Ela caiu de joelhos, não sei se para implorar proteção divina, ou por perda do equilíbrio, por conta do balançar da nave.

Estou analisando senhor. Estou analisando senhor. Estou analisando senhor.

Foi esta a resposta que ouviu, a qual parecia um eco no interior da nave. Cambaleante e agarrando-se ao que encontrasse pela frente conseguiu se aproximar do androide que parecia estático entre o umbral do grande salão e a sala de comando.

_Querida, onde você está? Você está bem? Responda por favor.

_Estou num canto escuro da cozinha querido. Estou apavorada. O que está acontecendo?

_Ainda não sabemos. Fique calma.

Por fim conseguiu agarrar-se no braço do androide, o qual recobrou os movimentos, e ambos foram arremessados para o interior da sala, por mais um solavanco da nave. A inercia havia sido quebrada novamente e o restabelecimento do equilíbrio agora dependia dos motores auxiliares, que se encontravam desligados. Caíram nos braços dos assentos disponíveis e se agarraram a eles com todas as forças.

_Ligue os motores auxiliares Número 3. Agora.

Ele parecia não entender a voz do comandante, ou a nave não obedecia ao comando do seu Bluetooth.

_Ligue os motores agora Número 3. Use o comando de voz.

_Nãooooo é psivel hor.

Para maior desespero, ele entendeu a resposta do androide, em voz oníssona, como de um robô primitivo.

_Use o painel de controle Número 3. Agora, ou vamos ser desintegrados com a nossa nave. O próprio engenheiro não conseguia sair do local, em parte por falta da gravidade artificial, em parte pelo desequilíbrio provocado pela movimentação da nave.

Meio que flutuando, o androide que se encontrava mais próximo do painel de comando, conseguiu se aproximar agarrado a uma barra na bancada. Então ele acionou primeiramente o sistema de gravidade e em seguida os motores auxiliares. Caíram ambos no piso da sala, e assim aguardaram o restabelecimento do equilíbrio.

_Você está bem senhor? Perguntou o androide.

_Estou bem apesar do impacto com o piso. Por sorte não fui jogado contra algo cortante.

_Onde está sua senhora?

_Querida, você está bem? Gritou o comandante.

Não houve resposta. Com isto o engenheiro correu até o local onde ela havia indicado inicialmente encontrando-a caída no piso, desmaiada.

Querida, querida, acorda. Acorda. Ele a massageava no rosto enquanto o androide se aproximou com uma substância etérea e a fez sentir o odor, fazendo-a voltar a si com dificuldade. Eles a colocaram no sofá da antessala até que ela se restabeleceu do desmaio. Ela estava muito pálida, por isto deram-lhe um energético.

Passada a movimentação anômala da nave, eles sentaram-se e o sistema travou suas proteções deixando-os presos nos assentos. O comandante segurava a mão da esposa enquanto o androide os observava atento. Agora parecia ser tarde para este procedimento. Aguardaram alguns minutos e quando perceberam que a calmaria havia voltado, liberaram eles mesmos os travões, e olharam uns para os outros buscando respostas.

_O que aconteceu número 3. Perguntou o engenheiro ao androide.

_Ele tentou falar alguma coisa mas não conseguiu se expressar muito bem. Tentou de novo e não conseguiu. Então indicou para o engenheiro, o monitor, onde se encontrava uma resposta possível.

_Ainda não recebi nenhuma informação do cérebro da nave. Acho melhor aguardar mais alguns minutos.

_Não temos tempo Número 3. Temos que investigar agora. Ou pode ser tarde.

_Não há o que fazer senhor. Foi a resposta que o androide indicou no monitor novamente.

A partir desse momento, pelo menos uma coisa ficou clara. O androide havia sofrido alguma solução de continuidade, a partir do seu banco de dados. Felizmente seus circuitos de simulação de raciocínio, estava funcionando bem. Não se sabia até quando.

_Tenho que tomar os devidos cuidados com esse androide, pois não entendo como ele perdeu a capacidade de falar, assim de um momento para outro. Pode apresentar outras falhas. Tenho que descobrir eu mesmo o que está acontecendo.

_Porque de repente esta luz intensa por toda parte? Perguntava a si mesmo. Seu coração ainda estava tão agitado quanto a nave antes de estabilizar_se. Não conseguia raciocinar direito. O androide sofreu avarias, assim, outros sistemas eletrônicos da nave também podem ter sofrido. E isto só podia dizer uma coisa. Problemas sérios.

Lembrou-se das câmaras crionicas e mesmo ainda tremendo, e temendo outros transtornos dentro da nave, ele correu os olhos nos monitores aguardando novos relatórios, aliás, mais completos e mais precisos do que o que tinha recebido até agora. Como estes demoravam, solicitou pelo comando de voz, mas ele insistia em não aparecer em nenhuma das telas do local.

possível que os monitores tenham sido avariados. Vou testar.

_Não. Não estão avariados. Era a mensagem do androide.

_E claro, pois eles estão sendo usados pelo Número 3 para se comunicar comigo.

_Mas pode ser no sistema de transmissão. Há, se pode. Vou solicitar ao mero 3 esta verificação. Mas ele sofreu avarias na fala, pode ter sofrido outras avarias, creio. Eu mesmo terei que verificar o quanto antes.

_O que aconteceu comandante? Pergunta sua companheira aflita, já quase restabelecida.

_Ainda não sabemos meu amor. Estamos aguardando relatórios do cérebro da nave.

_Já apareceu algum? O Número 3 não sabe ainda?

_Não, não sabe. Ele também parece ter sofrido alguma avaria. Não consegue falar. Temos que aguardar.

_Não será preciso senhor. Eu já verifiquei. O motivo da demora é mesmo por conta da complexidade dos danos. A qualquer momento sai um relatório mais completo.

_Sua voz foi restaurada hem Número 3! Observou o engenheiro um tanto atônito, mas aliviado. Afinal ele era seu companheiro, e também seu melhor auxiliar, em especial nas tarefas mais complicadas.

_Sim. Meus circuitos foram reparados. Eram apenas problemas nos decodificadores de som. Foi só recarregá-los e tudo voltou ao normal.

_Você terá esquecido as informações recentes? Elas poderiam estar alteradas ou sido deletadas do seu banco de dados.

_Não. Não me esqueci de nada senhor. Sou capaz de me lembrar de todos os detalhes do que consegui detectar desde o início do evento.

_Ainda bem meu amigo.

_Estou realmente bem. Mas, por outro lado, creio que a nossa nave sofreu sérias avarias. E sua senhora, como ela está?

_Ela já está bem amigo. Mas, com a nave, já pode me adiantar alguma coisa?

_Pelo que constam das informações que recebi, a nave tangenciou o limite de um facho de elétrons, oriundos da explosão de uma estrela, justamente na hora que a supernova emitiu seu feixe de elétrons a parir de seus polos magnéticos.

_Meu Deus. Isto pode ser muito grave. Vamos aguardar pelas consequências.

_Você sabe que esses elétrons possuem além de muita energia, uma grande quantidade de movimento, e podem penetrar em qualquer estrutura sem proteção adequada.

_Sei quais as consequências disso. Afirmou o engenheiro com ar de preocupação. Ele tinha o semblante descaído e o couro da testa enrugado.

_Foi realmente uma descarga muito alta, pois pelo que parece transpôs toda a espuma metálica de alta densidade e penetrou em partes sensíveis da nave.

_Dificilmente existirá um sistema de proteção capaz de bloquear uma descarga dessas. Não contávamos com isto.

_É verdade meu amigo. Elétrons como esses, podem arrancar outros elétrons e até núcleos atômicos inteiros, e agir como um câncer age no ser humano, alterando todo sistema atingido. Pode alterar completamente a configuração atômica de circuitos integrados. Assim sendo eles deixam de funcionar, alterando de forma profunda o sistema operacional do setor em que está inserido. Algumas dessas situações podem até mesmo causar uma reação em cadeia, e em certas substâncias, causar explosões.

_Creio que estamos livres de explosões em função desse desequilíbrio, pois se isto tivesse ocorrido elas já teriam acontecido. Não acha Número 3?

_Sim senhor. Mas não estamos livres de outros problemas graves. Os semicondutores dos componentes são muito sensíveis.

A nave voltou a deslizar praticamente estabilizada dentro da escuridão do espaço infinito. A maior escuridão, na verdade, estava mais dentro dos tripulantes do que fora. O brilho causado pelo choque dos feixes de elétrons havia cessado e a escuridão voltou como antes.

_Acho melhor o amigo usar seu exoesqueleto com infravermelho, mesmo podendo ser tarde, pois escapamos da área superficial do feixe de elétrons. Aliás, creio que foi um disparo acidental que nos atingiu. Felizmente não foi em dose maciça.

_O que será que vem depois desta situação Número 3?

_Não quero causar nenhum pânico, mas a situação, a meu ver não é nada boa, e pode piorar.

_Como assim? O que pode ser pior do isto que estamos enfrentando?

_Creio que as consequências serão piores senhor. A curto e médio prazo. Sei que é difícil aceitar, mas é a verdade.

_Vamos sobreviver Número 3? Vamos sobreviver? Temos que ter fé. Uma grande fé. Disse enfim a mulher ainda amedrontada. Sua racionalidade ainda não havia se manifestado.

_Não posso ter fé, senhora. Não fui aperfeiçoado tanto assim. Afinal, pelo que sei, a fé emana da alma, e eu não tenho alma. Sou apenas uma máquina sofisticada.

_Sinto muito amigo. Disse ela.

_Creio que a minha situação é bastante cômoda. Assim não sofro. Sou totalmente probabilístico e racional.

_Mesmo assim. Posso até aparentar egoismo, mas é verdade. Considero-o a este ponto. Afinal estamos juntos há tanto tempo, que considero-o familiar.

_Sim Número 3. Você não é apenas um auxiliar. Faz parte da nossa família. Disse o comandante.

-Obrigado senhor, senhora. Sinto muito pelas suas dores.

Outro tranco, e a nave deu a impressão de que saltou para frente e mergulhou aos poucos num mundo de trevas jamais descrito. Alguns ambientes internos permaneceram iluminados, pois ela dispunha de uma fazenda de baterias isoladas dos circuitos da nave. Foi criado já prevendo situações semelhantes a esta. Assim tinha uma reserva de energia fora do sistema, que funcionava de forma independente, e que por sorte já se encontrava com carga quase total. Qualquer problema nos circuitos de carga para alimentar e carregar essas baterias, se desligavam automaticamente do restante do sistema. Apenas o fenômeno chegou de surpresa até mesmo para os radares e a malha refletiva não foi ativada em tempo.

_Temos problemas no reator número 1, senhor.

_Dá para saber que tipo de problema Número 3?

_Exatamente qual o problema não dá. Mas é previsível que um grande número de elétrons passou pela fuselagem isolante de vários sistemas. Assim os controladores de carga das bombas do circuito refrigerador do referido reator ficaram inativas.

_Parou totalmente?

_Totalmente senhor.

_A esposa do comandante que era especialista no sistema neural da nave continuava suas buscas por pontos de problemas. Desde que se restabeleceu, estudava os esquemas dos circuitos principais e suas relações com sistemas danificados ou inoperantes por falta de conexões.

_Se for assim estamos perdidos Número 3. Ele vai explodir a qualquer momento. Não há alguma coisa que pode ser feito? O amandante sabia as consequências mas recusava-se a acreditar.

_Ainda temos alguns dias. Se eu puder fazer uma conexão da energia reserva para as bombas, ele poderá ser salvo. Depois, com mais tempo, pensamos nos reparos.

_Você se sacrificará se fizer isto.

_Não deve se preocupar, pois faz parte de minha programação realizar o trabalho que os humanos não podem fazer.

_Podemos procurar outra solução Número 3.

_Receio que não. Pode crer, será um prazer fazer isto senhor. Está tudo bem. O senhor sua senhora e o resto da tripulação se manterá segura enquanto eu puder fazer alguma coisa.

_Não sei o que dizer. Nem o que fazer.

_Não fará nada, a não ser aquilo que poderá fazer. Mas temos outros problemas para nos preocuparmos.

_O que foi desta vez amigo?

_Estou recebendo informações diretamente de algumas câmaras criogênicas.

_Pode me adiantar?

_Elas estão desligadas. Quer dizer, deixaram de fornecer Oxigênio para os seus ocupantes.

_Isto não podia acontecer.

_O pior é que não sabemos a quanto tempo estão desligados, pois o clock do computador central sofreu alterações substanciais e os relógios entraram em stand-by ou pararam por completo. Não sei há quanto tempo. Se já estamos nesta situação ha mais de uma hora e, se aconteceu nos primeiros momentos, os seus ocupantes já estão mortos.

_E quanto às outras cápsulas? Sabes alguma coisa? Estão ativas?

_Não dá para saber a não ser averiguando pessoalmente. Não tenho contato com elas há algum tempo.

_O reator reserva sofreu algum dano sério? O que você acha Número 3?

_Até agora, como estava inoperante, pode ser o caso de poder entrar em operação com acionamento manual.

_Mas ele não devia ter sido acionado assim que o outro parou?

_Deveria, mas não aconteceu. A pane nos circuitos controladores prejudicou a conexão, e isto foi providencial. Ou possivelmente teria avariado este também.

_Como temos energia reserva, podemos socorrer primeiramente as câmaras criogênicas.

_Sinto muito, mas o senhor pode estar enganado. Com todas as câmaras e o restante da nave em funcionamento a demanda é muito alta. A carga das baterias esgotará em poucas horas, tornando todo restante do sistema inoperante.

_Então o que sugere Número 3?

_Primeiramente temos que restaurar a fonte de energia. De nada adiantará verificar as cápsulas criogênicas se elas não forem alimentadas com o espectral completo.

_Então vamos ao reator primeiramente. E tem que ser agora.

_Eu irei sozinho, senhor, pois ele fica muito próximo ao reator avariado, e com certeza, deve haver vazamento de radiação. Só não sabemos os níveis.

_Posso usar meus trajes protetores. Eles foram projetados e confeccionados para isto.

_É melhor não se arriscar. Posso fazer isto em poucos minutos, e passar para a câmara de descontaminação em tempo. Assim o reator parado vai fornecer energia para refrigerar o avariado e para o restante das nossas necessidades. É tudo muito simples. Tenho protocolos especiais e garras adequadas para este serviço.

_Não tenho “sangue de barata” para ficar esperando pelo pior. Ou pelo melhor.

_De qualquer maneira, precisamos de alguém aqui na sala de comando para alguma emergência, não acha providente senhor? Disse isto para evitar que o engenheiro fosse contaminado por radiação. Quando disse as últimas palavras já se encontrava praticamente desaparecido na escuridão do corredor que dava para o setor de produção de energia.

_Você está certo amigo. Gritou o engenheiro pois o androide já havia desaparecido.

Enquanto isto o engenheiro entrou no vestiário para que fosse ajudado a vestir-se. Era um trajo que controlava os efeitos radiativos, supria os efeitos antigravidade e tinha fornecimento de Oxigênio independente caso precisasse. Foi projetado para que o homem pudesse ter sobrevida no espaço sofrendo o mínimo de sua interferência. Saiu da câmara revestido e protegido, porém deixou o Oxigênio desligado, para usá-lo apenas no momento de necessidade. Sua esposa sempre precavida, já usava seu traje espacial, o qual também prevenia contra a formação de rugas e celulites.

Havia luz apenas nas alas essenciais, e evidentemente, por onde alguém se movimentava. Com a falta de iluminação, o silêncio dava pavor em qualquer pessoa. Apenas um chiado proveniente do sistema auricular. Nem mesmo a estática proveniente dos monitores que agora estavam totalmente inativos conseguia romper o silêncio. Nada era ouvido ou visto por meio deles. Nada mais funcionava a não ser a iluminação e emergência. A nave voava sem direção e sem dirigibilidade. Seguia apenas pelo impulso que rompeu a inercia anterior. Qualquer partícula se movendo no espaço, seria suficiente para romper a espuma metálica do casco da nave, e causar mais danos até mesmo em equipamentos internos. Não havia o que fazer, até que o segundo reator e sua turbina estivessem ativos. O engenheiro e sua companheira aguardavam imóveis em frente a um dos monitores da sala de comando.

_Devemos esperar boas notícias, minha querida.

_Sim. Dependemos de boas notícias.

Cerca de uma hora depois algum sinal apareceu nos equipamentos de bordo. Surgiu uma estática nos monitores, e aos poucos a energia foi sendo restabelecida. Os marcadores de energia foram sendo iluminados com cores que indicavam o seu nível.

A primeira mensagem que apareceu depois de concluída a inicialização dos computadores, foi referente ao sistema de defesa externo que fora reativado.

_Ainda bem que os sistemas estão sendo restabelecidos.

_É verdade. Estava começando a ter medo do escuro. Aliás, não tanto pelo escuro, mas pela situação em que nos encontramos.

_Espero que todos os equipamentos de navegação bem como os de sobrevivência da nave estejam em ordem. Disse o engenheiro a sua companheira, que estava sempre por perto.

Outras informações foram chegando aos poucos. Algumas animadoras outras nem tanto.



Agora com a energia restabelecida, a mulher podia voltar à sua pesquisa na rede neural da nave, em busca de respostas e sugerir possíveis soluções.

O androide estava de volta, enquanto nas salas anexas ainda à meia luz. Ele falou mantendo-se longe do engenheiro e de sua esposa.

_Tenho que me descontaminar. Estou com níveis de radiação um pouco acima do aceitável pelos humanos.

_Como foi com reator Número 3?

_Está ativo e em funcionamento normal. Não houve vazamento significativo de material radiativo. Os neutralizadores de radiação estão ligados e ativos. Em breve eles estarão normais.

_Menos mal. Veremos o que será informado pelo relatório sobre as possíveis avarias.

_E quanto ao reator avariado? Seu resfriamento foi feito com sucesso? Intercedeu a senhora Carol.

_Com certeza senhora. Deste problema estamos livres. Por enquanto.

_Você está de parabéns Número 3.

_Temo que as informações ainda demorem um pouco mais para serem enviadas, pois possivelmente houve alterações significativas nos códigos de construção e de manutenção. Sendo assim as informações podem estar no mínimo, alteradas.

_Ou totalmente deturpadas. Creio eu. Disse o engenheiro de cabeça baixa, com a mão direita segurando a mandíbula. Podemos estar com as horas contadas. Só o que se há de fazer, é esperar.

_Creio que somente um milagre pode nos salvar. Até agora as as minhas pesquisas não trazem respostas concretas. Somente frases um tanto desconexas. Disse a mulher.

_Não sejamos pessimistas. O cérebro da nave é muito bem protegido, e, com certeza, foi preservado.

_É verdade. Mas há uma quantidade enorme de sensores, leitores, e transmissores de dados, que não são, com certeza, protegidos totalmente contra este tipo de interferência. Afinal, raios de elétrons nestes níveis não são comuns e por isto muita coisa errada aconteceu.

_Isto mesmo. Agora devo voltar para descontaminação. Continuo comunicando pelo sistema. Advertiu o androide.

_Parece que os sistemas não respondem muito bem ao comando do cérebro. Disse o androide do interior da sala de descontaminação.

Os sistemas de reposição, na verdade são muito complexos. Correspondem figuradamente ao sistema imunológico do nosso organismo. Trabalham com sensores identificadores e transmissores de cada problema específico. Comunicam com elaboradores de peças, de reposição e substituidores. Trabalham harmonicamente em toda a nave. Diferem, no entanto por que suas mensagens são enviadas eletronicamente pela rede neural da nave. Esta por sua vez é bastante susceptível.

_Isto é nada bom. Já tinha imaginado. Desde o momento em que foi preciso uma ação direta para acionar o reator número dois, eu já desconfiava disso.

_Ainda é cedo para prognósticos precisos, senhor. Vamos aguardar com paciência.

_Estou muito preocupada com esta situação querido. Fico investigando as redes neurais da nave, mas as respostas às consultas demoram muito e quando chegam são imprecisas. A voz da companheira do comandante apareceu novamente. Ela estava totalmente envolvida com suas buscas.

_Temos que continuar querida.

_Se tiver alguma informação procure me avisar Número 3. Vou descansar um pouco. Estou muito tenso com tudo isto.

_Descanse o quanto precisar amigo. Fico observando tudo.

_Obrigado. Só não sei se vou conseguir dormir.

_Quer me acompanhar querida. O Número 3 se encarrega desse trabalho. É inútil esse processo de busca.

_Creio que sim. Difícil será pegar no sono com todo esse problema.

_Procurem se alimentar, e se hidratar. Uma boa alimentação pode te ajudar a relaxar e dormir. Aconselhou o androide.

_É verdade. Há horas que não bebo água nem como coisa alguma. Vou tentar. Aceita um copo de suco querido?

_Sim.

_Aliás, creio que estamos nos esquecendo de algo extremamente importante.

_É verdade. As câmaras criogênicas. Tenho que deixar o descanso para mais tarde. Vou verificá-las primeiro.

_Eu também vou. Tenho certeza de que não descansarei, enquanto não vermos um resultado positivo.

_É sempre bom ter a sua companhia minha querida. Quando você não está por perto, muitas vezes me vejo perdido entre um problema e outro.

_Pode contar sempre comigo meu amor.

_Tenho certeza que sim. Vamos?

_Dentro de uma hora estarei descontaminado e irei em seguida. Disse o androide pelo comunicador.

_Estaremos esperando.

Das 25 câmaras criogênicas 6 se encontravam desativadas totalmente. Seus ocupantes perderam a vida nos primeiros minutos do fenômeno. Não tiveram tempo de despertar e abrir as janelas das câmaras para respirarem. Outras 3 estavam parcialmente funcionado, e seus ocupantes em estado de alerta, prestes a acordarem totalmente. Seus respiradores funcionavam em baixa demanda por insuficiência no fornecimento de energia elétrica. As válvulas reguladoras não abriram o suficiente. As demais se encontravam normais com seus ocupantes com todas as funções normais.

Assim que o engenheiro liberou parcialmente as coberturas das câmaras, os ocupantes foram se recuperando com a entrada de Oxigênio externo. Quando o androide chegou para ajudar, eles já se encontravam sentados, mas ainda sonolentos. Esta fase do despertamento, não era instantâneo. Ela durava de acordo com o metabolismo do adormecido, até duas horas. Em certos casos muito mais. Mesmo assim suas funções metabólicas, motoras e cognitivas só voltariam ao normal em cinco horas ou mais. Neste intervalo precisavam de acompanhamento médico. Acontece que um deles era uma das médicas da equipe e ainda não raciocinava muito bem. Seus assistentes foram o engenheiro, sua senhora e o androide. Este em suas programações, tinha condições suficientes para este tipo de emergência. Quando ele passou pelo detector de radiação na porta do laboratório, recebeu o aviso, “LIMPO”, e entrou rapidamente. Sabia que precisariam dele, pois já havia detectado a abertura das câmaras.

_Diante do que aconteceu, devemos despertar o restante da tripulação Número 3? O que acha querida?

_Acho melhor esperarmos estes três se recuperarem e tomarem pé da situação da nave, para ouvirmos as suas opiniões. O que acha senhor?

_Concordo querida.

O Engenheiro, apesar de comandar a nave, nada fazia sem consultar sua mulher e o androide.

_Eu também acho melhor aguardar para sondar as condições gerais da nave. Esta situação é muito preocupante. Concordou o androide.

_Enquanto isto, podemos verificar o funcionamento das máquinas de alimento. Se não estiverem ativas e normais, não adianta nem pensar em acordá-los.

_É verdade senhor. O fornecimento de alimento pode estar comprometido. Ainda não tivemos relatórios do cérebro.

_Aliás, eles estão demorando muito. Temo que haja avarias também no sistema de comunicação desse setor.

_Com certeza, é mais um item para averiguação pessoal. Aliás, verificação in loco. Disse o androide.

_Você sabe o quanto ela é complexa, e isto pode levar meses de trabalho exclusivo, de vários técnicos. Disse o comandante com o semblante bastante descaído.

_Ao que parece, não temos alternativa. Alias, é averiguar canal por canal, setor por setor, enquanto aguardamos as respostas do cérebro. Ressaltou Dona Carol.

_Vamos começar testando a cozinha. O importante é a verificação. Porque não vamos depressa enquanto nossos amigos se estabilizam?

Uma vez reanimados, os três tripulantes conseguiram ficar de pé e, lentamente foram recobrando suas funções vitais. Seus sistemas cognitivos foram se reabilitando aos poucos mas com eficiência. Tratava-se da médica Dra. Luciane Brasil, outro engenheiro especializado nas funções digitais e o Sr. Herculano, chefe de segurança.

_Creio que os senhores estão com fome. Vamos para o refeitório e lá pediremos alguma alimentação adequada para vocês. Afirmou o engenheiro de voou.

_Preciso verificar o balanceamento da alimentação. Como nossos estômagos estão a muito tempo com funcionamento parcial, não podemos extrapolar ao recomendado para cada metabolismo. Disse a médica.

_Claro, senhora. Já tem condições de fazer isto?

_Eu já estou bem melhor. Posso fazer isto sim. Obrigada.

O androide passou para o seu monitor um cardápio e ela de imediato examinou e fez a sua solicitação. Em seguida solicitou para os demais companheiros.

O engenheiro fez a sua em seguida. Enquanto os dois aguardavam o prato da médica ficar pronto. Com a pressa e o stress, se esqueceram de examinar o equipamento como fora planejado.

_Que comida horrível é esta? Exclamou a médica. Tem alguma coisa errada com esta cozinha.

O engenheiro olhou para o androide, depois para sua esposa, provou o seu pedido e exclamou.

_Horrível. Horrível mesmo. Não coma senhora. Os senhores também não comam. Tem alguma coisa errada com a máquina. Poderia verificar Número 3?

_Com certeza. Disse o androide.

_Pelo menos podemos tomar um pouco de água? Disse a médica.

_As coisas estão acontecendo muito rápido e ainda não tivemos tempo de analisar a água. Disse o androide. É melhor usar a reserva de água. Para alimento temos alguma coisa já processada.

_Então eu vou experimentar. É mais rápido do que efetuar exames de laboratório, que mesmo sendo muito simples, leva mais temo.

_Não acha ariscado meu marido?

O engenheiro já estava com um copo na mão. Ao provar, cuspiu de volta na pia da cozinha. Horrível. Horrível. Muito salobra. Exclamou.

_Com PH muito baixo, não pode ser consumida de forma alguma.

_Usem a reserva por favor, pois precisam se hidratar imediatamente senhores, senhora.

Com mais este problema para enfrentarem, teriam que parar para esclarecer as coisas e tomar atitudes cabíveis. O comandante coçou a cabeça e consultou ao pé do ouvido a esposa e pelo comunicador pessoal ao androide. Enquanto isto providenciavam água e alimentos para os três recém-acordados.

_Contamos para eles agora? Indagou o engenheiro.

_É melhor contar. Não temos outra saída. Afirmou a esposa do comandante depois de trocar olhares com o androide.

_O que está acontecendo, perguntou o senhor Herculano já desconfiado. Porque nos acordaram? Ao que parece fora do tempo programado.

_É verdade. Temos algo a relatar. Disse o comandante sem delongas e sem meias palavras.

_Relatar o que? Exclamou o chefe de segurança. O que mesmo está acontecendo nesta nave? Primeiro nos tiram da criogenia sem uma causa determinada. Agora a comida e a água estão imprestáveis.

_Bem senhores, senhora. É importante que saibam o motivo do vosso despertamento, antes do previsto. Como também da ocorrência com a comida e com a água. Eles ainda não sabiam dos óbitos ocorridos nas câmaras.

_Fale rapaz. Fale de uma vez. O que terá acontecido?

_Bem. Sem rodeios. A cerca de oito ou nove horas, passamos por um incidente sem precedentes…

_Estamos esperando senhor comandante. Disse a médica recém-acordada.

_Espero que fiquem calmos, pois os deixarei inteiramente a par da situação.

_Meu Deus que enrolação. Se exaltou o senhor Herculano.

_Se ficarem calmos e deixarem que eu fale poderei explicar. Perderemos menos tempo. Disse o comandante em tom impositivo.

_Vamos todos nos aclamar para o relatório senhores, senhoras. Interferiu o androide com seu jeito conciliador.

_Muito bem. A nossa nave foi atingida por um feixe de elétrons de uma supernova. Ainda não temos um relatório completo do Cérebro da nave, mas já sabemos que foram danificados vários de nossos equipamentos. Foi esta a causa de tudo isto, inclusive a morte de seis companheiros que estavam adormecidos.

_Você quer dizer que deixaram morrer seis dos nossos companheiros? Se exaltou o chefe de segurança Sr. Herculano, quase gritando. Gesticulou com o dedo em riste.

_Calma aí senhor. Ninguém deixou ninguém morrer. Antes de nos acusar, o senhor precisa tomar conhecimento dos fatos desde o início. Defendeu o androide.

_Então fale de uma vez sua máquina inútil.

_Senhor, eu sei que ainda está sob stress, mas não precisa ser tão grosseiro com quem nos prestou toda ajuda possível. Antes precisa tomar conhecimento de tudo. Foi a Dra. Luciane que entrou na defesa.

_Mas que merda, falem logo de uma vez tudo o que aconteceu.

_Já dissemos que a nossa nave foi pega de surpresa. O senhor sabe que esta nave é totalmente autônoma, e possui incontáveis sensores, e comandos muito eficientes. Nada sabíamos até que tudo aconteceu. Foi muito rápido, e só percebemos quando tudo já estava acontecendo. Ainda não temos sequer relatório completo das avarias sofridas. Estamos aguardando. Mesmo assim um dos reatores que foi avariado, foi interditado pelo Número 3, o qual acionou manualmente seu sistema de refrigeração e segurança, e colocou em atividade o segundo reator. Uma vez que o mecanismo de acionamento automático não respondeu ao desligamento do primeiro. Você sabe o que aconteceria caso essa interferência não fosse feita de imediato, senhor Herculano? Então antes de agredir quem quer que seja, é melhor se acalmar, pois corremos riscos sérios, e precisamos de toda ajuda possível para garantir a nossa sobrevivência.

_Queiram me desculpar senhores e senhoras. Vamos aguardar e trabalhar em conjunto para o melhor andamento dos reparos.



Tudo foi devidamente explicado aos recém-acordados, e inclusive foram postos em alerta quanto ao que poderia acontecer como consequência. Devido ao nível de conhecimento de todos eles, puderam compreende perfeitamente o fenômeno e as consequências possíveis. A busca por uma saída iniciou imediatamente e todos se voltaram para o trabalho.

_Perdemos seis valiosos companheiros. Foi um tremendo imprevisto. Só nos resta chorar as perdas destes amigos, e aguardar pela reabilitação completa da nossa nave. Disse o comandante, após a exposição completa dos fatos.

_E torcer para que ela realmente consiga se redefinir completamente. Foi a vez do androide.

_O que podemos fazer pela nossa nave de agora em diante? Se prontificou o engenheiro analista de sistemas.

_Primeiramente temos que aguardar um relatório quando completo, e que nos dê uma pista do essencial, de onde podemos iniciar, creio, pois procurar de maneira direta por milhares de sensores, testar seu funcionamento e procurar corrigi-los me parece impossível. Só com os primeiros relatórios podemos dar início às primeiras ações efetivas e traçar algumas diretrizes. Afirmou o androide, que de todos, mais conhecia o funcionamento da nave. Ele porém tinha que receber diagnósticos do próprio sistema de informações, que era uma cópia quase completa do DNA da nave-mãe. A antiga maquete. Era este, extremamente complexo, e ela mesma era capaz de se diagnosticar e então dar ciência do que precisaria ser feito dentro de um cronograma de atividades começando com as prioridades. O androide apesar de plugado ao sistema da nave, e ter linha direta com todos os seus circuitos, precisava receber e processar as informações que demoravam para chegar.

_Sempre que caminho por uma linha de transmissão da rede neural da nave, chego a um bloqueio que não há como ultrapassar ou contornar. Disse o androide sempre plugado com seu pino multifilamento.

Todos sentados na sala de reuniões, e de cabeça baixa, preocupados, aguardavam impacientes pelos relatórios, até que o androide começou a receber aos poucos, informações as quais foi repassando para os tripulantes, antes mesmo delas chegarem aos monitores, que insistiam na estática.

A nave Colonial III, ao passar ao alcance do campo gravitacional, ainda que, muito fraco, de uma estrela de nêutrons, recebeu uma carga expressiva de fótons de alta energia. Milhares de partículas romperam a proteção da nave atingindo alguns circuitos do seu sistema neural, os quais foram afetados severamente. Outros foram danificados, alterando seu genoma primordial. Com isto seu código genético, uma vez adulterado, passou a enviar mensagens alteradas aos terminais impressores de determinadas áreas e bem assim às máquinas produtoras de alimentos. Assim foram contaminando com componentes imprecisos e até incorretos. _Algumas substâncias e mesmo alguns equipamentos que estão sendo impressos devem sair com defeitos incorrigíveis, e precisam voltar aos capacitores de plasma para nova formatação do material de que são feitos. A partir dos componentes produzidos com defeitos, podemos rastrear a origem dos sistemas defeituosos e através de engenharia genética digital alterar a parte defeituosa do DNA primordial. Ou seja, do programa do chip embrionário.

A medida que o androide foi dando o relatório, e apresentando caminhos para a solução, todos sentados em círculo olhavam aterrorizados para ele, e para o comandante, como que indagando. _Como pode isto acontecer?

_Estávamos tão atentos no momento em que tudo começou, quanto estamos agora às explicações do nosso ajudante Número 3. Ressaltou a esposa do comandante, ainda sussurrando por falta de explicações concretas.

_Pois é senhores. A nave seguia seu curso normal, quando sentimos que ela estremeceu toda. As partes metálicas de suas divisórias começaram a faiscar, e balançar. As luzes apagaram de repente e uma escuridão apavorante tomou conta do lugar. Apenas permaneceram ativas na sala de controle onde estávamos. As primeiras providências foram saber o que estava acontecendo, como é normal em qualquer situação, creio eu. Em seguida o reator reserva foi ativado, pois o que mantinha a nave funcionando foi avariado. O Número 3 fez isto “pessoalmente”. Agora estamos todos aqui neste impasse. Seguimos à risca os protocolos de segurança. Ainda assim somos acusados de negligentes. Me façam o favor…

_Queiram me desculpar, se fui apressado em minhas palavras iniciais, mas é que a situação é de muito stress. Temos que, de agora em diante trabalhar para tentar sanar o problema de uma vez por todas, para sobrevivermos a uma catástrofe iminente, ainda pior. Peço mil desculpas pelas minhas palavras duras.

_A nossa produção de alimentos naturais está um tanto deficiente, mas temos a produção de alguns frutos e legumes que podem nos ajudar até que a cozinheira volte a funcionar. Temos também alguns animais e alguns congelados. Disse o comandante.

_Creio que em relação à água, que é primordial, temos também reservas. Podemos usar com economia, até que o problema seja corrigido com alguns componentes que temos no laboratório. Disse a médica.

Uma vez acalmados os ânimos, o comandante levantou a questão sobre despertar os demais tripulantes. Todos estavam a este ponto, envoltos em terminais de computador, em planilhas de projetos da nave e manuais de construção. Mesmo assim buscavam sugestões.

_Na minha opinião, é prematura a ideia de despertar os demais, pois no momento temos falta de alimentos e assim será mais fácil racionalizar o que temos. Disse a médica da equipe. E complementou: Se é o caso de suas câmaras estarem em perfeito e eficiente funcionando.

A maioria concordou apressadamente.

_Não podemos esquecer que se a nossa cozinheira ficou avariada, as dosagens de alimento das câmaras, também podem estar comprometidas. No mínimo precisamos testar os mesmos até que tudo esteja resolvido. Quero alertar a todos que os problemas gerados pelo episódio, podem ser mais sérios do que pensamos. Sabemos o quanto o sistema central e o neural desta nave é complexo. Quanto mais complexo é um sistema, mais complicado é o seu restabelecimento. Alertou o androide sem emotividade.

_Mesmo assimparou de falar o chefe de segurança pois notou algum sinal de alarme soando no interior da nave.

_O que será isto desta vez?

Voltaram suas atenções para os painéis que insistiam em não funcionar perfeitamente. Desistiram deles, e se voltaram todos para o androide, que até agora parecia não ter sofrido interferências tão sérias do efeito dos raios de elétrons. Desta vez era a cozinheira principal que anunciava o seu funcionamento normal. Todos sorriram aliviados, e logo se voltaram agora para os cardápios para pedirem alguma coisa para comer e beber. Os recém-acordenados estavam famintos e sedentos por isto, a cada minuto queriam dessedentarem-se.

_Espero que desta vez eu mate a saudade de uma comida mais sólida. Aquelas câmaras nunca nos dão saciedade e mesmo assim estou cansada daquela água composta. Disse a médica sabendo que pela palidez dos companheiros, a vez de pedir e servir em primeiro lugar seria dela.

_Mesmo sendo a senhora, médica, preciso alertá-la de que não deve exceder por enquanto. Disse o androide, pois sabia que quando acordados, os humanos sentiam muita fome, e queriam comer além do normal.

Desta forma, os dias foram passando e os relatórios nunca chegavam de maneira satisfatória. Quando apareciam eram desconexos e sem sentido. Até que o próprio Número 3 se adiantou no exame dos componentes primários da nave. Já vinha examinando o software, parte por parte, pois sendo ele uma máquina cujo cérebro era semelhante ao da nave, podia examinar com extrema rapidez. Mesmo assim havia dias que ele estava trabalhando nesta tarefa e parecia não sair do lugar. Tal era complexidade do sistema. Quando encontrava um problema tinha que se deter nele para tentar corrigi-lo, o que na maioria dos casos gastava-se um tempo precioso. Só então avançava para a próxima fase. Ele sempre repassava o relatório aos companheiros, e solicitava ajuda sempre que precisava. Corriam de um lado para outro ajudando no que podiam e tentando naquilo que não podiam. O sistema imunológico da nave não conseguia ajudar em quase nada, pois os robôs tinham sido afetados seriamente.

Quase trinta dias depois, notaram que um dos robôs auxiliares se dirigia para a ala que levava aos reatores, num deslocamento não recomendado. Os robôs tinham funções definidas dentro do sistema, por isto eram muitos se movimentando constantemente pelos corredores, salas e entre os componentes. Uns minúsculos adentravam nos armários e pequenos ambientes. Outros maiores trafegavam normalmente entre a tripulação, indiferentes a ela.

_Alguém siga aquele robô, pois ele está em uma ação suspeita. Gritou no Número 3, para a população da nave. Mesmo enviando frequências desativadoras, o robô não atendia aos comandos. Era um dos principais auxiliares e seus serviços básicos eram ler e reconhecer defeitos em diversos sensores no setor de plasma e repor os componentes avariados.

O Chefe de segurança saiu correndo atrás do robô, mas em vão, pois ele era menos ágil do que a máquina. Ainda pode observar que ele soltava as amarras de uma ligação de duas partes da nave. Era a ponte de comunicação de pequenas naves auxiliares, que tinham a função de recuperar matéria do espaço para o aproveitamento na nave. Todos correram para auxiliar quando foram avisados das intenções do robô, mas foi um a luta ineficiente, pois este em especial era muito forte para ser contido pela força bruta, e não atendia a nenhum comando do cérebro da nave nem do androide. Assim eles perderam a ponte, e com ela, as duas naves auxiliares. Houve, quando a ponte se soltou um desiquilíbrio no corpo da nave, a qual estremeceu e sofreu um desvio de sua rota inercial, que já havia sido desviada substancialmente no momento que foi atingida. Aquela que já estava à deriva agora não tinha leme nem profundor. Seus motores direcionais não mais respondiam aos comandos do navegador. A tripulação que já estava assustada, agora estava em pânico, pois o robô que era de extrema importância no sistema de recuperação da nave se perdeu no espaço com a ponte.

_Parece que agora só nos resta orar, para que Deus tenha misericórdia de todos nós.

_Ou então nos receba de vez na sua glória.

O androide olhou para eles e quem melhor sabia das condições de todos, não ousou fazer comentários. Muito embora sua memória contivesse um grande conteúdo de conhecimento das coisas espirituais.

Parece que até nos confins do universo existem humanos que, pelo menos, se lembram de que Deus reina em todo esse infinito. Ele, é o ser superior que criou e que domina sobre tudo isto. Será? Pensou o androide, mas permaneceu sem emitir sua opinião.

Mais alguns dias depois o capacitor de plasma parou de funcionar pois a energia gerada não era suficiente para aquecer suas bobinas de campo. Não havia fótons de luz suficientes para excitar os cristais de silício e gerar a altíssima energia térmica necessária. Também os poderosos compressores não geravam a pressão requerida para as transformações. Agora, nenhum átomo, por mais simples que seja podia ser quebrado e muito menos reorganizado. Assim ele não podia produzir as substâncias vitais para os consertos da nave e para o alimento dos tripulantes. O segundo capacitor não funcionaria pelo mesmo motivo. O androide explicava em detalhes, a todos, o que estava acontecendo, e o que ainda aconteceria. _Teremos que nos voltar para as hortas produtoras de alimentos naturais, mesmo com carência de energia para a demanda de adubos químicos. Em breve, faltaria meios para reciclar a água e os dejetos produzidos.

Todos começaram a trabalhar no sentido de pautar alguns procedimentos e ações não automáticas, inclusive para a própria nave, depois que o engenheiro examinou os desenhos dos pontos principais da mesma, e confirmou tudo que o androide dissera.

_Estamos mesmo perdidos.

_Não podemos nos apegar à derrota sem antes nos gastarmos em muita luta pela vida. Disse a esposa do comandante, tentando reanimar a todos. _É vital a fé, mas a luta tem que continuar.

_Com certeza. Temos que lutar. Era a voz de todos.

Apesar da aflição expressa nos olhos de todos, havia uma tênue linha de esperança, que fazia com que lutassem procurando meios de fazer a nave voltar a funcionar, ainda que por comando humano ou do androide. Sabiam que a subsistência de todos dependia disto. Ela era a mãe deles, mas estava com problemas de saúde e tinham que ajudá-la.

O trabalho era excessivo para os poucos tripulantes acordados, por isto decidiram que estava na hora de despertar os outros, para que pudessem contribuir de alguma forma. Afinal eram todos, especialistas em alguma coisa na nave.

_Temos que fazer esta horta produzir mais, pois somos muitos e ela na configuração atual não pode nos sustentar por muito tempo. Afirmou um jovem com larga experiência neste assunto. Ele requisitou ajuda aos interessados e iniciaram a ampliação do sistema hidropônico para produção de bulbos e folhagens. As coisas começaram a funcionar, mas em pouco tempo faltaram insumos, e a máquina não conseguia dosar os elementos nas devidas proporções. Assim a produção caía a cada novo plantio que faziam.

A inanição foi se aprofundando nos corpos dos tripulantes, pois em pouco tempo as hortaliças não foram capazes de alimentar devidamente a todos.

_Que luz estranha é esta que estou vendo? Perguntou a médica da equipe.

_Não consigo ver luz alguma doutora afirmou o androide.

_Sim. Eu vejo uma luz muito forte. Ela é tão forte que eu não consigo ver vocês.

Uma luz fortíssima envolveu a todos e o androide Número 3 se viu sozinho no interior da nave. Alguns robôs passavam por ele, alheios ao que estava acontecendo. Ele, tão cheio de informações, não sabia o que estava acontecendo, pois era apenas uma máquina. Ele não possuía espírito para perceber as coisas do espírito. Sua programação não incluía este evento. Era algo espiritual.

A nave continuou sua trajetória no escuro do universo, impulsionada unicamente pela força inercial, cada vez mais longe da influência de alguma estrela. Quem sabe um dia ela se desintegraria, ou seria tragada por um universo de evento e se comprimiria dentro de um buraco negro, se tornando parde dele. Inclusive o androide e a legião de robôs auxiliares do sistema imunológico da nave. Disto ele sabia perfeitamente, mas não tinha medo do que viria depois.

Uma máquina, por mais sofisticada que seja não tem medo daquilo que viria depois.




Na Nave-mãe - O tempo nunca apaga as velhas ideologias


No interior da nave-mãe as coisas já não são como nos primeiros anos. Mais de trezentos anos terrestres já haviam se passado e muitas coisas mudaram neste tempo. A partir do início da grande viagem, novas gerações assumiram o comando e novas gerações viviam como tripulantes. A maioria como passageiros. Cerca de trinta por cento dormiam alheios em suas câmaras criogênicas. A nave começou a disponibilizar um número grande de câmaras criogênicas para os voluntários, que as requisitavam a cada dia. Centenas de pedidos eram formulados e à medida que ficavam disponíveis, iam sendo catalogadas e instaladas por uma equipe de médicos e técnicos especializados. Logo em seguida, eram ocupadas por ordem de pedidos. Pessoas que se sentiam entediadas ou desocupadas, eram as que mais faziam solicitações.

Muitos anos se passaram e as gerações foram se refazendo, mas as ideias básicas pareciam não mudar nas cabeças das novas gerações. Os pais eram os grandes responsáveis pela transmissão de seus conhecimentos e suas culturas, e em se tratando de formação ideológica, religiosa e tendências profissionais, eles nunca esquecerem dos velhos costumes. Mesmo assim apareciam indivíduos com ideias revolucionárias, chegando ao ponto de questionar a prática política que a administração adotara por meio de consulta popular. A maioria das pessoas sempre comentavam umas com as outras.

_Se está funcionado bem, não há porque mudar. Outros diziam.

_Nossos lideres e governantes estão empenhados em administrar está máquina e liderar a todos nós no seu interior. Enquanto tudo estiver bem e não aparecer alguém melhor, vamos apoiar. Era o pensamento e o procedimento da maioria absoluta.

Um velho sábio chegava a apregoar. _De repente, trocar a câmara de liderança pode complicar a situação de muitos e gerar um conflito sem precedentes, por isto é melhor continuar.

Outro menos tradicional dizia: _Penso o contrário. Era um jovem que sempre argumentava desfavoravelmente ao sistema e aos demais. _Esses lideres que estão no poder, já ficaram tempo demais, e até agora não tem mostrado nada que me faça acreditar na sua eficiência e conduta ilibada. É preciso mudar. É preciso modernizar essa máquina.

_Você é muito jovem, e precisa viver e aprender por mais alguns anos para saber o que é melhor e o que é pior. Creio que, como você nunca viveu uma situação ruim de verdade, pensa que as coisas podem melhorar. Disse um sábio senhor de idade avançada. Ele era um sábio e estudioso da vida e dos costumes na terra.

_Quero que o senhor saiba que venho pesquisando os costumes, as formas de governo na terra, antes de nossa partida, quer dizer antes da partida desta nave. Sei que as coisas aqui, não vão muito bem mas que podem melhorar. Retrucou o jovem.

_Gostaria de saber, em que a nossa vida pode ser melhor. Temos o nosso sustento, temos sistema de saúde muito bom, roupas, moradia. Temos tudo que precisamos, com uma prestação de serviço de poucas horas diárias. Muitas pessoas têm o mesmo tratamento sem prestar contas do que faz. Percebo, que temos tudo que precisamos. Inclusive liberdade para manifestar todas as nossas ideias e nosso modo de vida. Liberdade até para reclamar como você vem fazendo. Aqui, realmente não temos ninguém rico nem pobre. Nossos líderes vivem em apartamentos iguais aos nossos. Usam o mesmo transporte, o mesmo sistema de saúde. Suas gravatas são do mesmo tecido e corte das que usam os trabalhadores nos diversos setores da nave. Contrariamente aos lideres em terra, que tem todos os privilégios, a despeito da maioria da população que vive, ou vivia, na miséria absoluta.

_O excesso de liberdade a meu ver pode ser prejudicial. Muitas pessoas, por exemplo, se envolvem com religião, e outras coisas sem importância, e se esquecem de coisas mais importantes.

_O que você pensa? Perguntou o senhor ao jovem, sobre a prática religiosa ser negativa para o ser humano?

_A prática de qualquer religião, além de tomar muito tempo da vida desses pessoas, as mantém presas a costumes antigos, e não as deixa crescer e evoluir.

_Pois eu penso que a prática da religião, eleva o nosso espírito ao encontro do nosso criador. Ele é espírito, e importa que o adoremos em espírito.

_Essa história de espírito, Deus, Jesus, para mim não existe. É tudo criação da mente alienada de pessoas que usam esse Deus vingativo e dominador para se manter no poder.

_Então você não crê na existência de um Deus criador do universo, das estrelas, dos planetas e da vida humana?

_Claro que tudo isto não passa de invenção de pessoas desocupadas. De genocidas que querem se justificar às custas dessa ideia esdrúxula.

_Já sei no vai dar tudo isto. Não quero te convencer de nada, e nem para nada, mas tenho que lhe dizer, meu jovem. Pessoas com o seu pensamento tentam provar que não existe um Deus, e que tudo aconteceu por acaso. Eu só quero lhe fazer mais um pergunta. Você sabe me dizer o que é o acaso? O que é causa e efeito.

Silenciaram todos os que estavam conversando, ou apenas ouvindo a conversa, e saíram cada um para um lado. Talvez, para não entrar ou, pelo menos, para não prolongar uma conversa que levaria a nada. De um jeito ou de outro levaria ao acaso.

E foi assim que novas ideias foram sendo acrescidas, e algumas pessoas começaram a pensar no que disseram os dois que dirigiam a discussão. Uns começaram a se lembrar de documentários que davam conta de diversas correntes ideológicas, e situações que levaram grupos de pensadores a interferirem nos rumos da vida humana na terra antes do incio da grande viagem. A Maçonaria foi lembrada por um grupo de amigos, como uma geradora de ideias ocultas. Outras correntes também foram citadas. Inclusive a corrente formada pelos administradores das grandes fortunas e dos grandes produtores de bens de consumo. Estes que, com suas práticas, até impediam as nações emergentes de se tornarem potências. As teorias da conspiração que para muitos eram apenas teorias, mas que trouxeram mudanças negativas para a maioria dos seres humanos na terra, estratificando ainda mais a população.

_Li um livro ainda ha pouco, disse um participante do grupo, que descreve a maçonaria como uma sociedade filantrópica, porém secreta, orientada apenas como sociedade filosófica. Ela teria sido fundada por volta 1717, num país chamado Inglaterra. Pouco se sabia na verdade, a respeito dela, pois os associados, ou filiados, se reuniam sempre para discutir assuntos que não eram revelados. As esposas dos associados frequentavam, porém se reuniam em um ambiente separado dos homens, e elas nunca sabiam o que acontecia nestas reuniões. Convidavam pessoas para fazerem parte dela, mas que no fundo não era permitido a esse convidado, que revelasse nada do que ouvisse e visse nas reuniões. Possuía um grau hierárquico extremamente rígido, porém qualquer pessoa por mais humilde que fosse, podia chegar ao posto máximo nesta hierarquia.

_Há quem diga que essa maçonaria influenciou muito na vida política de quase todos os países, durante sua existência, inclusive na formação de um governo único, o que aconteceu realmente algumas décadas antes da partida desta nave.

Mesmo depois de tantos anos longe da terra, muitas pessoas ainda se interessavam por assuntos religiosos, filosóficos e ideológicos. São os resquícios do que existe, ou existia na terra. Não sabemos mais o que acontece hoje por lá.

_Bem, já vi alguns documentários a respeito, afirmando que não só a maçonaria, mas outras organizações, também tiveram grande influência nessa nova formatação governamental.

_Já leram alguma coisa a respeito do famoso grupo Bilderberg? Perguntou um rapaz de uns trinta anos, e que trabalhava como professor na área de história da terra. _Por volta do ano de 1954 DC, um grupo de empresários e milionários se reuniu, pela primeira vez, e anualmente, a posteriori, se reunia para discutir dentre outros assuntos a globalização. Passou então, a ser acusado de interferir na vida política em vários países. Em especial dos que interessavam do ponto de vista financeiro e político. Era formado por pessoas muito ricas e suas intenções, também não eram muito claras. Eles se reuniram pela primeira vez como conferência de Bilderberg, ou Reuniões de Bilderberg ou ainda Clube de Bilderberg, em um hotel com o mesmo nome, nos chamados Países Baixos. Tinham a fama de conspirar contra a dominação capitalista, mas muitos cientistas políticos, com pensamentos de direita, os acusavam de conspirar pela formação de um governo mundial único na terra, e lutavam por uma economia planificada e global. Foi desta forma que surgiu a Nova Ordem Mundial, explicitamente mono polarizada com uma política de expansão e domínio pelos países ricos. Tudo indica que eles lutavam pela manutenção dos países que eram considerados de primeiro mundo, portanto, ricos, e conspiravam pela exclusão de países emergentes. Isto foi se fortificando aceleradamente, por volta dos anos 2000 em diante. Por volta de 2020 isto se tornou tão real, ao ponto de interferiram nas eleições de diversos países, mesmo os considerados de primeiro mundo, fazendo com que se elegessem os seus interessados. Mesmo que estes fossem homens altamente corruptos, desprovidos de qualquer senso humanista. Homens que, com suas práticas corruptas, tinham defraudado e sujeitado seu povo. Se “lessem a sua cartilha”, era suficiente para que caíssem nas graças do grupo. Ou seja, se, se interessassem na formação de um governo único na terra, no empobrecimento dos demais países, e na redução da população mundial.

_Mas isto é um absurdo. Cortou o assunto do professor antes que ele terminasse de falar, outro participante da conversa.

_Absurdo ou não, há quem seja favorável a esta ideia, até mesmo dentro desta nave. Tanto é que ela é fruta das ideias desse grupo, o qual governava a terra escrevendo a sua história com o sangue do povo. A construiu debaixo de mentiras explícitas e força ideológica. Para a população, tratava-se de um projeto de defesa da nação, pois afirmava o governo, que existia, ainda, povos que eram contra o governo central, e planejava ataques continuamente contra as forças governamentais. Ataques estes, que o próprio governo central único, montava e executava para incriminar grupos contrários. Assim, se mantinha no poder. A imprensa dominada pelo governo, era conivente e espalhava notícias fictícias e inverídicas. Vários dos cientistas mais brilhantes da época trabalhavam contra a sua vontade no desenvolvimento deste projeto, que sugava da população o seu sustento, o seu remédio, e a sua vida. Até mesmo algumas pessoas da família, que eram do interesse do governo eram levados para as fábricas de componentes, e para o espaço, onde era montada, e de lá não mais saíam. Jamais, alguém que trabalhou na construção desta nave, sejam os cientistas ou os trabalhadores braçais mais humildes, voltou para casa.

_Então foi assim que tudo começou?

_Com certeza. A nave que era tida pela população como um veículo de defesa, na verdade era um veículo de fuga da cúpula do partido, em caso de necessidade. Quando estava para se tornar autônoma, houve uma conspiração no seu interior, de tal maneira que conseguiram roubá-la antes dos testes finais. Num momento de descuido dos governantes. Infelizmente os remanescentes dos cristãos em terra, que eram tidos como adversários políticos, sofreu uma tremenda retaliação por parte do governo, que se defendeu com outra mentira. Atribuíram aos cristãos, a destruição daquilo que chamavam de base aérea de defesa da pátria e da vida do povo. Um número incalculável de cristãos foi fuzilado em praça pública, isto, nas últimas décadas do século XXI. Com certeza a população nunca soube o que realmente aconteceu.

_Muito trágico. Não dá para creditar se não houvessem registros.

_Na verdade, creio eu, pelo que tenho estudado da história das civilizações da terra, tudo nasceu de questões religiosas. Havia na terra, várias religiões e cada uma via Deus de uma maneira. Quero dizer à sua maneira. O cristianismo, sem dúvida, era o epicentro de tudo. Desenvolveu-se desde o início do nosso calendário, com o evangelho de Jesus Cristo, e cresceu muito o número de seus seguidores. Desenvolveu-se ao mesmo tempo o movimento anticristão, que os combatia com forças filosóficas, políticas, militares e outros seguimentos religiosos. O cristianismo, ou seja, os seguidores de Jesus Cristo, se tornou uma religião dominante por quase dois mil anos. Neste período, sem vida houve exageros nos ensinamentos, e a igreja dominante cometeu muitas atrocidades em nome de Deus. De Jesus Cristo. Com isto houve vários cismas, surgindo várias correntes doutrinárias, cristãs, porém contrárias a igreja dominante. A teoria da conspiração envolveu todos os seguidores de Cristo nesta falácia e passou a disseminar o ódio, entre, e contra todos, espalhando ao longo de séculos, sua doutrina anticristã. Diziam que os seus seguidores eram os que mais cometiam atrocidades, em nome do lucro. Surgiram, então, de maneira sutil, as religiões satânicas, que por fim, se tornaram práticas populares, muitas delas, pregadas de forma velada por alguns seguimentos da mídia. Desta forma, culminou com a formação do governo mundial único, e uma tremenda doutrinação da classe estudantil, por meio das escolas, e dos meios de comunicação. Talvez em nome da formação profissional e especialização do conhecimento somado ao desejo de uma elevação do sistema cultural de cada povo. A teoria da conspiração, pelo que se entende, era toda esta fermentação religiosa, política social e econômica. Usava de outras religiões não cristãs, e seguimentos sociais diversos, para engessar suas ideias anticristãs e fazer deste povo, alvos do seu terrível ódio.

_Não dá para acreditar em tamanha atrocidade.

_Não mesmo.

_Mas de acordo com os arquivos, foi desta maneira que a história nos conduziu a este lugar, pequeno, isolado, mas livre de um regime político satânico, escravagista, vingativo e mentiroso.

Terão sobrevivido os nossos irmãos genéticos da terra, em meio a tantas mentiras e sede de poder? Creio eu, poder de governar e de ser deus, em lugar do Deus criador de todas as coisas? Se ainda sobrevivem, até quando?

_Não sei.



Segundo os meus estudos é a mais pura verdade. Mesmo porque, o próprio Jesus Cristo, afirmava em seus ensinamentos que viria o anticristo, os falsos cristos, os falsos profetas, e lutariam contra o seu povo, numa onda de grande tribulação que finalizaria com o seu retorno ao mundo, o que se daria no momento certo, determinado pelo próprio Deus Criador e mantenedor. Neste retorno, cessaria esta grande tribulação com a derrota e a prisão do anticristo, denominado Diabo ou Satanás, e seus emissários. Anjos caídos, de acordo com as sagradas Escrituras. Estes, com os seus seguidores, seriam lançados em uma prisão eterna. Assim, cessaria com eles o seu poder e sua luta contra os cristãos. O professor continuou a sua narrativa enquanto os ouvintes calados, não ousavam interrompê-lo. Somente alguns minutos depois que ele silenciou, é que a discussão reacendeu.

_Estou arrepiado com todas estas declarações. Realmente não conhecia essa trágica história.

_Precisamos pesquisar mais, ou ouvir mais o que o professor tem a dizer sobre o assunto, para não morrermos na ignorância.

_Confesso que não sabia dessas coisas. Ou pelo menos, não dava muito crédito, pois não conhecia a origem de tudo. Mesmo lendo a Bíblia com certa frequência.

_É assim que acreditamos numa mentira repetida e bem contada.

_Verdade. Sei que toda história tem no mínimo duas versões. Com as ditas verdades, se dá o mesmo. Precisamos conhecer as duas para decidirmos por uma delas, depois de verificar melhor a sua veracidade.

_Quer dizer, que aqui estaremos seguros e livres deste anticristo? Outro ouvinte questionou, e foi o professor, quem respondeu com propriedade.

_Receio que não estamos livres dele. Nem mesmo do grande julgamento que Deus em Jesus Cristo fará. Diz a Bíblia, o livro sagrado dos cristãos, que Ele reuni todos os seres humanos na sua presença, onde julgará os atos de cada um e declarará quem ficará com Ele e quem ficará sem Ele. Consequentemente quem ficará com o Diabo ou Satanás, em sua prisão eterna.

_Ficará onde professor?

_A Bíblia declara que o Deus Criador, em seu filho Jesus Cristo, tem preparado um lugar para os seus servos onde estarão na Sua presença eternamente. Outro lugar para os que serão destituídos de sua presença, também eternamente.

_Mas aqui no espaço estamos livres de tudo que acontece na terra. Já fazem mais de 300 anos que esta nave partiu de lá, e uma distância enorme nos separa deles. Podemos estar livres inclusive deste julgamento.

_A Bíblia, afirma que os anjos de Deus renuirão todos na sua presença. E que o mar e até mesmo a morte, daria conta dos homens para esse tremendo encontro.

O professor era mesmo conhecedor da Bíblia Sagrada e se pautava por ela em suas respostas. A maioria das pessoas estavam atentas as suas palavras e explicações.

_Que Deus nos livre desta hora. Uns falaram e outros concordaram.

_Conversa fiada. Um jovem ouvinte rangia os dentes, mas não ousou responder em voz alta.

_Não há como se livrar desta hora. Afirmou outro senhor que se apresentou como cristão praticante, e que seguia os ensinamentos de Cristo através da Bíblia Sagrada. Era o Senhor Anastácio.

_Mas o que temos nós com tudo isto?

_Eu não tenho nada a ver com tudo isto. Não sou nem crente nem ateu. Outra voz se ouviu.

_Eu tenho minhas dúvidas. Disse o Senhor Anastácio. Pois fomos todos nós, criados por esse Deus, somos feitos à sua imagem e semelhança, e temos uma impagável dívida com Ele. A Bíblia diz que todos pecaram. Diz também que a alma que pecar, morrerá. Quer dizer, todos transgrediram seus princípios estabelecidos desde a fundação do mundo. É causa e consequência, meus amigos.

Eram as manifestações de muitos. O que demonstrava o nível da ignorância em relação a Deus. Talvez da maioria dos que estavam no interior da nave.

_Sendo assim, é claro que todos nós temos tudo a ver com esta questão. Interviu outro, dos presentes, e que provou ser também conhecedor da questão. Vou relembrar a todos vocês, o que talvez tenham esquecido. A Bíblia afirma que todos os seres humanos foram criados à imagem e semelhança de Deus, para a Sua própria glória. O homem portanto foi criado por Deus, em santidade e sem pecado. Mas o homem ainda no jardim do Éden, o local da criação original, desobedeceu a ordem do seu criador, comendo do único fruto que Deus o havia proibido de comer. Desobediência. Foi o que o homem e sua mulher fizeram. Deste momento em diante a palavra afirma que todos pecaram. Em todos os tempos e em todos os lugares, pois nasceram sob a pena do pecado. Com isto o homem se distanciou cada vez mais da presença do seu criador. Ele enviou profetas, reis e pregadores para trazerem o homem de volta para Si, para fazerem com que o homem se arrependesse do seu pecado original, bem como de todos os pecados que cometeu e comete a todo instante. Diz o Salmo 151 versículo 5, “Eu nasci na iniquidade e em pecado me concebeu a minha mãe”. Deus, então, enviou à terra o seu próprio filho Jesus Cristo, para pagar com a sua vida e seu sofrimento, o preço dos pecados de todos os que O aceitarem e se arrependerem de seus pecados. Seu filho Jesus Cristo derramou o seu próprio sangue numa cruz, no lugar do homem. Quer dizer, Ele pagou com a própria vida o preço do pecado de todos nós. O que Ele requeria e requer de nós hoje, é apenas o reconhecimento desse ato Divino, e o arrependimento dos nossos atos pecaminosos, para o retorno à situação de amizade com o seu criador. Desde que Jesus Cristo foi escarnecido, espancado, crucificado, morto e ressuscitado, Ele através de sua palavra, e os seus enviados, os apóstolos, e pastores, tem pregado o seu evangelho com os mesmos ensinamentos. Arrependimento e conversão. Um dia, Ele voltaria para reunir os que o aceitassem. Desde então, seus seguidores, tem feito de tudo para que o homem creia e se arrependa, mas temos sido obstinados, teimosos e pecadores contumazes. Tem, não só rejeitado, mas blasfemado o Seu nome santo, preferindo seguir o anticristo como Ele mesmo afirmou. Creio que todos nós temos que conhecer a palavra de Deus, a Bíblia, pois ela nos leva ao arrependimento. Assim temos condições de esperar para estar na presença tremenda do nosso criador. Não precisamos temer, pois nada de mal nos acontecerá quando se der esse esperado encontro. Se alguém aqui tem dúvida, é melhor tomar uma posição, pois o objetivo de todo sofrimento, da grande tribulação, como diz a Bíblia, é para separar os seguidores de Cristo e os seguidores do anticristo.

Com muitas observações o Senhor Anastácio e outros companheiros, advertiam o povo no interior da nave. Durante muitos anos mais, ele e muito outros executaram a ordem de Cristo de anunciar o seu evangelho para todos os seres humanos. Inclusive os que estão perdidos no infinito espaço celeste.

Mesmo com todos estes esclarecimentos, o que se tornou praticamente obrigatória, a pregação, para que todos a ouvissem, havia os que rejeitaram e ainda procuravam desvencilhar da fé os que a abraçavam. Se tornou uma prática o encontro em reuniões para estudo bíblico e oração, onde buscavam o aprendizado da doutrina cristã.

Paralelamente, grupos que denominavam anticristãos, também começaram a se reunir, não para estudos, mas para planejar atos de sabotagem contra os encontros cristãos. Formaram até um partido para fazer oposição ao governo e à religião. Na verdade, queriam mesmo era assumir o comando, para impor por completo suas ideias anarquistas, comunistas e unilaterais. Alguns indivíduos traziam o ranço do partido totalitarista da nova era na terra, aprenderam com seus pais alguma coisa sobre sociedade coletiva, governo mundial, nova ordem, e outras ideias extremistas. Um deles, mais exaltado teve sua doutrinação completada com livros e artigos existentes nas bibliotecas da nave. Essa biblioteca era portadora de milhões de títulos de diversas ordens e tendências. Desde livros técnicos, filosóficos, espirituais, aos misticos doutrinadores das ceitas ocultas. Incluindo táticas de torturas e de guerrilhas. Uma das ideias principais do grupo era deletar os arquivos desfavoráveis às suas opiniões. Paralelamente, iniciar um trabalho de doutrinação de crianças. Chegaram a montar um grupo rebelde, que recebia instrução dos descontentes, um deles, chamado Guevarrier.

A ideia principal era planejar um ataque à biblioteca, e o primeiro arquivo visado seria a própria Bíblia, pois segundo eles, este livro era o responsável pelo atraso da sociedade, pois ensinava princípios ultrapassados, gerando uma sociedade medíocre, e cheia de ódio, pois ensinavam que existia um Deus que julgaria o homem por causa do seu pecado. O Cristo, ensinado na Bíblia, para eles era homossexual, amasiado com uma de suas servas, mas queria na verdade era ensinar a prática do anarquismo entre todos os seres humanos que viviam naquela nave.

_Deus, não passa de uma criação do homem para satisfazer os seus desejos de domínio e de extermínio. A vontade desse deus é a expressão de sua própria vontade.

_É verdade. Não creio em um deus que pretende exterminar o homem por coisas que ele mesmo pratica. Se existe um deus, ele tem que ser amor puro. Compreensível, e que sabe entender os problemas da humanidade.

Outro dizia: _Não posso crer num Jesus que se diz criador de todas as coisas e que é tão fraco a ponto de ser crucificado por suas próprias criaturas. Não creio, também, que tenha ressuscitado. Isto não existe. É coisa de ignorantes. A ciência, esta sim, levará o homem a imortalidade. Não este Deus.

_Nós, na verdade, é que somos vítimas da sociedade desigual. Uns mandam e usufruem de tudo, enquanto a maioria, enriquece e endeusa esses poucos.

_Queremos igualdade para todos. _Queremos igualdade para todos. _Passou a ser o lema, e o que começou a ser divulgado no interior da nave-mãe através dos diálogos pessoais, depois dos grupos de amigos, e por fim, as redes sociais clandestinas. Até que tudo se tornou natural e normal até nos meios de comunicação do próprio governo.



_Queremos Guevarrier no poder. Queremos Guevarrier no poder. Foi o que se ouviu nos anos seguintes. Um pequeno grupo, que foi crescendo aos poucos. Logo depois, um levante com uma passeata pelas principais ruas da cidade nave, arrastou um número expressivo de pessoas. Mais alguns meses outra passeata aumentou o número de manifestantes. Eram chamados para requer melhorias para o povo e terminavam com manifestações anticristãs e contra a liderança da nave. Os oradores proferiam seus discursos fortes e entusiasmados.

_O que mesmo está acontecendo com nossos irmãos do espaço?

Era a pergunta que se ouvia, e apesar do número expressivo de manifestantes contra esses movimentos, ele persistia. Até mesmo muitos que se diziam cristãos eram arrastados por estes movimentos.

_Não sei o que está acontecendo. Porque a casa jurídica não toma uma posição e acaba de vez com tudo isto?

_Quem não vê que tudo isto é apenas mentira. Apenas falácea de um grupo minoritário que quer apenas tomar o poder?

A casa legislativa acabou por eleger Guevarrier representante do povo com a bandeira pelos direitos do pobre. Se é que por acaso no interior da nave existiam pobres ou ricos, se nem mesmo moedas de troca e bens de reserva existiam. Posteriormente aprovou lei estabelecendo que as eleições para o governo da nave, não precisavam de provas de votos. Dentro de mais vinte anos a febre Guevarrier tomou conta do povo e os meios de comunicação foram forçados a veicular suas mensagens, e logo depois estava do lado do movimento, clamando contra o governo conservador.

_Vamos colocar os motores quânticos para funcionar e levar-nos em segundos ao planeta ideal para nós habitarmos. Era o que diziam, afirmando que o governo atual retardava estas descobertas e escondia informações, para manter o povo no espaço por milhares de anos, enquanto os dominava.

Por fim tomaram o poder com explícita prova de roubo nas eleições, e modificou as leis que vinham sendo observadas desde que a nave deixou o entorno da terra. Começaram a veicular notícias sobre a liberdade do sexo. O ensino sobre ideologia de gênero foi exigida nas escolas, o aborto tornou-se livre e bem assim o uso e comercialização de alucinógenos. Foi formada uma milícia fabricante de armas de fogo clandestinas, e criação livre de laboratórios para produção de diversas drogas alucinógenas. Tudo com uso dos aplicativos e recursos tecnológicos da Nave Mãe.

A perseguição religiosa acabou por proibir qualquer tipo de reunião que sequer expressasse a ideia de um ser criador de todas as coisas. Neste tempo, muitas pessoas foram sacrificadas por traição à pátria nave, somente por professarem a fé. Quem não se declarasse a favor do novo regime governamental, não recebia os suprimentos de alimento, vestes nem remédios. Seus aposentos eram ocupados por membros e filiados do partido, que cederem os sues lares para a ampliação das residências dos chefes e autoridades influentes no poder. Os novos desabrigados passaram a viver nas ruas até morrerem de inanição. O anarquismo foi cultuado e até mesmo incentivado, uma vez que as leis conservadoras eram tidas como retrógradas e, portanto, não podiam mais ser observadas. O caos se instalou no interior da nave-mãe, e com ele a doença, a fome e as brigas de gangues. A instabilidade tomou conta das pessoas de bem, e até mesmo o Governo Social Democrático, como era definido. Ele perdeu o controle da situação, mas seus líderes não abriam mão do poder. Eles, e apenas eles, usufruíam das bonécias que a nave podia produzir. Criaram-se aposentos luxuosos, comidas que demandavam mais energia para serem produzidas, bebidas que até então não eram permitidas. Um aplicativo foi instalado para que as cozinheiras produzissem alucinógenos para quem os quisessem. Por fim, planejava produzir um veículo mais moderno ainda, com o propósito de alcançar as naves coloniais restantes, e destruí-las, afirmando que nelas haviam traidores, e que eles pretendiam atacar a nave-mãe num atentado orquestrado por remanescentes cristãos. Os ocupantes das naves Coloniais sequer sabiam do levante que havia tomado o poder na nave-mãe.

Os denominados e anunciados motores quânticos, que poderiam levar a nave mais rápidos do a própria luz era apenas uma falácea da oposição. Apesar da tecnologia existente, eles eram apanas utopia e motivo de conquista de votos.

_Não há o que fazer nobres senadores? Como podemos aceitar esses desmandos no poder e a orientação que se dá aos moradores desta querida nave, nosso novo mundo?

Era a pergunta que faziam, alguns destemidos membros do poder, quando ocupavam a tribuna. O presidente da casa fechava a boca e as gavetas dos projetos de lei. Nenhuma resposta havia para os seus clamores em prol do sofrimento da maioria da população da nave. Eram os corajosos conservadores que ousava combater as ideias do novo governo. A maioria dos parlamentares ouviam calados, pois não queriam perder as regalias que o governo totalitário lhes dava. Tudo foi muito bem orquestrado, de maneira que a milícia criada, não para combater o crime, que a essa altura já era comum, mas para proteger os poderosos e perseguir os cristãos, e os que ousassem desafiar o governo. Um sistema judicial também foi implantado, coisa que somente existia nas leis, pois em todo o tempo que a população permaneceu no espaço, poucas vezes um tribunal foi instalado esporadicamente, e apenas para julgar um caso ou outro de pequena expressão. Eram coisas banais, mas que o tribunal se via na obrigação de intervir. Agora ele servia para julgar cristãos e desafetos do governo, fazendo deles traidores da pátria.

_Senhor, tenha misericórdia do teu povo nesta nave e na terra, se ainda existir alguém por lá.

_Fale baixo meu velho Noa, estas paredes têm ouvidos.

_Não tem problema Milca, é melhor ser executado, do que viver essa agonia, esse sofrimento. Assim esteremos com Jesus.

_Concordo com você, mas somente Deus sabe a nossa hora.

Dentro de poucos dias este casal bem como outros cristãos foram reunidos em um local denominado caveirão, onde seriam executados como traidores da pátria. Eram, menos de uma centena de pessoas, pois os demais já haviam sido, executados pela milícia do governo, cujos membros demonstravam verdadeiro prazer em usá-los como alvos para a prática de tiro. Eles sempre gargalhavam quando algum cristão caía lentamente no piso da nave, e seu sangue tentava flutuar lentamente entre o piso e o teto. Muitas vezes para estas execuções, o sistema de gravidade da sala era parcialmente desligado para que o show fosse mais divertido. O local cheirava mal mesmo sendo aspirado pelos robôs garis. Não se tinha conta do número de pessoas que ali tinham sido metralhados. Este grupo remanescente estava reunido lado a lado, recostado num paredão, em praça pública, aguardando enquanto as autoridades decidiam se seriam metralhados ou obrigados a ingerirem o potente tóxico da agonia, a eles, via de regra, servido. Seria o fim do movimento cristão no interior da nave.



Sem mais nem menos, o interior da nave escureceu de tal forma que nada podia ser visto, e uma dor profunda invadiu a alma de todos nós. Talvez nem tanto pela escuridão, mais pela sensação de estarmos soltos nas profundezas do cosmo. A princípio isto deu lugar ao grande desespero, pois era uma situação inusitada para todos. Uma sensação de medo e agonia como nunca eu havíamos sentido. Nossos corações dispararam, pois não víamos e não ouvíamos nada. Uma mulher tentou tocar com o ombro em alguém do seu lado mas foi em vão. Chamou pelo nome de seu companheiro, que estava ao lado, mas não teve resposta. Eu tentei recostar no paredão para sentir o meu corpo, mas não havia paredão ao alcance. Pensei a princípio que havia sido alvejado por um tiro, mas não senti dor alguma. Até que apalpei em alguém, perguntei o que estava acontecendo, mas obtive uma resposta evasiva.

_Estou com muito medo. Foi a voz que ouvi.

Percebi então que estava sem as amarras nos pulsos, mas continuava sem entender.

_Como é que as luzes apagaram justamente neste momento? Perguntou o companheiro do outro lado.

_Não estou entendendo nada. Disse e continuei: Você também está desamarrado?

_Acenda a porra da luz, miliciano imprestável. Foi o grito que se ouvi do comandante da milícia.

_Agora sim, é o nosso fim. Foi apenas um sussurro. Quase não ouvi.

Ele gritou de novo, usando palavras que não ousarei repeti-las.

Não houve resposta alguma ao grito do comandante da milícia. Os próximos gritos foram expressões de dor e agonia. Gemidos profundos e tristes que vinham do mais profundo do ser humano. Era apavorante ouvir aqueles gemidos que a princípio parecia sem sentido, como tudo que estava acontecendo. _Seriam milicianos levando chibatadas dos seus superiores, o que era comum quando cometiam algum deslize?

Aos poucos todos nós fomos tomando consciência do que acontecia. Sentíamos uma paz indescritível. Eu disse aos que estavam perto de mim. _Tenham fé meus irmãos. Logo estaremos com o nosso Mestre e nosso Senhor.

_Sim estamos todos muito bem. Ouvi em uníssono.

De repente a escuridão deu lugar a uma luz fortíssima que invadiu o interior da nave e todos ficaram atônitos sem entender de onde ela vinha. Não havia sombras e não emitia calor. A luz não permitia que eu visse coisa alguma, mas aos poucos ela foi atenuando e eu comecei a ver as pessoas nitidamente, mas continuava sem as sombras de nossos corpos no piso da nave. A milícia não tinha nas mãos as suas armas, e uns estavam caídos no piso. Uns segurando o estômago, outros a cabeça, como se sentido muita dor. Tentavam arrancar os cabelos da cabeça. Todos gritavam como que sentindo muita dor, outros ainda, de joelhos, imploravam por misericórdia. Tentamos colocar as mãos nos olhos para obstruir uma parte da luz, mas não ouve tempo. Fomos todos encontrados em uma área muito plana e sem limites visíveis, envoltos naquela luz e naquele estado, que era de paz e tranquilidade para uns, e dor e agonia para outros. As paredes da nave sumiram. Os milicianos e o comandante não estavam mais em nossa frente. Lá se encontrava uma multidão que não se podia contar. Por todos os lados. Dentre eles, Benjamim o fugitivo com sua sobrinha, sua esposa e cunhada. Ariano e Mayrilen, bem como muitos dos demais ocupantes das naves coloniais, inclusive das que haviam se perdido no espaço, dentro de um buraco negro, e as que se desintegraram por conta dos raios cósmicos. Os lideres tanto da nave-mãe como das coloniais e o poderoso governo da nova ordem, em terra, com e sus auxiliares bem como toda a população da terra. Houve quem reconhecesse casualmente grandes personalidades do passado, e também pessoas humildes que viviam de maneira aleatória, em todos os tempos, e em todos os países. Hitler, Mussolini, Napoleão, Nero e tantos outros. Cristãos e de outras configurações religiosas. Eu tomei consciência de que toda a população da terra, de todos os tempos estava ali.

_Que lugar é este? Alguém perguntou assustado.

Um enorme trono branco podia ser visto de forma não muito clara, por causa da luz transcendental. Eu sabia que não estávamos mais no interior da nave. A terra, o sol e as estrelas pareciam não mais existir.

Tudo era muito diferente e envolto em uma plena, sublimidade gloriosa. Em volta do grande torno, anjos, arcanjos e querubins e outras criaturas celestes movimentavam frenéticos de um lado para outro, sem parar, evidenciando e cantando glórias ao que era e que é, eternamente. Aos poucos fui entendendo que todos louvavam ao que estava assentado no trono. Era uma visão extremamente sublime. Jamais imaginei algo tão especial. Pleno. Não há palavras para descrever tamanha glória.

_Estamos realmente no céu? Perguntou quem estava do meu lado, timidamente.

_Lembrei-me claramente, na hora, o profeta Isaías no capítulo seis, quando descreve Deus sentado num trono branco, envolto em imensa glória. Disse alguém para mim, inerte, com os olhos fitos no grande trono. _O grande julgamento está acontecendo. Caiu de joelhos em terra e adorou. Eu não resisti e fiz o mesmo. De joelhos com o rosto no piso, comecei a chorar copiosamente, sabendo que não era choro de tristeza, nem de dor, nem de medo, mas de alegria, e como expressão de adoração.

_Lembrei que me impressionava, sempre que lia Mateus 24. Logo depois, em seguida a grande tribulação daqueles dias, o sol escurecerá, a lua não dará sua claridade, as estrelas cairão do firmamento, e os poderes dos céus serão abalados. Então aparecerá o sinal do Filho do Homem; todos os povos da terra se lamentarão e verão o Filho do Homem vindo sobre as nuvens do céu, com poder e muita glória. Ele enviará os seus anjos, com grande clangor de trombeta, os quais reunirão os seus escolhidos, dos quatro ventos, de uma a outra extremidade dos céus. Lembrei de Apocalipse com sua mensagem de revelação. I Coríntios 15:50-55. Isto afirmo, irmãos, que carne e sangue não podem herdar o reino de Deus, nem a corrupção herdar a incorrupção. Eis que vos digo um mistério: Nem todos dormiremos, mas transformados seremos todos, num momento, num abrir e fechar de olhos, ao ressoar da última trombeta. A trombeta soará, os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados. Porque é necessário que este corpo corruptível se revista de incorruptibilidade, e o corpo mortal se revista da imortalidade. E, quando este corpo corruptível se revestir de incorruptibilidade, e o que é mortal se revestir de imortalidade, então, se cumprirá a palavra que está escrita. Tragada foi a morte pela vitória.

Numa movimentação totalmente incompreensível e muito rápida, me encontrei em meio a um grupo do lado direito daquele que se encontrava no trono. Outro grupo, muito grande, se formou no lado esquerdo. Eu senti uma paz que nunca havia sequer sonhado antes, e percebi que o meu corpo havia se transformado, assim como das pessoas que estavam do meu lado. Então passei a identificar alguns dos antigos mártires da fé, e outras pessoas que professaram a fé em Cristo Jesus. Me lembrei na hora de Mateus 25, 31-34. E quando o Filho do homem vier em sua glória, e todos os santos anjos com ele, então se assentará no trono da sua glória; E todas as nações serão reunidas diante dele, e apartará uns dos outros, como o pastor aparta dos bodes as ovelhas; E porá as ovelhas à sua direita, mas os bodes à esquerda. Então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo.













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